Este surf não é para todos. Na loja de Rui Ribeiro não vai encontrar as marcas que patrocinam os surfistas mais conhecidos do mundo. Pelo contrário. Há pranchas feitas pelos grandes especialistas - surfistas - que sabem melhor do que ninguém quais são as medidas certas para "comungar com as ondas". . O quiver de Rui Ribeiro - o conjunto de pranchas de um surfista que determinam o surf que faz - tem mais de 20 anos. O antigo técnico da RTP inaugura a 31 de março a Magic Quiver, uma loja de surf na Ericeira que pouco tem das habituais surf shops. "Nunca fui de pranchas de surf de competição, sempre gostei mais do outro surf, clássico, dos anos 60 e 70, fora do mainstream", diz. . Rui Ribeiro começou a fazer bodyboard aos 15 anos. "Fui fazendo surf pelo meio e sempre tive vontade de ter uma loja de surf." Para complementar o trabalho como técnico de coordenação de sinais na RTP, decidiu abrir uma produtora de programas de surf com dois sócios. Dois anos depois, por falta de mercado, o negócio acabou. . "Como já estava por dentro do surf andei à procura de umas pranchas que queria, a contactar fábricas. Aquilo que era uma prancha para mim e para um amigo tornou-se, em 2008, uma importação. Importei as primeiras para vender a particulares, em pequenas quantidades, para perceber se o mercado português tinha ou não potencial." Rapidamente surgiram pedidos de surfistas de países como a Finlândia ou Israel - de tal maneira que, desde que começou a importar, Rui vendeu mais de 60 pranchas. . Começou a trabalhar com uma das melhores fábricas da Califórnia, de França e, em 2009, surgiu o contacto do fabricante Wavegliders Surfboards, na Ericeira, que propôs a Rui começar a trabalhar como comercial, na venda de pranchas feitas à mão. "Decidi que estava na altura de arriscar um pouco mais e, através dos conhecimentos que já tinha, consegui trazer a Portugal Josh Hall, surfista muito conhecido no meio. Veio a Portugal fazer pranchas." . A visita de Josh foi um sucesso relatado no blogue Magic Quiver, criado em 2007, assim como a vinda de Ryan Lovelace, conhecido nos sites americanos e um pouco por todo o mundo, "que veio a Portugal para fazer pranchas para nós - um exclusivo para a Europa. O risco era muito maior porque as pranchas eram fora do convencional", um produto completamente novo para o cliente português e para a generalidade dos surfistas europeus. . "O blogue começou a crescer, a ficar mais conhecido lá fora do que em Portugal e, por isso, comecei a escrever cada vez mais em inglês e menos em português. Decidi que estava na altura de dedicar mais tempo ao projeto", conta. A decisão coincidiu com uma fase de mudanças na RTP. Rui aproveitou a oportunidade e saiu da televisão pública, em junho de 2011, com a sensação de que ou era nessa altura "ou não era nunca". . O dia a dia tem-se dividido desde então entre projetos, ideias, obras e um investimento superior a 10 mil euros, só na loja. "Escolhi a Ericeira porque é o centro principal do surf em Portugal. Tem mais e melhores praias para surfar, que se encaixam no estilo de pranchas que vendo, e está perto de Lisboa. Para mim só fazia sentido ser aqui." . O preço das pranchas à venda na loja varia entre os 600 e os 1200 euros, ligeiramente acima do das pranchas à venda noutras lojas de surf. "São caras porque são feitas à mão, com materiais mais resistentes e com uma durabilidade muito acima da normal. Estas pranchas de surf são cortadas diretamente da placa de poliuretano, são acabadas com muito mais fibra de vidro e mais resina e por isso são mais pesadas. Devido à forma, esse peso a mais é compensado pela flutuação extra: a performance dentro de água não sai muito prejudicada pelo tempo extra." . Por isso, dirigem-se a um surfista diferente do que vai a uma loja e compra marcas mainstream, t-shirts com grandes logótipos e "pranchas normais, das que se veem na praia. Short-boards, relativamente estreitas, leves, feitas para um surfista com alguma técnica e uma capacidade física elevada". . Rui surfa pranchas de maior volume, com um desenho diferente e que permitem maior velocidade e menor esforço. "Não preciso de lutar com a prancha para que ela se desloque. Uso mais a força do mar do que a força dos meus pés. Serve para surfar em maior comunhão com a onda. A maior parte dos surfistas, se tentasse surfar com uma destas pranchas, ia perceber que, ganhando flutuação, se consegue apanhar mais ondas, ganhar mais velocidade. A generalidade dos surfistas portugueses não tem nível para surfar com uma prancha tradicional. Os limites da prancha estão muito acima do nível de 90% dos surfistas nacionais. Os desenhos destas pranchas são adaptados aos que eram usados nos anos 60." . Por tudo isto, a Magic Quiver vai trabalhar com fábricas de pranchas consideradas rétro e dar preferência aos fabricantes europeus, numa tentativa de reduzir os custos com importações e fomentar a produção europeia: a encabeçar a lista está o fabricante nacional da Ericeira, Wavegliders "que permitirá ter pranchas feitas em Portugal e encomendas de clientes a que a loja pode responder rapidamente, à medida de cada um". . Há ainda de outros fabricantes, como os californianos Josh Hall, Jeff Mccallum e Ryan Lovelace ou o australiano Neil Purchase Jr., e, antes do verão, chegam as da Bing, uma das mais antigas marcas de surf do mundo. Além das pranchas, Rui vai vender fatos da Nine Plus - a primeira marca de surf a ser vendida em Portugal -, roupa e sapatos de seis marcas, incluindo Vans e a Rhythm, e está a desenvolver uma linha de t-shirts própria, de algodão orgânico, produzidas em Portugal. . "São marcas que se distinguem por estarem muito longe do que é considerado o mainstream do surf: não há logótipos espampanantes, não há cores garridas. São linhas discretas, desenhos simples e tudo escolhido tendo a qualidade como principal critério", esclarece. A ideia de Rui é ter "pequenas coleções em pequenas quantidades, para que o cliente venha frequentemente à loja e tenha sempre produtos novos. O objetivo é ter uma rotatividade de modelos para que as pessoas tenham vontade de voltar à loja e de maneira a que apenas quatro ou seis pessoas tenham a mesma peça, em todo o País". . Um sofá e uma mesa de café, um espaço amplo com decoração simples e planos para exposições de fotografia de surf e exibição de filmes são algumas das premissas de construção da loja, "uma alternativa a tudo o que existe em Portugal", e uma montra que revela quase nada. "Pretendo que a loja seja mais do que um sítio onde as pessoas entram e compram. Aqui nunca vai haver pressa: quero convidar as pessoas a entrar, a conversar, a tomar um café e a aprender mais sobre surf. A loja tem de estar aberta todos os dias. Até outubro não pretendo fechar nem à hora de almoço. Se fechar, é porque deixei um recado na porta a dizer 'fui surfar'."