A cantora de 18 anos comove-se e a audiência aplaude. Black, que acabou de terminar o liceu, ainda nem sequer lançou o seu álbum de estreia: é uma artista made in YouTube, que se tornou mundialmente famosa quando o vídeo da sua primeira música, Friday, se tornou viral em 2011. Tinha 13 anos.."Se não fosse pelo YouTube, eu não estaria aqui neste momento. O mais importante foi a comunidade", disse a cantora, durante uma conversa num dos palcos da VidCon, a maior convenção mundial dedicada ao vídeo online. Tal como ela, centenas de outros youtubers influentes desfilaram pelo evento, desdobrando-se em palestras, entrevistas, encontros com os fãs e networking com outras celebridades - desde Sawyer Hartman, que em setembro lança o seu primeiro filme, a iJustine, que acaba de escrever um livro, passando por Amanda Steele, Jenn McAllister, Rafi Fine, Gigi Gorgeous, Laci Green, Akana e os irmãos AVbyte, entre muitos outros..Do outro lado, os fãs. A maioria adolescentes, mais raparigas do que rapazes, todos sedentos de uma selfie com os seus youtubers favoritos e de se conhecerem uns aos outros. As miúdas de calções muito curtos e cabelos tingidos de cores pouco habituais (havia uns verdes e cor-de-rosa, mas a tendência do momento é o azul), os rapazes com manga cava e muitos de cabelos compridos ou com penteados irreverentes. Nos cantos, a tirar fotos e a ler revistas, andam os pais: vieram arrastados pelos filhos, que adoram os seus smartphones e passam o ano todo a portar-se bem para terem direito a três dias de magia. Os bilhetes para a convenção, que custam entre 150 e 600 dólares, esgotaram. Foram 21 mil participantes no total, 15 vezes mais do que os 1400 que estiveram na primeira edição, em 2010.."Criar vídeos pode ser algo muito solitário. É por isso que vimos a estes encontros, para estar com as pessoas e perceber o impacto que temos", disse iJustine, uma das mais antigas celebridades do YouTube, perante uma audiência excitadíssima que lhe pediu conselhos e agradeceu por tudo. "Obrigada por teres mostrado que não fazia mal ser rapariga, geek e gostar de jogos", disse uma fã..Esta é a nova face de uma geração que não se identifica com os media tradicionais. Não veem televisão, vêm vídeos no YouTube, Vines no Twitter e transmissões ao vivo na Periscope. Para os milenials, as celebridades que interessam são as que lhes entram pelos ecrãs dos smartphones - uma realidade confirmada pela mais recente sondagem da Variety, conduzida pelo especialista em branding Jeetendr Sehdev. No top 10 das celebridades mais influentes para adolescentes entre os 13 e os 17 anos, oito são youtubers; Bruno Mars e Taylor Swift são os únicos outsiders. É uma total inversão do statu quo.."Temos a ideia de que estes adolescentes são desinteressados, alienados do mundo para lá de si próprios, mas eles estão a construir comunidades", disse John Green, autor de A Culpa É das Estrelas e Cidades de Papel, no arranque da VidCon. "A nossa geração anda por aí a ver o CSI: Miami e a achar que é muito envolvida, enquanto eles são membros ativos da comunidade, criam conteúdos e arte, provocam mudanças culturais", acrescentou. John, que é cofundador da VidCon com o irmão Hank Green, criticou as marcas por não perceberem que as métricas online são diferentes. "A publicidade é incrivelmente eficiente a financiar distrações, mas má a avaliar o envolvimento." O banqueiro de investimento Terence Kawaja, CEO da Luma Partners, corroborou: "O orçamento dedicado ao vídeo online continua a crescer, mas é dez vezes inferior ao da televisão.".Os canais que fazem dinheiro.Ainda assim, este é um novo mundo muito lucrativo. O número de canais que rendem acima de cem mil euros por ano cresceu 50% desde 2014, segundo revelou, orgulhosa, a CEO do YouTube Susan Wojcicki. "O YouTube teve o melhor ano de sempre. Passámos os mil milhões de utilizadores e temos mais milenials do que qualquer canal de cabo", referiu a executiva. "Houve um aumento de 60% no tempo passado no site e a cada minuto são carregadas 400 horas de novos vídeos.".Há agora 35 canais com mais de dez milhões de subscritores, o que garante a alguns vários milhões de euros de rendimento anual - o número um, o sueco PewDiePie, encaixou sete milhões em 2014. O YouTube aproveitou a VidCon para entregar troféus, o "botão diamante", a alguns dos donos desses canais, incluindo os Smosh Brothers e os responsáveis pelo Epic Rap Battles, que subiram ao palco da convenção..O que a CEO também revelou é que mais de metade dos utilizadores do YouTube entra no site via aparelhos móveis, o que levou as receitas mobile a crescer 100% no último ano e justifica o lançamento em breve de uma nova versão da app, com navegação mais fácil. "Temos de trabalhar arduamente e inovar para garantir que continuamos a ser o melhor espaço para que os criadores brilhem e os fãs se envolvam", disse Wojcicki. Foi um aviso ao Facebook, Vimeo, Snapchat e todas as outras apps que estão a crescer neste mercado. O YouTube já não é o único jogador, mas continua a ser o mais importante..Novos negócios no ecossistema.Com o crescimento do vídeo online surgiram vários novos tipos de empresa. Há as agências que agregam canais, como a Fullscreen e a Machinima, ou a portuguesa Thumb Media. Há as agências de gestão de talentos, como a 26mgmt, as plataformas específicas, como a StarMaker, que é dedicada à música. Há novas tecnologias, como a XSplit da Splitmedia Labs, software para transmissões ao vivo, e a Wochit. Esta startup oferece uma plataforma de edição de vídeos e uma base de dados com conteúdos, que são licenciados por parceiros como Getty Images, Reuters, Associated Press ou Bloomberg. Qualquer pessoa consegue criar um vídeo em cerca de dez minutos com qualidade profissional..O Dinheiro Vivo experimentou fazer uma peça sobre o novo trailer do último filme da saga Os Jogos da Fome, Mockingjay Part II e foram precisos menos de dez minutos. Incluindo voz off, imagens da Comic-Con e partes do trailer. "Estávamos virados sobretudo para as grandes publicações até há alguns meses", explica ao Dinheiro Vivo o CEO e fundador da Wochit, Dror Ginzberg. "Agora, estamos a abrir para toda a gente." Será introduzido um esquema de subscrição, mantendo uma versão gratuita que qualquer vlogger, jornalista ou contador de histórias poderá utilizar. É mais um sinal de como este mercado se tornou apetecível..Transformação cultural.O impacto que estas celebridades e a sua legião de fãs têm já não pode ser ignorado. Sawyer Hartman realizou o seu primeiro filme, The Parallax Theory, e Hollywood está cada vez mais atraída por youtubers - Akana conseguiu um pequeno papel no recente AntMan..Mas este espaço também está a ser usado para gerar conversas que dificilmente são abordadas de forma crua e direta nos media tradicionais. Akilah Hughes, uma comediante afro-americana, chama a atenção para questões como o racismo e machismo de forma hilariante. Loanthony, um rapaz de 16 anos, desafia todos os estereótipos do que a sociedade espera de um adolescente..Gigi Gorgeous é uma mulher transexual que documentou a sua transição no YouTube muito antes de alguém adivinhar que o clã Jenner ia ter uma Caitlyn. "Estamos finalmente numa era em que a diversidade no ecrã reflete a diversidade da nossa sociedade", sintetizou Susan Wojcicki. "Fomos além da era do entretenimento passivo para um renascimento do entretenimento imersivo, em que as regras tradicionais da televisão, episódios de 22 minutos ou horários nobres, estão a ser reescritas a favor de novas formas de entretenimento, interessantes novas caras e, acima de tudo, envolvimento e comunidade." O entusiasmo a que assistimos nesta VidCon, dez anos depois do lançamento do YouTube, confirma que a revolução não vai passar na televisão - mas sim no ecrã do tablet, portátil ou smartphone.