Cartógrafos algarvios fazem mapas ultra-precisos a partir do espaço

LS Engenharia Geográfica foi <em>startup </em>na incubadora CRIA e, com o apoio de programas como o CRESC Algarve, hoje é uma tecnológica que usa satélites e <em>drones </em>e tem a ESA como parceira.
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A tradição da cartografia em Portugal já vem, literalmente, desde o tempo dos Afonsinhos, arte em que os portugueses sempre "deram cartas" e continuam a dar. A LS Engenharia Geográfica é uma empresa que produz "mapas". Mas fá-los usando, como ferramentas de trabalho, em vez de caravelas, astrolábios e compassos, os satélites Sentinel da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla inglesa), drones, programas GPS e outra programação avançada e de inteligência artificial. Sediada no Polo Tecnológico do Algarve (UAlg Tec Campus), a empresa surgiu há quatro anos e graças, em parte, a apoios de fundos europeus, desenvolveu-se e, hoje, é a única no mundo a desenhar mapas tão fidedignos que chegam aos 10 metros por píxel. Ou melhor ainda: "Se o cliente quiser, podemos chegar aos 70 ou 50 centímetros por píxel, desde que a ESA nos dê resolução para isso", diz o sócio-fundador, Luís Sousa.

A LS Engenharia Geográfica "dedica-se à produção de cartografia temática para servir os interesses tanto da indústria, como do comércio ou, ainda, propósitos científicos", simplifica Sónia Fernandes, gestora de projetos da empresa em entrevista ao Dinheiro Vivo. "Atua em várias áreas de especialidade, quer na topografia, hidrografia ou geodesia", acrescenta (ver caixa).

A ideia surgiu no final da década passada, quando Luís Sousa e Cláudio Sousa, ambos engenheiros topográficos a exercer a profissão, amigos e ex-colegas de curso na Universidade do Algarve - e cuja comunhão de apelidos foi mera coincidência - detetaram um facto curioso. Das suas diferentes experiências profissionais e do "contacto com realidades distintas concluíram que havia uma grande lacuna na área empresarial, em Portugal, na exploração de dados-satélite para produção de cartografia de elevada qualidade", conta Sónia Fernandes.

Sendo ambos algarvios e tendo a Universidade do Algarve uma incubadora de empresas própria, a CRIA, os dois engenheiros vogaram para sul. Em 2019, surgia a startup LS Engenharia Geográfica, com equipamentos e capitais próprios dos dois sócios fundadores. Mas não só.

"Em termos de fundos, houve a possibilidade de concorrer a um projeto financiado pela CCDR Algarve, que nos foi apresentado, precisamente, pela UAlgarve, que disse que havia ou iria estar aberto um programa de apoio para projetos que pugnassem pelo desenvolvimento da região", recorda Sónia Fernandes.

Era o CRESC Algarve 2020. "Para arrancar, foi feito um investimento em equipamentos GNSS [o equivalente ao conhecido GPS], estação total eoutros convencionais. Depois, este apoio da CCDR permitiu-nos adquirir computadores e softwares - recordo que só em licenças de programas foram 50 mil euros - mais sofisticados e apropriados à nossa atividade", explica Luís Sousa.

Mais tarde, o programa continuou a ser útil para aumentar o quadro de pessoal altamente qualificado da LS, que além dos sócios-fundadores, conta com mais três técnicos ou cientistas, outros dois estagiários e três trabalhadores externos.

Depois, continuando a reconhecer o talento da LS e valor do seu produto, a UAlgarve foi facilitando alguns contactos. Em 2020, a LS concorria e era selecionada em dezembro, após rigoroso escrutínio das suas competências, para o projeto geoespacial ESA BIC.

"No mundo existem três empresas a realizar trabalhos utilizando esta metodologia [geoespacial] - nós desenvolvemos uma outra técnica e somos os primeiros a trabalhar nesta parceria com a ESA", diz Luís Sousa. A empresa portuguesa é a primeira a conjugar dados de satélite com os recolhidos no terreno por drones ou sondadores acústicos, GPS ou qualquer outro equipamento necessário para dar ao mapa a melhor resolução possível, que mais ninguém consegue.

A grande inovação do método da LS Engenharia é que, sem abandonar as técnicas tradicionais da topografia, explorou e desenvolveu novas tecnologias, que se traduzem em novas ferramentas, soluções e serviços mais modernos e baseados em dados obtidos através de sensores orbitais, explica Sónia Fernandes. No fundo, não há uma substituição, tout court, das técnicas anteriores, mas antes uma complementaridade entre ambas.

"Desenvolvemos a tecnologia de batimetria através de imagens de satélite, em parceria com a ESA", diz Sónia Fernandes. E, remata Luís Sousa, "é a comparação de diversas imagens, de diversos sensores - batimetria, inclusive - e utilizando uma outra variável" (o segredo do negócio que o engenheiro não revela), que conferem o alto valor aos produtos da empresa: as plantas e mapas LS.

Mas há mais. "Portanto, nós aqui desenvolvemos estas três tecnologias: a de batimetria por imagem de satélite, a teledeteção de recursos hídricos e a monitorização de infraestruturas, sejam elas naturais ou físicas.

Perto de completar 4 anos, a LS Engenharia conta já na sua carteira de clientes tanto entidades privadas - empresas de engenharia, arquitetura, etc. -, como instituições públicas de vulto. É o caso, por exemplo, da Agência Portuguesa do Ambiente, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, a Proteção Civil, diversos portos comerciais, municípios, entre outros.

Com as metodologias e técnicas inovadoras que desenvolveu, recorrendo à deteção remota e validação no terreno, a LS não apenas está apta para usar os satélites na monitorização de grandes estruturas - pontes, aeroportos e barragens, etc. -, como consegue, por exemplo, identificar zonas de elevado risco de incêndio, calcular áreas ardidas em fogos florestais, gerir recursos hídricos e monitorizar a erosão costeira ou mesmo os parâmetros de qualidade do ar e da água, segundo avança Luís Sousa.

Quer isto dizer que, no atual contexto de guerra e de crise energética, a LS poderá desenvolver ou converter a sua metodologia para descobrir recursos energéticos, nomeadamente, jazidas submarinas ou subterrâneas de gás natural?

Aqui, qual cientista que é, Luís Sousa responde nim. Admite que a LS está a desenvolver projetos a nível internacional com a ESA em que está a usar o radar dos satélites Sentinel para encontrar água e que está a fazer o mapeamento geológico de uma região de Angola por deteção remota num outro. Fica no ar que a resposta àquela pergunta poderá ser positiva, mas....

"Nós, para darmos uma resposta, primeiro queremos analisar e, depois, ser fidedignos naquilo que vamos comunicar. Portanto, teria de ser um desafio que nos fosse colocado e só depois de analisado um determinado local é que poderíamos responder", explica o engenheiro.

Outra das utilizações que admite como possível, no presente cenário de frequentes catástrofes provocadas pelas alterações climáticas cada vez mais extremas, são as operações de prevenção ou socorro.

"Um drone pode ser criado ou moldado para determinado trabalho", explica Luís Sousa, acrescentando: "Isto acaba por ser como nós elaborarmos sistemas de informação geográfica de acordo com as necessidades do cliente".

Assim, as situações de enxurradas, deslizamentos e derrocadas como as ocorreram em Manteigas logo após os incêncios, podem ser antecipadas pela inovadora LS, garante o engenheiro, "utilizando algumas técnicas de deteção remota para mapeamentos de fluxos de escoamento".

E utilizando "as câmaras certas" - Luís Sousa revela que "além das câmaras do visível, a equipa tem câmaras de infravermelhos e câmaras de multiespetral" - será possível detetar sobreviventes soterrados em escombros de sismos ou derrocadas.

Se através da deteção de recursos naturais a disruptiva LS Engenharia Geográfica já andava a salvar vidas de forma indireta, no futuro, com a rota que está a seguir, poderá passar a fazêlo de forma bem mais direta e ativa.

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