Carlos Brazão: "Não teremos problemas em convencer as companhias aéreas a voar para Santarém"

O ex-diretor da Cisco é o fundador do Magellan 500, o projeto que coloca Santarém no centro da solução para a expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa, em parceria com o grupo Barraqueiro e investidores internacionais.
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Santarém, Golegã, Torres Novas e Alcanena assinarão, amanhã, um acordo de cooperação intermunicipal para o planeamento do território de uma nova cidade aeroportuária. A cerimónia, que decorrerá no Convento de São Francisco, em Santarém, marca o arranque da parceria entre os quatro municípios que querem deixar uma mensagem clara ao governo e ao país: estão de pé fincado em trazer o novo aeroporto para a região. Carlos Brazão lidera o consórcio responsável pelo Magellan 500, o projeto que coloca Santarém no centro da solução para a expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa e cuja construção se divide em cinco fases, podendo atingir os 100 milhões de passageiros. O custo total ficará abaixo dos 4,5 mil milhões de euros, adianta o responsável que garante que este "não é um projeto feito contra ninguém". Carlos Brazão assegura que a rentabilidade do aeroporto localizado entre as freguesias de São Vicente do Paul e Casével é "bastante boa" e não tem dúvidas de que vai fazer Michael O'Leary mudar de opinião e trocar o Montijo por Santarém. O engenheiro revela que as conversas com as companhias aéreas já arrancaram e afiança que o Magellan 500 tem condições para "valorizar a TAP".

A primeira fase de audições da Comissão Técnica Independente (CTI) está concluída. Que balanço faz?
Estamos muito contentes, foi um enorme trabalho realizado ao longo de três anos. Nada disto foi feito de repente para a CTI, são anos de trabalho.

Apesar de todas as vantagens elencadas -das ambientais aos custos - a localização do Magellan 500 é apontada como a maior fragilidade pelos opositores a Santarém. Esta poderá ser a desvantagem face aos outros projetos?
Acredito precisamente no contrário: a localização é única, do ponto de vista de capacidade. Além de toda a região que serve, permite trazer e recolher as pessoas rapidamente de Lisboa. Haverá um shuttle a fazer a ligação e o objetivo é atingir os 30 minutos de trajeto. Este shuttle não termina na Gare do Oriente; entra pela Linha de Cintura e chegará a Campolide. Fará ligação às quatro linhas de metro e às cinco linhas suburbanas: linha de Sintra, Fertagus, linha de Cascais e Azambuja e a Linha de Cintura. É um "catchment" dentro de Lisboa totalmente capilar.

A distância entre Lisboa e o futuro aeroporto poderá ser melhorada?
Pode. Atualmente andaria nos 35 minutos e sabemos exatamente as melhorias que têm de acontecer para chegarmos aos 30 minutos, ou abaixo disso. Por exemplo, melhorias na linha do Norte, as melhorias previstas no Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI 2030) e considerando também o próprio tipo de material ferroviário que o grupo Barraqueiro escolherá para fazer o shuttle.

Qual será a frequência?
O grupo Barraqueiro está a estudar com bastante detalhe essa periodicidade. Se Santarém nascer como aeroporto complementar de Lisboa não precisará de um shuttle a cada 15 minutos no primeiro ano de operação, poderá ser mais espaçado. A partir do momento em que o tráfego cresça é para esse tipo de cadências que olhamos, de 15 minutos ou menos.

E o custo para os passageiros?
O shuttle tem de ser rentável. Já temos uma perspetiva dos custos para os passageiros, mas ainda são estudos de negócio internos. São custos completamente comportáveis, principalmente se compararmos com um táxi em Lisboa. Serão preços acessíveis.

Quais poderão ser as fragilidades do projeto face aos concorrentes?
Além da perceção da distância, o segundo grande desafio é o aspeto temporal do projeto. Há 50 anos que se discutem soluções aeroportuárias e nos últimos 17 anos andámos a falar de Alcochete; nos últimos sete anos surgiu o Montijo. Durante três anos desenvolvemos este projeto em silêncio absoluto, precisamente porque as pessoas estão cansadas de discutir aeroportos. Só quisemos sair cá para fora com o projeto depois de o validar tecnicamente, economicamente e juridicamente - o que aconteceu no verão de 2022. O segundo grande desafio é o facto de o projeto ser público há cinco ou seis meses e está a ser comparado com soluções conhecidas há 15 anos. Estas ideias primeiro estranham-se e depois entranham-se.

Como vê a entrada de Beja e Alverca na lista das opções em estudo?
Com bons olhos. Queremos que esta CTI tenha uma grande credibilidade e o facto de não ter descartado nenhuma solução contribui para isso. Além das soluções que estavam na Resolução do Conselho de Ministros inicial, a CTI incluiu outras que se quiseram apresentar para que um dia se possa dizer que nenhuma foi descartada, não foram ignoradas soluções.

Dentro da própria comissão existem posições assumidas por outras localizações. É uma desvantagem?
Antes de Santarém eu próprio tinha preferência por outra localização - que não indicarei qual é porque considero que não devo comentar as outras opções. Todas as posições foram tomadas numa altura em que apenas eram conhecidos dois projetos: Alcochete e Montijo. Obviamente que surgindo uma terceira opção, não sentimos que as pessoas estejam presas a uma ideia que assumiram numa altura em que não existiam todos os projetos que há agora.

O que espera das conclusões da CTI?
Que decidam e que decidam bem e que seja a última vez que se discute o tema do aeroporto. Temos não só a esperança, mas o compromisso total de conseguir transmitir os benefícios técnicos do Magellan 500. A razão pela qual desenvolvemos o projeto em silêncio foi porque queríamos fazê-lo com calma. Se não tivesse mais-valias relativamente a todos os outros que estão em cima da mesa, matá-lo-íamos em silêncio e não o traríamos a público.

A CTI já ressalvou que a decisão final será sempre política. Acredita que o governo e o PSD veem Santarém com bons olhos?
A decisão final é política, mas este é um tema tecnicamente complexo e há diferenças enormes entre os projetos. Se é verdade que a decisão final só pode ser política, o parecer da CTI terá muito peso.


Ficou com boa impressão das conversas que já travou com o governo?
Quando apresentámos o projeto aos decisores públicos, no ano passado, ficaram bastante agradados com a qualidade global da solução. Não só o projeto como a localização escolhida resolvem uma série de problemas. Gostaram tanto que o decidiram incluir na Resolução de Conselho de Ministros inicial. A partir desse momento as preferências deixaram de existir.

Há juristas que defendem que a localização choca com os termos do contrato de concessão da Vinci.
Além de todo o trabalho de desenvolvimento técnico que fizemos, também verificámos que o projeto era juridicamente viável, inclusive com consultores jurídicos e firmas de advogados. Fizemo-lo com bastante cuidado. Não concordamos com essa interpretação lata do contrato de concessão que estabelece um perímetro de exclusividade de 75 quilómetros à volta dos aeroportos da ANA e é com essas regras que dizemos que este projeto está fora da zona de concessão. A própria resolução do governo define o Magellan 500 como sendo "um projeto de iniciativa privada promovido fora da atual concessão". Este projeto não é feito contra ninguém, há abertura total do nosso lado.

A rentabilidade poderá ser um problema dada a distância de Lisboa?
Analisámos extensivamente a rentabilidade do plano de negócios e de inúmeros cenários. Fomos, aliás, bastante conservadores com o plano de negócio base no qual considerámos a manutenção da Portela, admitindo que o aeroporto Humberto Delgado ainda possa crescer. Com todos os pressupostos conservadores conseguimos uma taxa de rentabilidade bastante boa e um período de payback bastante curto.

Qual é a taxa de rentabilidade?
Não é algo que queiramos divulgar, uma vez que é um plano de negócios de entidades privadas. Essa rentabilidade, mesmo sem fazermos nada, já melhorou. O plano negócios foi projetado na transição de 2021 para 2022, ainda na saída da pandemia. A recuperação está a ser mais rápida do que na altura se previa. E o segundo fator é que o plano de negócios era baseado nas taxas aeroportuárias como elas eram e na sua evolução normal e os aumentos atuais. O nosso plano já melhorou 7% ou 8% sem fazermos nada. Não é forçoso que apliquemos as mesmas taxas aeroportuárias de Lisboa, mas estas são indexadas, quando umas aumentam as outras estão relacionadas.

De que forma serão financiados os mil milhões de euros perspetivados para a primeira fase?
Um projeto destes, quer do ponto de vista de financiamento quer de operação, envolverá um grande parceiro internacional. Desde o princípio desenvolvemos contacto com diversos. São grandes fundos de investidores e operadores internacionais.

Que assumirão a maior fatia do investimento?
Naturalmente, resultará daqui uma posição maioritária para os parceiros internacionais.

E os municípios envolvidos irão suportar algum custo?
Nunca lhes pedimos nada. Este projeto irá valorizar tanto toda a propriedade de todos os municípios e irá gerar tanta atividade económica que os municípios serão claramente ganhadores.

Qual é o valor estimado para as restantes fases do projeto?
Mantemos em sigilo. Divulgámos os valores da primeira fase para dar uma referência às pessoas. As outras serão feitas à medida que o aumento de tráfego o exigir, serão as mais fáceis do ponto de vista da rentabilização.

Fala-se num montante de 4,5 mil milhões de euros.
Numa fase mais avançada é capaz de ficar abaixo desse valor. Ainda nem apresentámos os custos totais à CTI. É um projeto muito mais económico do que os outros: é escalável, não exige a construção de um centímetro de via de comunicação nova. Só precisamos da implementação do PNI 2030. O Montijo é feito por acordo com o atual operador [ANA] e Alcochete é sabido que terá de ser feito com dinheiros públicos. No nosso caso, como se trata de investimento privado, qualquer número que apareça só será positivo. Um investimento destes não só não custa nada ao Orçamento do Estado como gera receita fiscal.

Qual será o impacto económico que o aeroporto poderá ter na região de Santarém?
Se o Magellan 500 absorver 30 milhões de passageiros, serão criados 70 mil postos de trabalho diretos e indiretos e mais 100 mil induzidos. É um game changer na região que perdeu 5% da população. É o investimento que mais mudará o paradigma de desenvolvimento económico não só da grande Lisboa mas da região Centro. Não será pleno emprego, será aumento de população na região.

Qual será o potencial de investimento captado?
O aeroporto situa-se na ponta de um concelho de Santarém com mais três à volta. Os quatro concelhos estão ainda a pensar como irão redefinir o seu território. Não é só o aeroporto, são todas as infraestruturas de suporte de catering, logística etc. O aeroporto estará a 20 minutos de Fátima, que é um dos maiores polos de atração turística de Portugal. Não temos quantificado por região ainda mas todos sabemos que será gigantesco.


Tem defendido que a ANA será bem-vinda ao projeto. Já houve conversas?
A porta está aberta, já foi dito e a partir de agora ficaremos em silêncio. Se já existir algum diálogo ou se vier a existir, iremos mantê-lo dentro das empresas privadas. Há um projeto, abrimos-lhe a porta e eles, já estando em Portugal e tendo um contrato de concessão, são um parceiro natural para ter um diálogo.

A Ryanair assegura que não voará para outros aeroportos à exceção do Montijo. Como pretendem atrair as companhias aéreas?
É um diálogo que começámos há pouco tempo com elas. Se o Magellan 500 for competitivo não creio que o senhor Michael O'Leary vá manter para sempre essa posição - ele que que voa para aeroportos como Beauvais que se localiza a mais de 50 quilómetros de Paris. No fim do dia, há um enorme apetite por esta zona da Europa e por uma plataforma aeroportuária expansível e com a capacidade do Magellan 500. Não teremos problemas em convencer companhias de aviação a voar para Santarém. No processo de conceção de todo o projeto envolvemos consultores na área aeroportuária que já nos disseram exatamente o que teremos de fazer com as companhias aéreas para sermos competitivos, identificaram quase uma por uma a estratégia para cada delas.

Há um plano tailor made para cada companhia?
Um dos pontos fundamentais do nosso processo foi um estudo de procura de mercado que levou meses a ser desenvolvido. Resultou em 130 páginas que eu diria que são as mais detalhadas alguma vez feitas no país. Este projeto é construído dos alicerces e ninguém cortou cantos. Analisámos o mercado, companhia aérea a companhia aérea, destino a destino.

O ministro das Infraestruturas, João Galamba, afiançou que o governo não irá prescindir do hub da TAP na privatização. Santarém poderá ficar de fora dos planos da transportadora?
Vai depender muito de quem comprar a TAP e da estratégia. A estratégia da TAP é de hub entre a Europa, o Brasil, África e a América do Norte. A TAP tem um potencial muito maior do que os 108 aviões no Humberto Delgado. O projeto Magellan 500 tem o potencial de valorizar a TAP, porque permite fazê-la crescer com a sua oportunidade de negócio.

A CTI fala em 12 anos para construir de raiz o aeroporto. Pode ficar o Magellan 500 operacional em 2029?
Se forem necessários gigantescos investimentos do ponto de vista de acessos e pontes para atravessar o estuário do Tejo é para esse tempo que estamos a olhar. O nosso projeto assenta numa pista com 3400 metros, um terminal pequeno e o tempo de construção é de dois a três anos. Havendo uma necessidade premente de um aeroporto em Portugal, a nossa obrigação é, no dia em que houver uma decisão, arregaçar as mangas e fazê-lo acontecer até 2029 ou 2028.

Admitiu que mesmo sem ganhar o projeto pode avançar. Como?
Respeitaremos qualquer decisão que a CTI venha a tomar. O nosso projeto é escalável, sem custos para o Estado, tem inúmeras vantagens. Imaginando que não venha a ser a recomendação adotada pela CTI, iremos sentar-nos no dia seguinte e, em função de termos ou não abertura do Estado para nos deixar avançar, tomaremos a decisão

Está nos planos do consórcio internacionalizar-se?
Para já estamos focados em fazer acontecer o Magellan 500. É um projeto que, se for o escolhido, nesta parte da Europa com elevada escalabilidade, terá um tamanho prestígio que quem o fizer fica depois obviamente com o track record, com a reputação e experiência para outros voos. Como fundador do grupo, o meu objetivo pessoal é contribuir para ter uma solução definitiva para Portugal.

O local exato continua sob sigilo. Quando vai revelar detalhes?
A localização está já muito identificada, será na fronteira entre São Vicente do Paul e Casével. Não queremos divulgar exatamente onde é porque, enquanto não houver a certeza se avança ou não, escusamos de estar a perturbar as pessoas.

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