Jordan Belfort e os seus cúmplices aperfeiçoaram a sua fraude "de.marca" através de dezenas de repetições. O filme, com Leonardo di Caprio na pele de Belfort, já chegou aos cinemas portugueses, mas antes de o ver, eis como funcionava a burla, em.cinco passos simples:.1. Criação de acções para IPO (Oferta Pública Inicial de.Venda).A primeira coisa de que a Stratton Oakmont precisava era.de um negócio para vender, e a definição de "negócio" era.muito flexível. Uma escola de judo, um fabricante de bagels, um.purificador de água ou um alcoólico em recuperação que vendia.sapatos no porta-bagagens do carro, serviam. O que era necessário,.não era tanto um verdadeiro negócio, mas uma entidade negocial com.uma história que pudesse ser convertida em ações negociadas.através de uma oferta pública inicial da Stratton.Um elemento importante do esquema era o facto de estas acções.não serem, realmente, vendidas ao público, mas sim à Stratton. As.leis dos títulos financeiros proíbem que subscritores como a.Stratton comprem mais que uma pequena percentagem das acções que.emitem numa IPO. Para contornar esse obstáculo, a Stratton vendia a.totalidade dessas acções a amigos (alcunhados "flippers") como.Madden, que imediatamente as vendiam de volta à Stratton com um.pequeno lucro. As ações eram normalmente emitidas aos "flippers".a 4 dólares e depois vendidas à Stratton por 4,25 dólares. Era um bom negócio.para os "flippers", que podiam embolsar à volta de 50 mil.dólares por cada IPO, sem esforço nem risco de perda.2. Alinhamento das vítimas. Os otários não nascem assim,.são treinados. Os vendedores da Stratton Oakmont começavam por.ganhar a confiança dos investidores, permitindo-lhes um pequeno.lucro em uma ou duas IPO da empresa. Com a confiança criada,.informavam esses clientes de que, em breve, se realizaria uma IPO.verdadeiramente interessante, com um preço de emissão de 4 dólares por.ação. Como acontecia em todas as IPO da Stratton, esperava-se que o.preço das acções disparasse quando começassem a ser negociadas no.mercado secundário. Um cliente entusiasmado, com 100 mil dólares de.poupanças, podia autorizar o vendedor a comprar 25 mil ações dessa.IPO, e depois transferir os 100 mil dólares para a sua conta na.Stratton. Totalizando todos esses compromissos, Jordan Belfort sabia.exatamente quanto poder de compra tinham os clientes da corretora.3. Publicidade enganosa.Pouco tempo antes da IPO, o vendedor.da Stratton telefonava a esses clientes, informando que esta.despertara tanto interesse que lhe podia oferecer pouquíssimas.acções ao preço de 4 dólares. Contudo, podia criar ordens de compra que.seriam executadas assim que as acções começassem a ser negociadas.no mercado secundário. Muitos clientes partiam do princípio de que.essas ordens resultariam em compras por um preço próximo dos 4 dólares da.emissão, e concordavam. Alguns não davam permissão ao vendedor.para investir o seu dinheiro sem saberem o preço de compra e outros.recusavam-se, simplesmente, a comprar ações no mercado secundário.Era aqui que começava o trabalho do call center "vale tudo".mostrado no filme. A pressão sobre os clientes podia ser esmagadora,.especialmente porque já tinham concordado em comprar as mesmas ações.ao preço de emissão: "Que história é essa de não ter dinheiro.para investir nestas ações? Já me deu 100 mil dólares para.comprar a $4 por ação!" ou "Já lhe dei dinheiro a ganhar e.agora não confia em mim?" "Nunca mais o deixo participar noutra.IPO se me roer a corda agora!"Os corretores da Stratton podiam, simplesmente, colocar as ordens.nas contas destes clientes sem a sua permissão, mas raramente o.faziam. Ordens não autorizadas tinham mais probabilidades de.provocar queixas aos reguladores, e teriam infringido uma espécie de.código de honra oficioso do "boiler-room". Estes homens tinham.orgulho na sua capacidade de convencer os incautos a separar-se das.poupanças de toda a vida.4. Manipulação de mercado. A Stratton Oakmont podia ter.ganho milhões de dólares apenas vendendo aos seus clientes ações.de empresas praticamente sem valor nenhum, a 4 dólares cada uma. Contudo,.após uma ou duas IPO desse género, os investidores e as entidades.reguladoras ter-se-iam apercebido. Em vez disso, Jordan Belfort usou.o mercado bolsista para camuflar o seu roubo.Digamos que se tinha emitido um milhão de ações da IPO e os.clientes da Stratton se tinham comprometido a comprar 12 milhões de.dólares no mercado secundário. A Belfort interessava que o preço.das ações subisse de 4 dólares para 12 dólares antes de lhas vender. Tendo.comprado todas as ações da IPO aos "flippers", Belfort e Porush.podiam negociar no mercado secundário a qualquer preço. A maneira.mais simples de o fazer era comprar e vender ações entre contas.Stratton a preços crescentes, mas isso teria sido demasiado óbvio..O mesmo resultado podia ser atingido se os amigos comprassem pequenas.quantidades de ações usando "ordens de mercado", em que as.acções são compradas pelo preço mais baixo oferecido por qualquer.vendedor. O único vendedor era a Stratton Oakmont.Assim que tinha início a negociação no mercado secundário, no.dia da IPO, os amigos de Belfort e Porush começavam a colocar essas.pequenas ordens de mercado. A Stratton, simultaneamente, venderia as.suas acções usando "ordens limitadas", que oferecem acções.para venda apenas acima de um preço mínimo especificado. Após cada.venda, a Stratton colocaria outra ordem limitada com um preço mínimo.ligeiramente aumentado, e as ordens de mercado dos amigos eram.executadas a cada um dos preços mais altos.O que o mercado registava era um progresso regular de vendas a 4,25 dólares, 4,50 dólares, 4,75 dólares, até atingir o objetivo dos 12 dólares. A subida dos 4 dólares para os 12 dólares podia ser concretizada em minutos. Nos anos 90, este era.um padrão comum no primeiro dia de negociação de acções IPO que.despertassem muito interesse, pelo que a manipulação não era.óbvia.5. Vende alto e fecha a porta. Quando o.preço das ações atingisse os 12 dólares que eram o objetivo, a Stratton.executava as ordens de compra dos seus clientes. É o momento alto,.quando a empresa fica com o dinheiro das vítimas e a festa louca do.filme começa.Se os clientes que detinham as ações inflacionadas tentassem.rapidamente voltar a vendê-las no mercado, não teriam encontrado.praticamente nenhum comprador real, e o preço das ações cairia.quase tão depressa quanto subira. Uma queda de preços tão rápida.era rara quando se tratava de uma IPO legítima e teria atraído o.escrutínio dos reguladores, afugentado as próximas vítimas da.Stratton. Então, a corretora adotou o sistema de manter o preço.alto por algum tempo - normalmente cerca de um mês - comprando.todas as acções dessa IPO que aparecessem à venda no mercado.Porém, deixar os clientes venderem as suas acções a 12 dólares quando.a Stratton Oakmont era o principal comprador, deitaria por terra todo.o propósito do esquema; as vítimas tinham de ser convencidas a não.vender demasiado depressa. Os corretores da Stratton conseguiam-no,.normalmente, debitando mais uma série de exageros aos ouvidos dos.investidores que ligavam para colocar ordens de venda. (A Stratton.existiu antes dos serviços que, através da Internet, permitem à.maioria dos investidores colocar as suas próprias ordens).Quando os clientes não se deixavam convencer a conservar as.ações, as suas ordens de venda eram normalmente perdidas e os seus.telefonemas ignorados. Quando as ordens de venda eram finalmente.executadas, haveria poucos compradores, o preço descia e os clientes.ficavam arruinados. Entretanto, Belfort preparara a IPO seguinte e.começava a alinhar novas vítimas.Seria possível, hoje em dia, levar a cabo esta fraude? A resposta.simples é não, desde que a Securities and Exchange Commission e a.Autoridade Regulatória da Indústria Financeira (Finra) fizessem o.seu trabalho, mas o mesmo é verdade para a época da Stratton.Oakmont. As entidades reguladoras estão agora equipadas com.computadores mais potentes e vários anos de experiência de.esquemas. Mas os criminosos criativos estão sempre a inventar novas.variações de velhas burlas e os reguladores são melhores a evitar.os crimes de ontem que a prever os de amanhã. Jordan Belfort.disse-me que nunca se preocupara com a SEC, e só muito poucas vezes.com o FBI. Quando lhe falei na Associação Nacional de Securities.Dealers, a antecessora da Finra, riu-se.Perguntei uma vez a Jordan se o perturbava ter roubado a velhinhas.as poupanças de uma vida. Sem hesitar, respondeu: "Claro. Acha que.tomávamos aquelas drogas todas porquê?" Foi a minha vez de rir..Talvez se possam ver esses remorsos nas "cenas cortadas", no DVD.de "O Lobo de Wall Street".