Se não tivesse emigrado para o Recife, no Brasil, Fernando Tordo
estaria entre os 1 919 403 portugueses com pensões inferiores a 364
euros mensais. Na verdade receberia apenas - segundo conta o seu
filho na carta que lhe escreveu e circulou pelas redes sociais -
"duzentos e poucos euros". O caso de Tordo reavivou o tema das
pensões de miséria, mas a questão transcende o valor. Está
sobretudo nos motivos que levam a este desfecho da vida ativa de quem
colecionou fama e sucessos, gravou 20 álbuns, mais de 30 singles,
além de várias coletâneas, e deu centenas de concertos.
A vida difícil dos artistas é um clássico. Tão velho como a
profissão. Por isso, este tipo de casos não surpreende quem conhece
o mundo do espetáculo e quem estuda de perto a evolução das
fórmulas de cálculo das pensões de velhice. A períodos de muito
trabalho, seguidos de outros de fraca ou mesmo nenhuma atividade,
pagos a preços também eles incertos, juntou-se durante muitos anos
a possibilidade de se descontar para a Segurança Social pelos
mínimos, chutando para a frente a questão da reforma.
A opção de
encostar as contribuições a um pretenso salário mínimo não era
exclusivo dos artistas, mas da generalidade dos profissionais
liberais, e ajuda a explicar aquele universo de quase dois milhões
de reformados que chegam ao fim da vida a receber pensões
miseráveis. Simone de Oliveira não se inclui no patamar das pensões
abaixo dos 364 euros, mas está no seguinte, com uma reforma que não
chega a 600 euros. Ela fala do assunto sem dramas e avança várias
explicações para ter ficado neste valor tão baixo: primeiro, nem
sempre as companhias para quem trabalhou, sobretudo em décadas mais
recuadas, enviavam os descontos para a Segurança Social; e mais
tarde, quando passou a tratar dos seus próprios descontos, optou por
fazê-lo pelo ordenado mínimo. "Era o que podia. Tinha dois filhos
para criar", diz ao Dinheiro Vivo.
Mas Simone não se queixa do que recebe nem se surpreende que haja
quem receba menos. "Não é surpresa nenhuma que as reformas sejam
baixas", diz, ainda que ressalve que "não é possível
estabelecer um padrão". Porque as regras dos descontos foram
mudando muito ao longo das últimas décadas.
Se hoje o que se ganha (e declara no IRS) serve de referência
para os descontos na Segurança Social, até 2011, antes do Código
Contributivo, não era assim, refere Manuel Ramos, representante dos
sindicatos da Função Pública no Conselho Consultivo da CGA.
Além disto, no caso dos artistas junta-se a particularidade de
terem carreiras e remunerações muito incertas - podendo nem sequer
haver lugar a descontos quando o rendimento anual é inferior a seis
salários mínimos nacionais. O sucesso nas vendas, na bilheteira e
nos cachês nem sempre se refletiu nos descontos ao Estado, e na hora
de fazer as contas à taxa de formação da pensão muitos não
atingem sequer o período mínimo de descontos para aceder à
reforma, atualmente de 15 anos. Outros, tendo os anos necessários,
não têm um registo de remunerações que lhes permita chegar à
pensão mínima. Em ambos os casos, porém, está prevista a
atribuição de um complemento social, que assegura o pagamento
mensal de 259,36 e 274,79 euros, respetivamente.
Reagindo às notícias que se avolumaram nos últimos dias,
nomeadamente a que dava conta de que a Stardust Produções, gerida
por Fernando Tordo, faturou desde 2008 mais de 200 mil euros por
ajuste direto, o intérprete de Adeus Tristeza esclarece que a sua
reforma de pouco mais de 200 euros resulta do que se escreveu atrás,
a vida profissional atípica de um músico, e que a antiga empresa
também pagava salários a 20 colaboradores: "Não tendo nem
trabalho nem remuneração fixos, um músico para fazer descontos
para a Segurança Social tem de efetuar esses descontos sobre
rendimentos mensais que muitas vezes nem tem", conclui Tordo.