Uma coisa tipo assunto

Muito se escreveu e disse sobre o nado-morto projecto de lei destinado a regular a cobertura das eleições. A classe indignou-se, e fez uma barulheira que durou uns dias, dizendo que era um projecto de censura prévia, que os partidos queriam controlar a informação, que se atentava contra a liberdade, a democracia e tudo, e tudo.
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E eu, que sou de indignação fácil, indignei-me: - Malandros! - disse, fingindo, como todos, que aquilo era mesmo uma ameaça e que se desenrolava, na Assembleia da República, uma mordaça gigantesca capaz de calar todas as livres bocas do nosso jornalismo.

- Malandros! - repeti, tentando dar momento à indignação e pretendendo que a maioria dos jornalistas da política são pessoas independentes, livres de noticiar e capazes de agenda própria; autores do script noticioso e não apenas altifalantes do Marco António Costa do PSD/CDS e dos Marcos Antónios Costas do PS, PC e do Bloco.

E ia dizer "Malandros!" uma terceira vez, que isto da indignação precisa de repetição, quando vi escarrapachada nas primeiras páginas e aberturas de telejornal, disparada por epístola, a sugestão do Marco António Costa de submeter as propostas económicas do PS à UTAO e ao Conselho de Finanças Públicas. E então pensei, enquanto engolia o terceiro "Malandros!": afinal o projecto de lei era uma grandessíssima perda de tempo. Condicionar, legislativamente, o jornalismo político é uma tarefa inútil e dispendiosa porque basta escrever-lhes o script em forma de assunto - nem precisa de ser assunto, basta ser uma coisa tipo-assunto - que a malta, alegremente, pega nele e noticia dando-lhe honras de facto político. Se não vejamos.

Ao sugerir que se submeta a coisa económica do PS à apreciação de entidades públicas, o que o homem do PSD/CDS está a dizer, implicitamente, é: (1) que os jornalistas e redacções engolem tudo e mais alguma coisa, e que não têm capacidade, nem meios, nem tempo, nem competência para fazer contas e olhar com espírito crítico o que os partidos lhes dão, e por isso o melhor é pedirem ajuda ao estado; (2) que também eles próprios, o PSD/CDS, por preguiça, incapacidade técnica ou burrice, não são capazes de fazer o trabalho de casa e apresentar um contraditório tecnicamente sustentado das ideias dos outros; (3) e por fim - e aqui reside a genialidade do imperial Marco António -, ao dar à sugestão inútil a forma de assunto, e fazendo das redacções seus altifalantes, levantam suspeitas sobre a credibilidade da coisa económica do PS (e o PS, como bónus, entra no jogo).

Censura para quê? quando ao transformar uma coisa tipo-assunto em assunto, jornalistas e redacções se comportam como figurantes num script escrito por quem os usa para amplificar a sua mensagem.

Vocês não percebem a figura que fazem?

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