Volkswagen atravessa crise na Alemanha com cortes salariais e fecho de fábricas

Ícone maior da indústria automóvel germânica há mais de oito décadas, a fabricante enfrenta uma situação crítica na Alemanha e já rasgou acordos laborais. Portuguesa Autoeuropa a salvo, para já, mas trabalhadores estão apreensivos.
Volkswagen atravessa crise na Alemanha com cortes salariais e fecho de fábricas
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O presidente executivo do grupo Volkswagen (VW), Oliver Blume, disse no domingo que “a fraca procura no mercado europeu e as receitas significativamente mais baixas na China revelam décadas de problemas estruturais na VW”, uma afirmação ao Bild am Sonntag que sustenta a atual visão da administração - a “inevitável” redução de custos. Há já um plano esboçado para as fábricas e trabalhadores na Alemanha, incluindo cortes nos salários e encerramentos de fábricas. O cenário no país que é o motor económico da União Europeia gera receios em todas as geografias onde a VW opera, incluindo a portuguesa Autoeuropa, em Palmela.

A última semana confirmou o que os trabalhadores da VW temiam há meses. Depois de em setembro, o grupo “rasgar” acordos laborais, na Alemanha, incluindo um que remonta a 1994 e que garantia que não haveria despedimentos por motivos profissionais no país até 2029, as contas trimestrais, conhecidas na última quarta-feira, deram argumentos para a reestruturação do grupo.

Entre janeiro e setembro, o lucro do grupo VW caiu 33,1%, para 7,59 mil milhões de euros, em termos homólogos. Observando só o terceiro trimestre (de julho a setembro), o resultado líquido tombou 68,8%, para 1,21 mil milhões de euros, comparando com igual período de 2023.

Os números não refletem prejuízos, mas uma desaceleração nos ganhos e nas margens, que o grupo justifica com menores receitas na China e Europa, bem como com custos fixos mais elevados. Foi o suficiente para Arno Arlitz, o administrador financeiro, defender a “necessidade urgente de uma significativa redução de custos e ganhos de eficiência”. Numa call com representantes de investidores, Arlitz disse que a VW tem uma quota de mercado de 25%, sendo que desde a pandemia o mercado europeu entrega menos dois milhões de automóveis por ano (produção europeia caiu de 16 para 14 milhões unidades/ano), “situação que se irá manter nos próximos cinco, seis anos, o que significa uma quebra na produção [da VW] de 500 mil carros”.

No mesmo dia, em comunicado, a VW confirmou que pretende aplicar cortes salariais na ordem dos 10%, “devido à crise económica na indústria automóvel”, sendo aquele plano a ponte para o grupo “manter-se competitivo” e “salvaguardar empregos”.

“Estamos muito preocupados com a atual tendência da indústria automóvel na Europa e, especialmente, na Alemanha como centro de negócios”, declarou Arne Meiswinkel, membro do conselho de administração do grupo com o pelouro dos recursos humanos. O gestor vincou que “a deterioração dos números no último trimestre é clara” e que se nada for feito a VW “não conseguirá financiar o seu futuro”.

“Uma das coisas que precisamos de fazer é reduzir os custos laborais para um nível competitivo”, defendeu o gestor que está a negociar com o IG Metall.
O sindicato do setor metalúrgico germânico, que integra os trabalhadores sindicalizados da VW, partiu para as negociações a pedir a recuperação dos acordos laborais descartados pela VW e um aumento salarial de 7% - exigências totalmente dissonantes com o que a empresa pretende fazer.

A 28 de setembro, Daniela Cavallo, líder da estrutura que representa os trabalhadores da VW, denunciou que o grupo planeia “encerrar pelo menos três fábricas” alemãs - algo inédito em 87 anos desde a fundação da VW -, redimensionar outras unidades, transferir algumas atividades da sede do grupo, em Wolfsburg, para o estrangeiro, e o congelamento dos salários em 2025 e 2026, o que significaria o fim de dezenas de milhares de postos de trabalho. A VW tinha mais de 670 mil funcionários em todo o mundo, no final de 2023. Na Alemanha, 120 mil trabalhadores e dez fábricas.

Autoeuropa

O plano que o grupo quer implementar visa somente a Alemanha. Por cá, citada pela SIC, a administração da Volkswagen/Autoeuropa já fez saber que “não entra em especulações”.

Embora não haja afirmações oficiais, ao que o DN apurou, o que se passa na Alemanha gera “apreensão” na unidade de Palmela. Fonte das estruturas que representam os trabalhadores da Autoeuropa dizem ao DN que também notaram esta “apreensão” na administração. Há também contactos diários com trabalhadores alemães, por uma questão de solidariedade e porque o cenário preocupa todas as fábricas.

Em Portugal há um acordo laboral que vigora até ao final de 2025 e um plano de produção para cumprir, incluindo o lançamento de um novo modelo no próximo ano. Até ao momento, não houve qualquer indicação de revisão dos planos.

Além do cenário de cortes salariais e fecho de fábricas na Alemanha, a unidade de Palmela estará mais atenta aos indicadores económicos germânicos, que não têm sido animadores. É que uma recessão poderia ser um dano colateral que afetaria encomendas e exportações da Autoeuropa.

Em 2023, a Autoeuropa produziu 220,1 mil unidades, menos 11 mil do que em 2022, o terceiro melhor ano de sempre. A Alemanha foi o principal mercado.

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