Anacom propõe ao governo limite de seis meses nas fidelizações nas telecomunicações

Presidente da Anacom, João Cadete de Matos, considera "urgente" a adoção de medidas que protejam os consumidores. Governo está a analisar proposta regulatória.
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O presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), João Cadete de Matos, afirmou esta quarta-feira que o regulador propôs ao governo a redução do prazo máximo das fidelizações de dois anos para seis meses, para promover a redução de preços das telecomunicações.

Em conferência de imprensa, Cadete de Matos considerou "urgente" a adoção de medidas que protejam os consumidores no atual contexto económico, referindo que existem divergências entre os preços praticados em Portugal e o resto da Europa. O​​​​​​s três maiores operadores de telecomunicações (Altice, NOS e Vodafone) decidiram aumentar os preços este ano, em linha com a variação média anual de 7,8% do Índice de Preços no Consumidor em 2022, uma decisão que o regulador considerou "injustificada".

Para a Anacom, a duração máxima do período de fidelização deve ser reduzida de 24 para 6 meses é a medida mais "pertinente". O regulador entende que existe uma "convergência das estratégias comerciais dos operadores [históricos Meo, NOS e Vodafone]" e que períodos de fidelização de dois anos travam a mobilidade dos consumidores e o fomento da concorrência, dificultando a entrada de novos players.

O regulador das comunicações considera que as fidelizações representam uma "ilusão" para os consumidores, sendo apresentadas como uma forma de reduzir os preços das ofertas. Cadete de Matos vê nesse argumento "uma armadilha" para os consumidores, que ficam presos ao mesmo operador durante dois anos, impedidos de mudar e de conseguir ofertas a melhores preços.

A Anacom defende, por isso, que mexer nas fidelizações trará "claros benefícios" aos consumidores, "que beneficiarão de maior poder de escolha e de mudança".

"Aquilo que se tem ouvido em Portugal de que as fidelizações são boas, porque os consumidores pagam menos, é absolutamente o contrário", acrescentou Cadete de Matos.

A par da redução do período máximo das fidelizações, a Anacom propôs ao governo que as mesmas só possam ser aplicadas para "subsidiação e equipamentos e instalação" dos serviços. Acresce a sugestão de alteração do modo de cálculo dos encargos que podem ser exigidos aos consumidores por rescisão antecipada do contrato. O regulador defende que os operadores só possam cobrar pelas mensalidades em falta.

O Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Infraestruturas sobre esta proposta, tendo o gabinete de João Galamba reiterado "a sua disponibilidade para analisar os contributos que lhe sejam remetidos". Segundo fonte oficial, o governo "mantém um contínuo acompanhamento do setor das comunicações".

Cadete de Matos espera que o "governo pondere a pertinência da proposta" e que a recomendação seja "acolhida" pelo executivo, para que seja possível "evitar que um aumento deste género se repita em janeiro do próximo ano". Não obstante, esta redução do prazo máximo dos períodos de fidelização só poder-se-á aplicar "a novos contratos e refidelizações".

A Anacom ainda equacionou propor o fim definitivo das fidelizações nas telecomunicações. Segundo Cadete de Matos, esse cenário seria "juridicamente" possível, mas não seria "o mais adequado" observando "as melhores práticas europeias".

Questionado sobre o porquê de não propor um teto máximo para os aumentos de preços ou não recomendar que a Anacom passe a regular os preços praticados pelos operadores, Cadete de Matos defendeu que "a regra em todos os países da União Europeia [UE] é que os preços retalhistas sejam fixados pelas empresas que concorrem no mercado". Por isso, rejeitou essa opção.

Cadete de Matos recorreu também a benchmarks recolhidos pelo organismo que lidera para reiterar que o regime de fidelizações em Portugal não tem conduzido a preços mais baixos das ofertas.

De acordo com o regulador, os preços das telecomunicações em Portugal subiram 7,7% desde o final de 2009 até dezembro de 2022, enquanto na União Europeia diminuíram em média 10%. Em 2021, os preços em Portugal estavam 19,3% acima da média europeia, acrescentou o responsável.

O presidente da Anacom referiu o caso da Dinamarca, "onde existe a regra de uma fidelização máxima de seis meses", como paradigma a seguir. A Dinamarca, segundo os dados da Anacom, lidera a lista de maiores descidas dos preços nos últimos 13 anos, com uma redução de 32,9%. "É uma boa fonte de inspiração para aquilo que importa fazer em Portugal", disse.

"Também a Bélgica, apesar de ter fixado um período de duração máximo de 24 meses, não admite a cobrança de encargos caso a denúncia seja solicitada após o sexto mês do período de fidelização, com exceção da recuperação de valores associados à subsidiação de equipamentos. Assinala-se, neste contexto, ainda, os casos da Noruega e da Hungria, com períodos de fidelização de 12 meses, ou seja, inferiores ao máximo admitido no Código Europeu das Comunicações Eletrónicas", lê-se na proposta do regulador.

Foi considerando que o aumento de preços em 7,8% pelos operadores é "injustificado" e que o regime de fidelizações, em Portugal, "não favorece o desenvolvimento do setor numa base concorrencial", que Cadete de Matos defendeu que só alterando o período máximo das fidelizações nas telecomunicações "será possível acontecer no país o que acontece em Espanha, Itália, entre outros, que é aumentar o nível concorrencial, novas ofertas e maior qualidade de serviço".

Em Espanha, o serviço mais em conta fornecido em fibra ótica, com velocidades de mil megabits por segundo (1 Gbps) tem o preço de 20 euros mensais, pressupondo uma fidelização máxima de três meses, exemplificou o presidente do regulador das comunicações, notando que, em Portugal, serviço em fibra ótica mais barato ( sem que esteja incluído em pacotes) custa 30 euros mensais, com fidelizações de dois anos.

De acordo com o regulador, "se as fidelizações baixassem preços, então os tarifários em Portugal teriam tido reduções como noutros países", por um lado. Por outro, "se os custos aumentassem com as fidelizações, então os operadores acabariam com as fidelizações", segundo Cadete de Matos.

Para Cadete de Matos, os operadores nem podem usar o argumento de atualizarem preços ao nível da inflação por causa dos custos do investimento nas redes, porque "a cobertura de fibra ótica vai ser financiada pelo Estado". Não obstante, os investimentos no 5G têm sido assegurados só pelos operadores.

Os preços dos serviços da Altice (dona da Meo) e da NOS foram atualizados esta quarta-feira em 7,8%, em linha com o Índice de Preços do Consumidor anual de 2022. A Vodafone só fará a atualização a partir de 1 de março.

Sobre as dúvidas legais que este aumento tem levantado, a Anacom garante que a atualização de preços não é ilegal, desde que haja uma cláusula contratual a prevê-lo. No entanto, o regulador entende que a análise deve ser feita caso a caso e dependerá também da forma como os operadores estão a comunicar as atualizações de preços aos assinantes.

"Se estiver nos contratos uma cláusula que preveja esta atualização automática dos preços, à partida, estes aumentos são legais. Se os consumidores forem confrontados com um aumento que não está no contrato, aí sim [há uma ilegalidade], mas tem de ser analisado caso a caso porque se trata de um contrato entre duas partes", esclareceu Agostinho Franco, diretor adjunto da Anacom para a área da regulação, também presente na conferência de imprensa.

O dirigente da Anacom adiantou, ainda, que se uma atualização de preços estiver contratualmente prevista "tem sempre de ser comunicada ao assinante" com antecedência". A lei das comunicações eletrónicas refere que a comunicação tem de ter uma antecedência mínima de 30 dias.

Nesse sentido, e considerando que a fixação de preços é uma responsabilidade dos operadores e os respetivos aumentos são iniciativa das telecom, Cadete de Matos e Agostinho Franco apelaram a que os consumidores verifiquem os seus contratos e que "verifiquem as faturas no sentido de as usarem como instrumento de reclamação junto da Anacom em situações de abuso".

Questionado se, após os aumentos anunciados pelos operadores, o regulador tem indícios que motivem uma queixa à Autoridade da Concorrência (AdC) por parte da Anacom, Cadete de Matos disse que não. Não obstante, reiterou que "os operadores têm praticado muitas vezes preços convergentes", o que associado aos períodos de fidelização limita as alternativas para os consumidores.

"Relativamente ao aumento de preços de que tivemos conhecimento não houve reporte à Autoridade da Concorrência", afirmou Cadete de Matos.

O responsável disse que a Anacom explicou reportes à Autoridade da Concorrência quando tem indícios de matérias que violam as regras da concorrência (como preços iguais e evoluções análogas em diferentes operadores) e que continuará a fazer isso quando considerar que o deve fazer.

"Nunca está excluído de acontecer, a Anacom está a supervisionar tudo o que está a acontecer no mercado", concluiu.

(Atualizada com mais informação pela última vez às 17h30, com resposta do Ministério das Infraestruturas)

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