Universidades, empresas e decisores públicos têm de conhecer-se melhor

"O papel da ciência na tomada de decisão" esteve em debate no âmbito da iniciativa Investigação & Inovação. O ministro Manuel Heitor lançou a discussão em que participaram Elvira Fortunato, Rogério Gaspar e Rui Minhós.
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"As ideias e os sonhos não custam dinheiro. Qualquer pessoa no mundo pode ter as mesmas ideias, pode é não ter acesso às mesmas ferramentas para as concretizar". Logo no início do debate sobre o papel da ciência na tomada de decisão Elvira Fortunato, vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e diretora do Cinemat, deixou claro que em Portugal não falta talento para a investigação. O financiamento da ciência esteve em destaque na iniciativa Investigação & Inovação, uma parceria Dinheiro Vivo/TSF, com o apoio da Tabaqueira.

A abertura do evento coube a Manuel Heitor, ministro da Ciência e Ensino Superior, numa sessão que contou ainda com as presenças de Rogério Gaspar, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e Rui Minhós, diretor de assuntos institucionais da Tabaqueira e foi moderado por Rosália Amorim, diretora do Dinheiro Vivo.

Elvira Fortunato mostrou-se preocupada com o investimento em ciência e inovação para os próximos anos, no que foi secundada por Rogério Gaspar. "O programa Horizonte Europa está praticamente concluído e, infelizmente, há uma tentativa de reduzir o orçamento face ao inicialmente previsto", lamentou a cientista. Rogério Gaspar também se assumiu como "pouco feliz" com o resultado do conselho europeu de julho passado que apresenta um corte de 100 para 80 mil milhões de euros no orçamento para sete anos do Horizonte Europa. "O financiamento fica assim abaixo do que foi o financiamento do Horizonte 2020 para os sete anos anteriores, isto numa situação em que existe um conjunto de prioridades que têm de passar à frente, onde existem muito mais desafios para serem cumpridos", afirmou Rogério Gaspar, para quem esta decisão foi "errada". "Não pode haver uma interrupção no processo de financiamento da ciência na Europa. Pior do que um corte, seria uma descontinuidade na investigação europeia", frisou o professor.

A aplicação ao mercado do conhecimento gerado pela investigação e o modo como esta pode ser tornada em algo palpável e compreensível para os cidadãos foi outro dos aspetos focados durante o debate. Também aqui, Elvira Fortunato e Rogério Gaspar assumiram que as diferenças de tempo de funcionamento acabam por condicionar esta transição. "Às vezes queremos que as coisas ocorram num espaço de tempo muito curto. Na ciência o tempo é o nosso inimigo e há áreas em que é fundamental", disse Elvira Fortunato, que lembrou ainda que nem todo o conhecimento gerado pelas universidades pode ser transformado em inovação ou em produtos comercializáveis.
Já Rogério Gaspar exemplificou com pandemia. "Duas das possíveis vacinas para a covid-19 utilizam uma tecnologia chamada MRNA cujo conhecimento base foi gerado em 1953, quando foi publicada pela primeira vez a estrutura do DNA", lembrou o professor da Faculdade de Farmácia.

Além da diferença de tempos e expectativas, também o desconhecimento entre as partes foi apontado pelos intervenientes no debate como um dos entraves a uma colaboração mais frutuosa entre universidades, empresas e administração pública. "A traslação do conhecimento para a sociedade falha porque por vezes as empresas nem sequer conhecem o que existe nas universidades. Por sua vez as universidade não são suficientemente diligentes em explicar às empresas em que é que o conhecimento desenvolvido se pode transformar", garantiu Rogério Gaspar que apontou ainda a responsabilidade aos decisores públicos. "Num país com pouco capital disponível para investimento há limites (não somos uma Alemanha ou um Reino Unido), e em áreas muito diferenciadas precisamos de políticas públicas para a atração de investimento externo para que Portugal possa ser um polo atrativo".

"Temos um parque científico e tecnológico de muito valor, estamos muitíssimo bem equipados e por vezes a indústria não sabe o que nós temos. Ainda há a ideia de que o que é feito lá fora é melhor", lamentou Elvira Fortunato.
Por seu turno, Rui Minhós reconheceu que a Tabaqueira sofre de um "défice de credibilidade" que vai demorar tempo a ultrapassar, mas sublinhou a importância de os diversos intervenientes - nomeadamente as autoridades reguladoras - "olharem a evidência científica de forma objetiva e desprendida de ideologia".

Enquanto empresa, e à semelhança do que é feito ao nível do grupo Philip Morris International (PMI), a Tabaqueira tem apoiado a investigação, tendo como base a estratégia de sustentabilidade que norteia o grupo. Para o responsável, as condições disponibilizadas e a liberdade dada aos cientistas, têm sido os principais atrativos de talento ao nível da PMI. O resultado, tem sido o alargar do trabalho científico a áreas não relacionadas com o tabaco, e que incluem investigação essencial relacionada, por exemplo, com a doença de Parkinson. "Estudamos modelos de propagação in vitro da doença de Parkinson, que desenvolvemos na fase de validação, e que podem ajudar a selecionar candidatos para determinados fármacos. É algo que advém da colaboração com as universidades e com a atribuição de bolsas a pós-doutorados".

Rui Minhós sublinha a importância do estreitamento da relação entre os vários atores. "É importante haver maior diálogo entre empresas, universidades, cientistas e decisores políticos para que as decisões possam ser tomadas com base na evidência científica".

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