O enorme desejo de viajar sem restrições aliado a uma carteira mais pesada são as duas engrenagens que estão a dar força ao motor das viagens. As férias de verão estão à porta e, apesar da inflação estar a fazer disparar os preços não tem desmotivado os planos de descanso dos portugueses para os próximos meses. "Todos os produtos formados ao longo da cadeia de valor (hotel, rent-a-car, aviação , animação turística), estão a subir preços, por efeito da inflação pelos custos (o fuel, na aviação, poderá ser o melhor exemplo). Deste modo, sim, o preço das viagens, de forma geral, está mais alto", admite a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT).
Ainda assim, assiste-se a uma corrida às férias justificada pelos orçamentos mais pesados que foram engordando nos últimos dois anos. "A procura tem-se revelado rígida, mantendo-se em bom nível, apesar dos preços mais caros. A grande necessidade de viajar, após dois anos de pandemia, e a poupança acumulada pelas famílias nesse mesmo período, são certamente boas pistas para entendermos esta pouca elasticidade da procura, relativamente ao preço. Certamente que para o ano não será assim", antecipa a associação que representa o setor das agências de viagens do país. Apesar de as reservas serem, cada vez mais, fechadas à última hora, tendência que ganhou palco com a pandemia, as vendas das agências estão "em linha com 2019", esclarece a APAVT.
"Apesar de toda envolvente económico-social, sentimos que os portugueses estão ansiosos para voltar a viajar e estamos a atingir os números de 2019 em alguns destinos, principalmente aqueles que melhor trabalharam nos últimos dois anos e se anteciparam na facilidade de circulação no que diz respeito à covid-19. Sentimos que conforme cada destino vai abrindo as restrições de circulação, há um boom de reservas. O último foi Marrocos, que ao facilitar a entrada e saída do país, instigou um aumento de reservas", enquadra Carlos Baptista, administrador da Bestravel. Também as Viagens El Corte Inglés assume que a volatilidade de preços nas viagens não está a afetar as compras dos portugueses.
Quanto custam as férias?
O preços não têm sido um problema na hora de decidir o destino e as contas batem certo nas várias agências inquiridas pelo Dinheiro Vivo. Cá dentro, os portugueses estão a pagar entre 400 a 900 euros para férias de entre cinco a 10 dias. Se a opção for viajar para o estrangeiro, a estada média é de sete noites com um intervalo de preços entre os 800 e os 1300 euros.
Também os cálculos da Europ Assistance, revelados ontem, estão em linha com o atual cenário das agências. A seguradora indica que o orçamento das famílias para o período de férias aumentou 15% este ano face a 2021, para 1543 euros.
Destinos mais procurados
Na hora de fazer as malas para apanhar o avião, destinos como Cabo Verde, Marrocos, e Tunísia têm seduzido os portugueses para umas férias fora de portas. "Os portugueses escolhem, na sua maioria, para o verão, destinos de praia em que possam optar por umas férias tranquilas em regime de Tudo Incluído", explica o administrador da Bestravel.
As Caraíbas é outro dos produtos que está a regressar em força, com a República Dominicana e o México a serem, cada vez mais, procurados pelo mercado nacional. Já as Maldivas continuam a conquistar terreno por cá. As ilhas paradisíacas no Oceano Índico ganharam popularidade como destino de férias entre os portugueses durante a pandemia e o sucesso das águas cristalinas continua este ano.
"No capítulo nacional, os portugueses continuam a esgotar a oferta para Porto Santo e Madeira, e mantém-se a procura pelos Açores e Algarve, destinos tradicionais e que trazem garantia de segurança e qualidade", refere o diretor de Vendas da Agência Abreu.
Cruzeiros a passo lento
Os cruzeiros foram um dos produtos mais afetados pela pandemia e a recuperação faz-se a um passo mais lento. O facto de este tipo de oferta implicar o isolamento durante vários dias num navio, com centenas de pessoas, tornou-o menos atrativo neste período imediatamente após a pandemia.
"A procura por cruzeiros, e à semelhança da própria oferta, está ainda aquém dos resultados pré-pandémicos, mas acreditamos que todos os esforços que estão a ser desenvolvidos neste produto irão permitir, em breve, regressar aos resultados anteriores. Devemos ter em conta que as grandes companhias de cruzeiros estão cada vez mais apostadas em novas tecnologias de apoio à segurança sanitária e de sustentabilidade, um tema que está na ordem do dia", elucida Pedro Quintela da Agência Abreu.
A análise é partilhada pelo administrador da Bestravel, Carlos Baptista que assume que, dentro do segmento das viagens de lazer, este produto está mais atrasado. "Tem subido significativamente muito pelo esforço das empresas de cruzeiro em disponibilizarem produto em quantidade e diferenciado aos níveis próximos dos de 2019. Este esforço tarda em ser correspondido pela procura, mas tem sido fundamental à retoma do setor que já verifica valores interessantes de consumo", aponta.
Recentemente, a Associação Internacional de Companhias de Cruzeiros (CLIA) garantiu que o setor está a retomar e que as perspetivas é que recupere, até ao final do ano, os mesmos números de 2019, referentes aos navios em operação e passageiros. Por cá, e de acordo com as últimas contas da associação, perspetiva-se que Lisboa ultrapasse os números pré-pandemia, recebendo, este ano, 450 mil passageiros e 320 navios (310 em 2019).
Da covid à falta de trabalhadores
Apesar dos bons ventos e dos números animadores, há ainda um cenário de incerteza que ameaça a tão ansiada retoma do turismo. "Parte do mundo afetado por diferentes circunstâncias, com menos mão de obra, dificuldades de slots em Lisboa, inflação generalizada e incerteza face ao covid" são alguns dos constrangimentos enumerados pela APAVT. "Este ano todos os agentes têm de ter muito mais criatividade na construção do produto para responder à procura", garante o presidente da associação, Pedro Costa Ferreira.
Do lado dos turistas os receios relativamente à pandemia parecem estar dissipados e a confiança quase retomada. O que não significa, ainda assim, que o tema deixe de ser uma dor de cabeça para quem faz a gestão das viagens.
"Quanto aos números da covid-19 espera-se que venham a provocar problemas operacionais. O medo parece estar afastado, mas o aparecimento de casos positivos, antes da partida ou antes do regresso, tem provocado problemas de gestão de viagens (cancelamentos e reagendamentos)", atesta o responsável.
A falta de trabalhadores é outro dos grandes desafios do turismo, não só em Portugal mas também no resto do mundo. "A falta de mão de obra vem trazer problemas à operação no curto prazo, e à perceção do produto, no médio prazo. Vejam-se os problemas de operação nos diversos aeroportos europeus, que são devidas a falta de recursos humanos, quer nos aeroportos, quer nas companhias aéreas", lamenta Pedro Costa Ferreira.
O presidente acredita que esta pedra no sapato no turismo não é um problema pontual e pode trazer consequências maiores beliscando a qualidade do produto. "Basta olhar para os hotéis ou restaurantes que, com menos mão de obra, estão a aumentar preços (pressão da procura e da inflação) e a fornecer serviços de menor qualidade. A médio prazo, não poderá deixar de ser um problema de value for money", alerta.
Ainda assim, e com as reservas a crescer à porta do verão, as expectativas são otimistas também à boleia da procura last minute que deverá disparar nas próximas semanas. "Arriscaria dizer que, se o mercado conseguir gerir uma série de incertezas e obstáculos, atingir-se-ão números muito semelhantes a 2019", antevê o presidente da APAVT.