Um americano comum entra num Burger King. Pede uma Budweiser . gelada e um hambúrguer. O que falta para o cliché estar completo? . Ketchup, muito ketchup e mostarda, muita mostarda. Jorge Paulo Lemann . e os seus dois sócios brasileiros pensaram o mesmo: já eram donos . da Burger King, segunda rede de fast food mundial, e da Budweiser, a . cerveja mais bebida no mundo, faltava o terceiro elemento. Desde o . início deste mês já não falta: compraram a Heinz, líder de . mercado alimentício, por 23,2 mil milhões de dólares, e entraram, . pelo estômago, no dia a dia americano. . Lemann, de 73 anos, ao lado de Beto Sicupira, 64, e Marcel Telles, . 63, são agora perseguidos também pelos media americanos, depois de . anos a fugir dos brasileiros: num ano, tornaram-se os homens mais . ricos do Brasil - Lemann é o número um, aproveitando a queda a . pique do anterior líder Eike Batista, Sicupira e Telles estão no . top 10 - e entraram no grupo mais exclusivo dos índices globais da . Bloomberg e da Forbes. O negócio da compra da Heinz foi ainda mais . mediático porque resultou da parceria com Warren Buffett, amigo . pessoal de longa data de Lemann. . E como começa esta história brasileira de sucesso no mundo dos . negócios? Em 1939, no Rio de Janeiro, no apartamento de um jovem . casal de imigrantes suíços. O jovem Jorge Paulo foi um produto . típico das circunstâncias: carioca e filho de pais ricos, passou . pela fase de surfista amador, mais tarde tornou-se tenista . profissional de relativo sucesso - chegou a defender a Suíça numa . Taça Davis - e finalmente, por exigência dos pais, mudou-se para os . EUA para estudar business em Harvard. O primeiro ano em Massachusetts . foi "horrível", nas palavras do próprio. Pela primeira . vez no país que entretanto conquistou, sentiu a falta de Copacabana . e um frio de rachar. Resultado: notas lastimáveis. Foi convidado . pela escola a "amadurecer" e a voltar um ano mais tarde. No . regresso fez sete cadeiras por semestre (a média é quatro) e . formou--se em 1961, aos 21 anos. Hoje financia um fundo para alunos . brasileiros na instituição. . Já no Rio, trabalhou em simultâneo como corretor da Bolsa e . repórter do Jornal do Brasil até ser aconselhado a abandonar o JB . por "claro conflito de interesses". Foi já em 1972, aos 32 . anos, e após uma passagem monótona pelo Credit Suisse, que resolveu . fundar a Corretora Garantia, inspirada na Goldman Sachs. Nos dois . anos seguintes, Telles primeiro, e Sicupira, a seguir, tornaram-se . seus sócios e braço direito e esquerdo. Até hoje. . Em 1976, o JP Morgan comprou a corretora e transformou-a em banco, . após uma grave crise económica no Brasil que deixou Lemann e . parceiros quase falidos. Foi nessa altura que os três desenvolveram . duas obsessões de gestão que mantêm: corte radical de custos e . foco na meritocracia, contratando poucos mas os melhores. . Não muito depois, já o Banco Garantia adquirira o gigante . brasileiro de retalho Lojas Americanas, aprenderam outra lição. . Para pedir conselhos a Sam Walton, proprietário da Walmart, o líder . mundial do sector, Lemann e Sicupira viajaram para a minúscula . Bentonville, local do primeiro armazém da empresa, e perguntaram a . um velho numa comercial a cair de podre e cheia de cães, como fariam . para encontrar Walton naquele fim de mundo? "Walton sou eu, . subam." Já austeros, os tycoon brasileiros tornaram-se . espartanos depois de conhecer um dos seus gurus. . Às Lojas Americanas, Lemann e sócios juntaram a cervejeira . Brahma, em 1989, que acrescentaram à Antárctica, em 1999, fundando . a Ambev, líder no Brasil. Cinco anos depois, por 42 mil milhões de . dólares, incorporaram a belga Interbrew, criando a Inbev, e em 2008 . juntaram-lhe a Anheuser Busch, proprietária da Budweiser. . O golpe seguinte foi a aquisição por quatro mil milhões de . dólares da Burger King, antes de se juntarem a Buffett e comprarem a . Heinz. "Lemann falava pouco, só abria a boca para dizer algo . relevante, percebi-lhe logo aí a inteligência, é um amigo e um . homem brilhante", disse o próprio Buffett ao livro sobre o trio . (Sonho Grande) que sairá em março, a propósito da relação com o . brasileiro no conselho de acionistas da Gillette. O investidor . americano já é um habitué nos encontros anuais de planeamento . promovidos pelos brasileiros, no Colorado, sob o comando do consultor . Jim Collins. . E é só no Colorado que Lemann, Sicupira e Telles se deixam tocar . pela imprensa: de resto, Lemann, vivendo recatadamente na . primeiro-mundista Zurique, na companhia da segunda mulher e dos três . (de cinco) filhos mais novos, jamais aparece numa coluna social. Para . encontrar Telles, que, ao que consta, mora em São Paulo, só no . fundo do mar, a fazer mergulho, ou no Mónaco, a relaxar do stress . paulistano. E até Sicupira, pescador apaixonado e, por formação . académica, o mais "artístico" dos três (patrocinou o . Tropa de Elite 2), foge tanto das objetivas como os sócios. . Fogem enquanto podem, fogem até à próxima grande aquisição. . Porque nos EUA há muitos abstémios que não acompanham o hambúrguer . besuntado de ketchup com uma Budweiser. Preferem uma Pepsi. Diz quem . sabe, o próximo tiro do trio. . *Em São Paulo