Nos últimos anos, temos assistido ao crescimento de aplicações de inteligência artificial (IA) na prestação de serviços profissionais, como seja o caso de escritórios de advogados, de contabilidade e de auditoria. Trata-se de serviços de elevada complexidade e com grande grau de contacto com os clientes. Tradicionalmente, os colaboradores destes serviços (os “profissionais”: advogados, contabilistas, auditores) são altamente qualificados e têm um papel chave na realização do trabalho. No entanto, como uma grande parte do trabalho envolve a análise de grandes volumes de informação/texto, a integração da IA pode criar importantes oportunidades de inovação..Primeiro, a IA permite automatizar algumas tarefas repetitivas e de baixo valor acrescentado que são desempenhadas por humanos. Tal liberta tempo aos profissionais para desenvolveram relações mais ricas com os clientes, ficando a conhecer melhor as suas necessidades e, subsequentemente, levando à introdução de inovações no serviço prestado. Por exemplo, um escritório de advogados pode usar um sistema automático de revisão de contratos com aprendizagem autónoma (machine-learning). Esta ferramenta consegue analisar um grande número de contratos em muito pouco tempo, identificando de forma automática cláusulas críticas (i.e., que apresentam riscos ou causam dúvidas), libertando os profissionais do trabalho mecânico de percorrer manualmente a totalidade do articulado legal..Segundo, a IA possibilita a inovação direta nos processos de trabalho. No exemplo anterior de revisão de um contrato, o custo de produzir o serviço para um escritório tradicional sem IA é em grande parte determinado pelas horas despendidas pelos profissionais na análise exaustiva do contrato. Deste modo, é comum este tipo de serviços serem cobrados ao cliente de acordo com as horas despendidas pelos profissionais. Este modelo é pouco transparente e previsível para os clientes que, embora conheçam antecipadamente o valor horário cobrado pelos profissionais, não conseguem prever o valor final que será faturado. No final, os clientes estão interessados no resultado (um contrato sem riscos) e não no esforço despendido pelos colaboradores do prestado de serviço. Com a ferramenta de IA, as horas despendidas serão muito reduzidas (análise apenas das cláusulas de risco pré-identificadas pela IA), pelo que o escritório pode inovar na forma de cobrar estes serviços, ganhando vantagem competitiva. Pode, por exemplo, cobrar por um valor pré-acordado com o cliente, relacionado com o valor percebido pelo cliente no serviço..Claro que a montagem destes sistemas de IA tem custos. Significativamente, é necessário recolher um grande volume de dados para “ensinar” a ferramenta de IA (e.g., a identificar cláusulas de risco em contratos), o que exige o envolvimento dos profissionais no treino, calibração e validação das decisões tomadas pelo sistema..Como estes exemplos demonstram, nos serviços profissionais a IA emerge como alavanca de inovação sem dispensar o papel dos profissionais qualificados e do seu conhecimento, ao invés de uma forma de redução direta de custos através da substituição de pessoas..Rui Soucassaux Sousa é professor catedrático da Católica Porto Business School