A Dielmar deverá voltar a laborar lá para junho ou julho. Por agora, a prioridade é renovar equipamentos e modernizar a própria unidade fabril, num investimento calculado em 1,5 milhões de euros. Quanto aos funcionários, começaram esta semana a formação. José Manuel Vilas Boas Ferreira aceita todos os que quiserem ficar.
"Segundo me dizem, a fábrica estaria a produzir 180 a 200 fatos por dia. Queremos duplicar a produção, ninguém estará a mais", diz o dono da Valérius, o grupo têxtil de Barcelos que respondeu ao pedido do governo para que salvasse a Dielmar. Não admira, a empresa tem "uma grande experiência nestas operações de reestruturação de empresas", como o próprio ministro da Economia destacou, em novembro, ao anunciar aos jornalistas a existência de uma proposta para a compra da marca, das máquinas e dos inventários da Dielmar. A própria Valérius foi uma dessas operações e hoje fornece algumas das mais conceituadas marcas de moda internacionais, mas não só. Resgatou mais uma série de unidades têxteis, mas também empresas históricas, como a Ambar, a produtora de artigos para papelaria e material escolar, ou a Fábrica de Calçado Campeão Português (Camport). E estuda a possível reativação da Camisas Sagres, em Mangualde, onde poderá dar emprego, até ao final de abril, a cerca de uma centena de pessoas. "Quase todos os dias somos abordados por empresários que nos pedem ajuda e nisso acho que sou um bom patriota e tento ajudar, sempre que acho que posso acrescentar algum valor. Um dia podemos ser nós a termos de ser recuperados, não há eternos vencedores nem vencidos", diz o empresário de Barcelos, comendador da Ordem de Mérito Industrial.
Questionado sobre o que o levou a investir na Dielmar, José Manuel Ferreira destaca, logo à partida, o know how acumulado numa empresa com mais de 50 anos em atividade: "Seria uma pena que se perdesse. O processo das insolvências em Portugal destroi valor e conhecimento. Eu costumo dizer que os portugueses parecem gostar de começar do zero. Ali achámos que havia uma oportunidade de começar um bocadinho acima do zero, com a experiência delas no saber fazer e a nossa na gestão, que é o valor acrescentado que aportamos, gerimos com consciência e com alguma estratégia".
Uma coisa estava estabelecida à partida. A Dielmar "não podia continuar ligadas às máquinas", ela "tem que renascer e não pode continuar no mesmo processo do passado".
José Manuel Ferreira classifica a têxtil como o "parente pobre" da indústria porque, ao contrário de outros setores, como o automóvel, a têxtil depende 80% das pessoas e só 20% da tecnologia, num ambiente de "concorrência brutal" que faz com que todos os atores envolvidos sejam vitais. Sobretudo, atendendo a que os clientes "não estão disponíveis para se comprometerem" com planos de negócios a longo prazo. "Em vez de serem indústrias, nós temos que tornar as empresas quase em supermercados, sítios onde o cliente vem abastecer as suas necessidades de última hora".
À procura de nova gestão
A Valérius pagou 275 mil euros pelos ativos da Dielmar, mas José Manuel Ferreira diz que não sabe se comprou bem ou mal. "Achei que era um valor ajustado para o que tínhamos em vista. O que importa não é o valor que demos, é o valor que podemos aportar", frisa.
A intenção é focar a produção da Dielmar exclusivamente no segmento masculino, num posicionamento premium, com uma produção diária de 400 fatos. Fica com 210 ex-funcionárias da empresa, mas espera poder reforçar a equipa e chegar às 240 pessoas. A distância de Barcelos a Alcains não o preocupa, até porque pretende contratar uma equipa de gestão independente, a exemplo do que fez nos outros negócios do grupo. O seu lema é "máxima liberdade, máxima responsabilidade".
Entretanto, procurou estabelecer contactos internacionais com entidades que poderão ajudar a Dielmar nesta sua segunda vida. São quatro as grandes marcas internacionais que mostram interesse em comprar fatos à empresa de Alcains, duas italianas e duas alemãs. A Hugo Boss é uma delas. "Ninguém garante nada a 100%, mas sabemos que, se fizermos bem, podemos contar com eles, o que nos dá segurança para o arranque", refere. O primeiro passo é "ganhar a confiança do mercado", o que também passa por conseguir que "os trabalhadores se sintam parte integrante deste projeto". Haverá um esforço de reconversão de alguns funcionários, mas, sobretudo, uma grande atenção ao seu valor. "Precisamos de modistas, pessoas que fazem peças de valor acrescentado. Muitas vezes não se dá o devido valor, mas a costura é uma arte", defende.
Foco no private label
Garantido é que o foco primordial estará na subcontratação, o chamado private label, ou seja, a produção sob marca do cliente. "O nosso mercado é muito pequeno e nós temos que ter um sistema híbrido, podemos fazer a marca, como fazemos na Camport, mas é o private label que nos garante a escala", diz José Manuel Ferreira. A intenção é manter a empresa com o nome Dielmar, mas sem grande foco na marca. No entanto, admite procurar um parceiro nacional que queira fazer a sua distribuição em regime de franchising.
Este ano, e mesmo só com meio ano de atividade, a Valérius espera que a Dielmar gere já 2,5 milhões de euros de volume de negócios. Para 2023 é esperado já que a empresa dê lucro e, em velocidade recorde, deverá atingir vendas na ordem dos sete milhões de euros.
CitaçãocitacaoA Valérius comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2030, o que implica compensar as suas emissões e as dos fornecedores. Vai investir mais 4 a 5 milhões em Iesquerda
"Dizem-me que, em pico, a Dielmar faturou 13 a 14 milhões, mas não é isso que queremos, senão temos que ir ao negócio de grande escala e acabamos reféns de nós próprios. Portugal já não é um mercado de milhões de peças", defende o empresário, que pretende ainda criar em Alcains, com o apoio da Câmara Municipal de Castelo Branco, um centro de desenvolvimento 3D, que ajudará a fixar pessoas, designadamente jovens do instituto politécnico local.
Com 180 trabalhadores diretos e cerca de 2500 indiretos, a Valérius faturou 35 milhões de euros em 2019 e manteve as vendas em 2020, graças ao desenvolvimento e produção intensiva, durante os primeiros três meses de pandemia, de máscaras sociais. Em 2021, ficou-se pelos 34 milhões. "Não conseguimos compensar o que vendemos em máscaras", admite.
Este ano, e com a entrada em funcionamento pleno da Valérius 360 - a nova fábrica de fiação de algodão reciclado a partir de desperdícios da indústria e de roupas, novas ou usadas, reintroduzidas no processo de fabrico -, o objetivo é chegar ao 40 milhões. E o grupo já se comprometeu com os seus clientes internacionais a atingir a neutralidade carbónica em 2030.