Undandy: Startup de calçado acumula dificuldades e queixas de clientes

CEO aponta "constrangimentos externos e a condição financeira da empresa", que tem em curso um PER, para demora nos reembolsos.
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A Undandy, a coqueluche dos sapatos costumizados em Portugal, que chamou a atenção da Google, da Forbes e do Financial Times, entre outros, foi apanhada pela pandemia a meio de uma ronda de investimento que não chegou ao fim. A empresa do Porto que, em 2016, faturava menos de 300 mil euros e, em 2019, ultrapassou os cinco milhões, teve em 2020 que recorrer ao PER - Processo Especial de Revitalização, com seis milhões de euros de dívidas acumuladas. O plano de revitalização, aprovado pelos credores, foi homologado em abril de 2021, e está "a ser cumprido atempadamente", garante o CEO da empresa, Rui Marques, reconhecendo, no entanto, a existência de constrangimentos nos reembolsos.

Uma breve consulta ao Instagram da marca mostra que a Undandy está a acumular queixas e críticas, com clientes a alertar para os incumprimentos da empresa. "Vocês deveriam completar os pedidos que já têm [em carteira] antes de procurarem novos clientes. O meu marido está à espera há dez meses por um par de sapatos vossos", refere uma cliente. Já outro responde: "Dez meses??!! E eu que achava que esperar três meses era uma loucura. É triste perceber que os sapatos são muito bonitos, mas que a falta de comunicação tem sido dececionante". E os comentários repetem-se.

Catarina Saraiva é uma das clientes insatisfeitas. Ouviu falar da marca e encomendou um par em novembro, pelo qual pagou 180 euros, e que pretendia oferecer no Natal. Não percebeu então que o prazo de entrega era de seis semanas e que dificilmente seria possível receber a encomenda a tempo, mas, seis semanas depois, continuava à espera. Das várias vezes que reclamou, recebeu respostas relativas a atrasos na obtenção de matérias-primas, primeiro do couro, depois das solas, com promessas de entrega que nunca foram cumpridas. No início de março desistiu e exigiu a devolução do dinheiro. Ainda hoje não o recebeu.

Devoluções em suspenso

"Costumo ser muito cuidadosa com o que compro online, mas esta era uma marca conhecidíssima e achei que não haveria problema. O que me chateia mais é que nunca fui contactada diretamente pela empresa, só em resposta aos meus emails. Mas continuam a alimentar o Instagram e a loja online está a funcionar", lamenta Catarina Saraiva.

Na última resposta que obteve pode ler-se que "devido a um elevado volume de pedidos pendentes, o nosso departamento financeiro está a demorar mais tempo a completar o seu pedido pendente e ainda temos de obter uma data estimada para a sua conclusão".

Contactado pelo Dinheiro Vivo, o CEO da Undandy recusa indicar as vendas da empresa em 2021 e as perspetivas para 2022, invocando "deveres fiduciários". Sobre a incapacidade de resposta às encomendas, Rui Marques diz que "as atuais circunstâncias globais relacionadas com a crise sanitária e, mais recentemente, com a guerra na Europa, têm sido um entrave para os nossos fornecedores, impactando desta forma a nossa atividade". Sobre os reembolsos, diz que estes estão a "ocorrer de forma faseada, dados os constrangimentos externos e a condição financeira da empresa, que tem em curso um PER".

Argumenta o gestor que, "tal como centenas de empresas em todo o mundo", a Undandy "enfrenta neste momento os efeitos de uma crise pandémica, à qual é obviamente alheia, mas à qual procura resistir da melhor forma possível". Um contexto que levou ao abrandamento da atividade, o que "influencia a cadência" da produção e dos reembolsos aos clientes. Ainda assim, garante, "a produção e o envio de sapatos e de acessórios continua a acontecer, com todos os nossos esforços". Rui Marques explica, ainda, que avançou para a administração da Undandy, na sequência da "submissão da empresa ao PER e da demissão da anterior administração", com o intuito de "levar o processo de reestruturação a bom porto".

Crescimento meteórico interrompido pela pandemia

Criada em 2015 por dois amigos de infância, Rafic Daud e Gonçalo Henriques, a Undandy nasceu da vontade de criar uma marca que oferecesse ao público masculino a possibilidade de personalizar todos os detalhes de um sapato, com uma oferta de "mais de 156 mil milhões de combinações possíveis", entre materiais, solas, costuras, atacadores e cores. Os sapatos, feitos à medida das encomendas, eram produzidos numa unidade fabril de São João da Madeira, que entretanto encerrou, sendo subcontratados noutras unidades.

Em 2017, e com exportações já para 60 países, em especial os EUA, Reino Unido, Alemanha, Canadá e Austrália, a empresa anunciava a intenção de construir uma fábrica própria, em São João da Madeira, também, num investimento de um milhão de euros e que iria permitir a criação de 25 postos de trabalho a acrescer aos 40 que já tinha. Um investimento que nunca chegou a acontecer, reconhece Rafic Daud, que foi o rosto da Undandy desde o seu início, mas que se afastou da empresa em 2020, com a entrada de novos acionistas. "A dinâmica da empresa mudou e deixei de me identificar com ela", diz, garantindo que a decisão "não foi fácil" nem tomada "de ânimo leve. "Fui eu que criei a empresa, era o meu bebé, afastei-me por razões emocionais", sublinha. Rafic Daud é, no entanto, o maior acionista da empresa, através da sociedade Daud Consors, Lda.

Em 2018, os sapatos da Undandy chegavam já a 140 países, tendo duplicado vendas face ao ano anterior, e despertara até a atenção de Matt Brittin, presidente europeu da Google, que chegou a apontar a marca como "um dos melhores exemplos de um negócio tradicional que tira proveito das vantagens do mundo digital".

Em agosto de 2020, a empresa submeteu-se a um PER, com dívidas acumuladas de 5,9 milhões de euros, dos quais um milhão reclamados pelo Facebook, o maior credor. No plano de revitalização, que viria a ser aprovado pelos credores no início do ano seguinte e homologado em abril de 2021, pode ler-se que "a empresa vem apresentando problemas de liquidez, que resultam na impossibilidade de solver os seus compromissos de curto prazo, e que se deveram, em grande parte, à retração do mercado nacional e internacional, constrangimentos financeiros, quebra acentuada do seu volume de negócios, retração dos investimentos e inadequação da sua estrutura face às vendas atuais".

"Sendo uma sociedade viável e com um negócio e produto de notória e reconhecida qualidade", a empresa "reúne condições para se revitalizar" com a aprovação do plano de revitalização por parte dos credores. Plano esse que previa, entre outras medidas, a reestruturação do passivo de curto prazo para médio e longo prazo, a introdução de um período de carência a alguns credores, bem como haircuts de 50% ou a possibilidade da conversão de 100% das dívidas em capital da empresa. "Somente a continuidade da atividade comercial da Undandy permitirá gerar receita, a médio e longo prazo, e garantir a liquidação total do seu passivo", refere a administração no PER.

Nova liderança e novas parcerias

O novo conselho de administração, "nomeado por unanimidade" em assembleia geral em setembro de 2020, é constituído por Rui Marques, apresentado como dono da 7Graus, "uma empresa de referência em Portugal no setor do marketing digital" e por João Brandão, "dono de um dos maiores grupos têxteis nacionais", o grupo ERT. O conselho de administração "tem vindo a dar robustez à empresa, com uma estratégia de foco em rentabilidade e crescimento orgânico, contrariamente ao passado, em que o foco era obter uma elevada dimensão", pode ler-se ainda no documento.

O reconhecimento da marca, a fidelização e recorrência de clientes, a qualidade do produto e as parcerias estratégicas - com entidades como a Cartonagem Trindade, Grupo ERT e 7Graus - são os pontos fortes da marca realçados pela administração. Que lembra que a Undandy esta "a meio de uma ronda de investimento que iria permitir à empresa seguir o seu [trajeto] de crescimento, mas que a pandemia "interrompeu essa ronda, levando à situação atual".

O plano de negócio, anexo ao PER, previa então que a faturação subisse dos 1,215 milhões, em 2020, para 2,7 milhões, no ano seguinte. Para 2022, a expectativa era que as vendas chegassem quase aos 2,4 milhões e assim por diante, até cerca de cinco milhões, em 2030, e 5,142 milhões, dois anos depois. Os resultados líquidos eram esperados já a partir de 2021.

Sobre os drivers ​​​​​​​de crescimento do volume de negócios, é explicado que têm em consideração aspetos como o estabelecimento de "parcerias estratégicas com o Grupo ERT e Cartonagens Trindade que vão permitir aumentar a capacidade produtiva e, com isso, diminuir os prazos de entrega, potenciando um aumento do número de clientes" ou a "recuperação da confiança dos consumidores e reviews positivas no Google por força do cumprimento dos prazos de entrega e capacidade de gestão do atual conselho de administração".

O lançamento de novos produtos, "para aumentar o preço médio" da Undandy - que varia entre os 176 e os 237 euros -, a tradução do website para outras línguas, como o chinês ou o alemão, e o "reforço das competências ao nível do investimento em marketing digital, com a especialização e apoio de uma empresa de renome no setor, como a 7Graus" são as outras medidas explicadas para promover o crescimento da empresa.

A nova administração admitia, então, que com uma nova equipa diretiva e a aprovação e homologação do plano, "estão reunidas as condições para o sucesso da empresa", mantendo-se como "uma referência para o setor do calçado português".

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