Valor dos contratos públicos atingiu recorde no fim de 2023, depois colapsou

Novas linhas de metro de Lisboa e Porto fazem disparar valor da contratação pública no final de 2023, já com o governo do PS demissionário, indica o portal Base. A poucos dias do Natal, foram assinados dois contratos, num valor superior a 700 milhões de euros em despesa pública.
Valor dos contratos públicos atingiu recorde no fim de 2023, depois colapsou
Publicado a

O valor em contratos públicos -- essencialmente celebrados por governo central e autarquias com empresas do setor privado -- atingiu o nível mais elevado de que há registo no último trimestre do ano passado, período marcado pela grave crise política e o anúncio da demissão, no início de novembro, do então primeiro-ministro António Costa, com subsequente queda do governo do PS e ida para eleições antecipadas a 10 de março.

Alguns dos maiores contratos surgem depois do anúncio de Costa no início de novembro, mas nem todos os negócios são do perímetro do governo central. Por exemplo, algumas câmaras municipais também avançaram com projetos de grande magnitude financeira nessa altura.

Depois do frenesi de final de ano, o valor da contratação pública colapsou no primeiro e no segundo trimestre deste ano, indicam dados oficiais.

De acordo com um levantamento feito pelo Dinheiro Vivo (DV) de dados do portal Base, a plataforma do governo onde é publicitada a informação sobre todos os negócios celebrados ao abrigo do Código dos Contratos Públicos (CCP), nos últimos três meses de 2023 (mas com particular concentração de atos valiosos em novembro e dezembro), as entidades classificadas no setor público adjudicaram obras e compras de bens e serviços a empresas privadas no valor de 4,6 mil milhões de euros, o registo mais elevado da série baseada em dados oficiais, que remonta ao primeiro trimestre de 2011.

Este forte impulso na contratação pública traduziu-se num aumento de 40% no valor publicitado no quarto trimestre do ano passado.

Esta explosão no montante contratado só tem rival com as do tempo da pandemia, marcadas que foram pela compra, pelas entidades públicas (Ministério da Saúde, hospitais, autarquias, etc.), de milhões de vacinas muito caras contra a covid, de material hospitalar e de proteção sanitária, entre outros.

A subida em flecha da contratação no final de 2023 fez com que o ano como um todo também seja o mais valioso da série que começa em 2011. A contratação pública chegou aos 15,1 mil milhões de euros, mais 12,5% do que em 2022.

Depois, já este ano, veio o balde de água fria. Com o governo PS em gestão e parcialmente limitado na assunção de novas despesas, a contratação pública cedeu 3% no primeiro trimestre (face a igual período de 2023), para 3,7 mil milhões de euros.

E afundou mais 13% no segundo trimestre (também em comparação homóloga), fixando-se em 3 mil milhões de euros, indica o mesmo levantamento do DV no portal Base.

700 milhões de euros em linhas de metro

Como referido, 2023 foi o melhor ano para a contratação pública, designadamente para os privados que lograram ser escolhidos no processo de adjudicação.

Os maiores contratos em valor surgem, claro está, no procedimento dos concursos públicos e similares.

Logo em novembro do ano passado, a empresa pública Metro do Porto (que é detida a 99,9% pelo Estado português) assinou o contrato para a construção da Linha Rubi, entre a Casa da Música e Santo Ovídio, no valor de 379,5 milhões de euros.

É o segundo maior concurso público de sempre plasmado num único contrato, sendo apenas superado pela compra de parte da nova frota de autocarros da Carris Metropolitana, assinada em março de 2021, pelo valor de 397 milhões de euros (pode ler mais aqui sobre este megainvestimento, que ascende a 1,2 mil milhões de euros).

A empreitada do Metro do Porto tem uma duração prevista de três anos (1095 dias) e a obra foi ganha por três construtoras: a portuguesa Alberto Couto Alves e as espanholas FCC Construcción e Contratas y Ventas.

A escassos dias do natal passado, a 22 de dezembro, mais obras do metro, desta feita na capital. O Metropolitano de Lisboa (também tutelado pelo Governo) assinou, após concurso público, o contrato de "empreitada de conceção e construção do prolongamento da Linha Vermelha entre São Sebastião e Alcântara".

Com duração estimada em cerca de três anos, o obra está orçamentada em 322 milhões de euros, sendo o quarto concurso público mais valioso dos registos oficiais.

A empreitada foi para as mãos de um agrupamento de empresas (Metro São Sebastião Alcântara, ACE) formado pela Mota-Engil e pelos franceses da Spie Batignolles.

Somando à obra da Invicta, a despesa pública envolvida (a ser paga por todos os contribuintes), pois é financiada pelo Estado, supera os 700 milhões de euros.

Também em 2023, a 12 de dezembro, o Ministério da Saúde avançou no concurso público para ceder o primeiro lote referente à "exploração do centro de contacto do Serviço Nacional de Saúde", vulgo SNS 24. Custo para o erário público: 51 milhões de euros.

Concorreram dez empresas, mas no fim ganhou a Meo. A empresa fica, por um período de quase quatro anos, responsável pelo "desenvolvimento tecnológico, implementação e gestão da operação do SNS 24", diz o portal Base.

Já este ano é de destacar um contrato que resulta de um dos maiores concursos públicos de que há registo assinado (e de maior duração), também nos setor dos transportes, entre a Câmara de Cascais e a empresa Scotturb.

Assinado em maio do ano passado, a adjudicação dos "serviços de transporte público rodoviário" do município ficam nas mãos da referida empresa por 28 anos ("10220 dias", diz o contrato) e o custo deverá rondar os 132 milhões de euros.

“Prévia qualificação”

Nos últimos anos, o setor público tem vindo a realizar cada vez mais concursos numa variante prevista no CCP designada de "concurso limitado por prévia qualificação". É um processo em duas fases.

Segundo o governo, "trata-se de um procedimento concorrencial, dado a conhecer através de anúncio publicado no Diário da República, e também no Jornal Oficial da União Europeia quando o valor do contrato a celebrar for superior aos limiares europeus".

O procedimento é feito a dois tempos. "Numa primeira fase, existe a apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos. Numa segunda, existe a apresentação e análise das propostas e adjudicação".

Em 2023 e já em 2024 há contratos valiosos que resultam desta modalidade.

O campeão em 2023 foi o Ministério da Defesa (e a Marinha Portuguesa) que, através da Direção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM), decidiu comprar, a 24 de novembro do ano passado, "uma plataforma naval multifuncional no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)".

Com um prazo de execução previsto de quase dois anos e meio, a obra deverá custar 132 milhões de euros e foi adjudicada à empresa holandesa Damen Shipyards Gorinchem.

É de recordar que o maior "concurso por prévia qualificação" alguma vez feito em Portugal foi a parceria público privada do Hospital de Cascais assinada em setembro de 2022 entre o Ministério da Saúde e o grupo Galo Saúde.

O valor é muito elevado: o Estado acordou pagar 882 milhões de euros pela "gestão e prestação de cuidados de saúde no Hospital de Cascais em regime de Parceria Publico-Privada (PPP)" durante oito anos.

O contrato de 50 páginas (cópia em pdf) publicado no portal Base, assinado pela tutela do antigo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é totalmente ilegível.

O Município de Lisboa, presidido por Carlos Moedas, também ajudou a contratação pública a bater o recorde em 2023, com um contrato para a construção de habitação de “renda acessível” em Marvila.

Assinado no final de novembro passado entre a empresa municipal Lisboa Ocidental e a construtora espanhola Ferrovial Agroman (num concurso que contou com quatro candidatos), a obra foi avaliada em 32 milhões de euros e está prevista durar quase dois anos (698 dias).

Em dezembro de 2023, o Município de Amarante também se destacou nos maiores concursos de prévia qualificação. Entregou a duas empresas (Rede Ambiente e Ecoambiente) os serviços de recolha de lixo, limpeza urbana e jardinagem, prevendo gastar mais de 27 milhões de euros por um período de dez anos.

Já em 2024, aparece outro grande negócio sob igual procedimento concursal, desta feita do Município de Vila Nova de Gaia, para financiar "o fornecimento de refeições em cantinas/refeitórios escolares dos estabelecimentos de ensino", hoje da sua competência (assim como das restantes autarquias), mas que antigamente cabia ao Estado. Valor adjudicado: 38,4 milhões de euros. A empresa vencedora é a Gertal, que prestará o serviço durante três anos.

Marinha no comando

Além destes dois tipos de concurso público (o normal e o de qualificação prévia) há ainda o chamado "procedimento de negociação".

Segundo o portal do governo, "à semelhança do concurso limitado por prévia qualificação, caracteriza-se pela existência de uma fase de qualificação; no entanto, tem a especificidade de os concorrentes (já previamente qualificados) poderem melhorar os atributos das suas propostas numa fase de negociação".

Aqui o maior negócio de sempre foi feito pela Marinha Portuguesa e foi assinado a 29 de dezembro do ano passado. Trata-se da compra de seis navios patrulha à West Sea, de Viana do Castelo, do grupo Martifer (que ficou com os Estaleiros de Viana, em 2013, no tempo do governo PSD-CDS, na sequência da sua privatização).

Segundo o Base, o Estado vai pagar 300 milhões de euros pelos seis navios. O prazo de construção está estimado em quase sete anos.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt