Valor perdido em impostos dava para sete alívios de IRS como promete o Governo

Dívida fiscal assumida como "incobrável" atingiu 10,4 mil milhões de euros no final de 2023, revela a nova Conta Geral do Estado, do Ministério das Finanças. Valor é o mais elevado de sempre e triplicou nos últimos sete anos. Tribunal de Contas aponta o dedo às sucessivas crises: financeira, pandémica e inflacionista.
Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças. Fotografia: FILIPE AMORIM / AFP
Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças. Fotografia: FILIPE AMORIM / AFPFILIPE AMORIM / AFP
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O valor perdido definitivamente pelo fisco por não conseguir cobrar impostos aumentou de forma expressiva (20%) no ano passado, furando a barreira dos 10 mil milhões de euros em receita fiscal que nunca mais será recuperada.

De acordo com a nova Conta Geral do Estado relativa ao ano passado (CGE 2023), entregue esta semana (até dia 15) à Assembleia da República (AR), a dívida dita "incobrável" atingiu 10,4 mil milhões de euros, valor que daria para sete alívios fiscais em sede de IRS como promete o governo PSD-CDS.

Recorde-se que o pacote anual de redução da carga de IRS (por via de escalões e taxas), que segundo o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, é para abranger todos os escalões, mas que deve sentir-se sobretudo nas classes médias, e está avaliado em cerca de 1,5 mil milhões de euros. Pode ser mais, deixou antever o ministro na sua ida ao Parlamento, esta quinta-feira. Sete vezes 1,5 mil milhões dá 10,5 mil milhões de euros.

De acordo com um levantamento feito pelo Dinheiro Vivo (DV), aquele valor em dívidas fiscais incobráveis (pois assumem-se para sempre perdidas por não haver forma ou recursos para as cobrar) atingiu, em 2023, um máximo histórico, tendo triplicado face a 2016. Equivale agora a 4% do Produto Interno Bruto (PIB), assumindo por base o PIB nominal de 2023.

Como explica o Tribunal de Contas (TdC) nos seus pareceres à CGE mais recentes (até à conta de 2022, inclusive), a dívida passa a ser denominada incobrável quando o Fisco se depara com "falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários".

Apesar de o Fisco ser cada vez mais eficiente, os níveis de dívida fiscal incobrável têm vindo a aumentar de forma dramática porque muitas tem sido as empresas que vão à falência, entram em insolvência e fecham, desaparecem, o mesmo podendo acontecer com os particulares.

O Tribunal de Contas, que emitirá um parecer sobre esta CGE até ao final de setembro próximo, tem avisado repetidamente que este problema dos impostos incobráveis, que tem vindo a galopar (em 2022 tinha duplicado face a 2016, agora já é três vezes maior), "constitui um fator de risco acrescido para a sustentabilidade das finanças públicas", afirma a instituição presidida por José Tavares no parecer sobre a Conta de 2022.

O Tribunal explica que toda esta dívida incobrável toda resultava, no final de 2022, "da tramitação de 7.271.745 processos de execução fiscal, referentes a dívidas desde 1974".

Constata-se ainda "que cerca de dois terços desta dívida respeitam a contribuintes com atividade cessada em IVA e que para o aumento assinalado contribuíram as crises financeiras, a situação de pandemia de Covid-19 e a crise energética, bem como a alteração da jurisprudência quanto à contagem do prazo que decorre até à prescrição da dívida", diz o TdC.

Na nova CGE de 2023, o Ministério das Finanças não esconde o problema cada vez maior que tem em mãos.

"A receita por cobrar pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira (passado o prazo de cobrança voluntária) ascendeu, no final de 2023, a 26.757,7 milhões de euros, representando um aumento de 2.476,4 milhões de euros (+10,2%) face ao valor de 2022. Para esta evolução contribuiu o aumento de 721,4 milhões de euros (+10,1%) da dívida ativa e de 1.726,6 milhões de euros (+19,9%) da dívida incobrável", diz o documento entregue agora ao Parlamento.

"Assim, no final de 2023, 29,9% da carteira correspondia a dívida ativa, 31,6% a suspensa e 38,9% classificada como incobrável." Ou seja, a dívida considerada definitivamente perdida é a que mais pesa no bolo total das dívidas à AT.

O governo explica que todo aquele valor de quase 27 mil milhões de euros de receitas devidas à AT "abrange toda a dívida em cobrança coerciva".

Isto é, "abrange dívida ao Estado (fiscal e não fiscal) e também, por exemplo, as dívidas relativas a receita fiscal dos municípios e das regiões autónomas, bem como de entidades externas em cobrança pela Autoridade Tributária e Aduaneira", refere o Ministério das Finanças.

Cobrança coerciva dispara, prescrições afundam

A recuperação de dívidas fiscais de forma coerciva junto dos contribuintes aumentou de forma significativa, quase 21%, no ano passado, revela também a nova CGE.

O documento revela ainda que o nível de dívidas fiscais prescritas (impostos definitivamente perdidos por ter expirado o prazo legal para a sua efetiva cobrança) afundou mais de 55% em 2023.

Segundo a CGE, em 2023, "foi registado em receita do Estado decorrente da cobrança coerciva o valor de 1.294,9 milhões de euros, verificando-se um acréscimo de 223,6 milhões de euros (+20,9%) face ao ano anterior".

"Para esse acréscimo contribuiu essencialmente a variação positiva registada no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), nos outros impostos diretos, no imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e nos juros de mora".

Quanto aos impostos prescritos, o ministério informa que "a prescrição das dívidas fiscais, em 2023, situou-se em 19,6 milhões de euros, o que representou uma diminuição de 24,1 milhões de euros (-55,2%) relativamente ao ano anterior".

"O IVA manteve-se, em 2023, como o imposto com maior peso (43,3%) no total do valor da prescrição, apresentando, no entanto, uma diminuição do valor prescrito, de menos 16,6 milhões de euros (-66,3%), face ao ano anterior."

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