2014, o ano que pode nem começar

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2014, ano decisivo para o Brasil na economia,

após dois anos de frágil crescimento, na política, com a

realização de eleições gerais em outubro, e até no futebol, com

o Mundial brasileiro de junho e julho, começou há uma semana. Mas

será que começou mesmo? E será que, dadas as circunstâncias, vai

começar algum dia?

Para começo de conversa, um daqueles mitos

autodepreciativos que os brasileiros adoram: ao contrário do resto

do mundo, o ano no Brasil só começa em março.

É verdade, de facto. Mas não é nada de muito

diferente do tal resto do mundo. Como julho ou agosto no hemisfério

norte, janeiro e fevereiro são os meses oficiais de verão no país,

as escolas fecham, muita gente entra de férias, o número de horas

trabalhadas diminui radicalmente, os trabalhadores temporários da

época das festas perdem o emprego, a classe média compra menos

depois do esforço natalício, os serviços públicos, parlamentares

e judiciais trabalham a meio gás, as empresas esperam dois meses

para executar orçamentos e contratar, o sector da construção

desacelera por ser também temporada de chuvas, as televisões

esperam pelo segundo trimestre para anunciar novidades, o futebol

descansa.

A diferença em relação ao resto do mundo é

que o fim das férias cola com o início da festa nacional, o

Carnaval, este ano marcado para a primeira semana de março.

Resumindo: este ano, mais ressaca, menos ressaca, só lá para abril,

o Brasil reabre, de facto, as portas.

Mas abril, mês da Páscoa e de feriados

nacionais, é apenas dois meses antes da Copa e ninguém no planeta

sacraliza mais os mundiais de futebol do que o país que o conquistou

mais vezes. Este ano, no entanto, não são só os escolhidos de

Luiz Felipe Scolari que entram em campo: os 200 milhões de

brasileiros sentem-se em teste aos olhos do mundo porque, 64 anos

depois, voltam a sediar o acontecimento.

E como os brasileiros gostam de emoção: em abril o estádio escolhido para a abertura do mundial, a Arena

Corinthians, pode não estar pronto. Aliás, além da cidade de São

Paulo mais cinco, ou seja, metade das sedes, ainda não entregou os

recintos, e o dezembro que passou era o prazo limite.

Mais: em abril e maio, com os olhos do globo

enfiados no Brasil, devem recomeçar os protestos populares, à

imagem dos ocorridos na Taça das Confederações de 2013. E, como um

Mundial vale financeira, desportiva e mediaticamente 100 vezes mais

do que uma Taça das Confederações, as manifestações prometem

desviar as atenções das autoridades.

Em junho e julho, o país fica em suspenso por

causa da competição e do que a rodeia. E nas semanas seguintes, ou porque a seleção do

Brasil ganhou ou porque a seleção do Brasil não ganhou,

simplesmente para.

Paralelamente (6 de julho), começa a campanha

eleitoral oficial nas ruas e na internet para, um mês depois (19 de agosto), chegar às televisões.

Para o exterior, só interessam notícias sobre

os candidatos principais à presidência - a presidente Dilma e os

desafiantes Aécio Neves e Eduardo Campos - mas num país

continental e dividido por estados o particular importa tanto ou mais

ao comum dos brasileiros. Convém portanto lembrar que estão em

jogo, além da de presidente, mais 1626 pequenas eleições para

eleger 27 governadores, 27 senadores, 513 deputados federais, 1035

deputados estaduais e 24 deputados distritais, o que equivalerá a

aproximadamente 20 mil candidatos.

Serão dois meses em que, sob o ruído

tradicionalmente ensurdecedor de uma campanha à grande e à

americana, os serviços federais, estaduais e municipais funcionarão

em part-time.

Chegamos a outubro, mês das eleições. Todos

os dados indicam que, tal como nas três eleições anteriores ganhas

pelo candidato do PT (duas vezes Lula e uma vez Dilma), será

necessária segunda volta, a realizar-se no dia 26. Segue-se um mês

de rescaldo eleitoral e de escolha de ministros e afins na selva de

partidos que vão compor as bases de apoio dos dois candidatos

finalistas, até dezembro. Em dezembro, como em todo o lado, o país

volta-se para as festas de Natal e Ano Novo.

Em suma: no Brasil, o mais provável é que o

2014 comece apenas em 2015. Mas só em março, claro, depois do

Carnaval de 2015.

Jornalista

Escreve à quarta-feira

Crónicas de um português emigrado no Brasil

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