Uma praga, Miguel, uma praga

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Durante anos estive convencido que os

portugueses eram o povo mais criativo, moderno, divertido e elegante

da Europa, talvez mesmo do mundo. Quando ia a Nova Iorque ou a

Londres conhecia gente interessante mas que não chegava aos

calcanhares dos "meus" portugueses. Claro que em Portugal

eu passava os dias e as noites fechado na minha agência, a trabalhar

com designers, criativos e planners espertíssimos e bem vestidos; e

por isso tinha a impressão que tinha. Era esse o meu mundo.

Hoje, como o meu mundo é o mal pago

mundo da escrita e estou rodeado de jornalistas, artistas, cineastas

subsidiados e gente que se dedica a subir e a descer o eixo

Bica/Bairro Alto, tenho a nítida sensação que os portugueses são

um povo baixo, mal vestido, encardido, sem grande sentido de humor e,

maioritariamente, do Bloco de Esquerda.

Já se passar meses na praia, entre

surfistas e nadadores-salvadores, posso extrapolar que os

portugueses, embora lindos e em excelente forma física, são muito

limitados no que às competências verbais - tanto lexicais como no

domínio das leis combinatórias - diz respeito.

E felizmente não sou de frequentar

bordéis, lupanares ou as páginas de classificados do Correio da

Manhã, senão ainda insultava o leitor escrevendo que Portugal era

um país de homens e mulheres lúbricas, cafetões e cafetinas.

Sempre que fazemos este tipo de

raciocínio usamos uma sinédoque, a figura de estilo que consiste em

tomar a parte pelo todo. No caso, o nosso pequeno mundo pelo mundo

todo. Acontece-nos a todos. Imagino que um pastor, lá na serra,

imagine as portuguesas e os portugueses todos cabras e borregos. O

nosso mundo é até onde a nossa vista alcança e se o quisermos

maior temos de sair dele e acrescentar-lhe mais. Mais mundo.

O ministro Miguel Macedo, ao citar a

fábula da cigarra e da formiga, pensou estar a usar uma metáfora

colorida quando, na verdade (acto falhado), utilizou uma sinédoque

que tomou o mundo todo pelo seu. Atente-se neste parágrafo da

Wikipédia e digam-me lá se não vos lembra qualquer coisa.

"A importância da cigarra no

ecossistema é positiva, por um lado, por servir de alimento para os

predadores, e negativa, por outro, porque constitui-se em pragas de

algumas culturas. As suas ninfas vivem alimentando-se da seiva das

raízes das plantas, causando sensíveis prejuízos pela quantidade

de líquidos vitais que retiram e pelos ferimentos causados às

raízes, facilitando a penetração de fungos e bactérias." [in

Wikipédia]

Miguel Macedo começou a sua carreira

na JSD. Vive, desde pequeno, rodeado de cigarras. Ele próprio é uma

das muitas cigarras que durante anos fizeram - e continuam a fazer -

um barulho ensurdecedor nos media e que só se calam quando,

finalmente, acasalam com o aparelho de Estado e o começam a comer.

Agora que não há nada para comer, que

a seiva secou, Miguel deu-se conta que há cigarras a mais. Pois há

Miguel, uma praga delas.

Psicossociólogo, publicitário e

autor

Escreve segundo a antiga ortografia

Escreve à sexta-feira

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