Em junho de 2020, escrevi neste jornal um texto com o título "Uma bomba de hidrogénio". A ideia era que, a avaliar pelo descrito na Consulta Pública, o projeto do hidrogénio verde seria uma bomba que deflagraria sobre a economia portuguesa. Inviável economicamente, a sua execução viria a consumir grande parte dos fundos europeus, prejudicando iniciativas bem dimensionadas que promovessem a modernização e dinamização da estrutura produtiva do país ou nela facilmente se integrassem, repartindo simultaneamente os riscos envolvidos. Ademais, tratava-se de um projeto de realização duvidosa, face à dependência de tecnologias imaturas ou mesmo ainda desconhecidas.
Estava era longe de pensar que o projeto, além de uma bomba destruidora da capacidade de apoio a projetos adequados à reindustrialização do país, cairia também com estrondo sobre o poder político, integrado que foi na lista dos investimentos ligados à transição energética em que o Ministério Público acusa agentes do Estado de intervenção indevida, irregularidades, imposição ou exclusão de acionistas ou tráfico de influência, contribuindo para o pedido de demissão do primeiro-ministro e dissolução do Parlamento.
O facto é apenas mais um a reforçar o entendimento de que o risco de corrupção é tanto maior quanto maior for a intervenção do Estado na atividade económica. E é maximizado quando o Estado se alia a privados na promoção de investimentos que, à falta de viabilidade económica, considera estratégicos, iniciando um processo inevitável de ligações espúrias entre as empresas interessadas e os governos desejosos de evidenciar o êxito estratégico do projeto, mais acentuadas pela confusão entre o Estado promotor e licenciador.
Por necessitar de incentivos públicos em todas as suas fases, na produção, armazenamento, distribuição e consumo, exigindo uma permanente intervenção do Estado, o projeto do hidrogénio verde é paradigmático dos que propiciam um continuado tráfico de interesses. E demonstra também claramente que opções vanguardistas não sustentáveis no plano económico ou tecnológico podem levantar sérios problemas políticos, além das óbvias perturbações da concorrência e da atividade económica.
À economia o que é da economia, devia ser o lema. Ao Estado compete a regulação, não a intervenção.