Continente: O ponto de rutura no consumo chegou ao som de um apito

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Era conhecido como Gigantão Baratão, quando abriu portas em 1985, em Matosinhos. Foi o primeiro Continente, o primeiro hipermercado em Portugal e a novidade correu o país, com a organização de excursões de todo o lado. Para conseguir alguma ordem e garantir a segurança, a entrada chegava a ser controlada por um apito, que anunciava o fechar de portas, para reabrir à saída de outros.

Miguel Seixas, administrador do Continente, diz que na altura "as pessoas não conseguiam acreditar na variedade de produtos que tinham à sua disposição, num único espaço, e a preços acessíveis". E dá como exemplo, "por dia chegámos a vender 500 vídeos VHS, foi na altura do Mundial de Futebol do México, com os vídeos e as TV a cores".

Cerca de 15 mil pessoas visitaram a loja diariamente, gastando então, em média, 10 contos (50 euros). No primeiro dia, o sucesso foi garantido, tendo sido necessário encerrar portas por alguns períodos para possibilitar a reposição dos produtos.

"Foram os anos 1980, havia mais dinheiro para gastar e por outro lado a loja deu às pessoas uma nova forma de consumir, com uma grande variedade de produtos, não esquecer que na altura havia os eletrodomésticos, a moda e equipamento de desporto. Estava tudo na loja". "O Continente foi o embrião das marcas Worten, Mo, Zippy, Sportzone, que agora estão pelo mundo todo", afirma Miguel Seixas.

30 anos de consumo

Trinta anos depois, o administrador garante que "a inovação que esteve por trás da inauguração, que contou com o apoio do grupo francês Promodès, só foi possível com a coragem de arriscar, que está no ADN do grupo desde sempre".

Desde essa altura, mudou muita coisa, "passámos do escudo para o euro, por crises, por mudanças de hábitos, "guerras" de horários, aberturas ao fim de semana, mas fomos sendo capazes de inovar e as nossas 210 lojas espalhadas pelo país comprovam isso mesmo".

No entanto, Miguel Seixas, que se lembra da primeira compra que fez no Continente, "uma cassete onde gravei o que era o mais recente álbum do David Bowie", garante que o que não mudou em 30 anos "foi a aposta na variedade, aos preços mais baixos do mercado. Afirmávamos isso quando apresentámos o que era o Gigantão Baratão e continuamos a afirmar. Temos uma vasta equipa a confirmar preços diariamente".

O administrador não divulgou qual foi o montante do investimento para abrir o primeiro Continente, mas adianta "que hoje não envolveria montantes tão elevados. Mas foi um ponto de rutura, não apenas para a Sonae, empresa responsável por este passo, mas também para o comércio e para a sociedade".

Da primeira loja para as atuais, as diferenças são muitas, como confirmou Jorge Farinha, diretor de loja, que iniciou a sua carreira no Continente de Matosinhos em agosto de 1986. "A loja era mais pequena e estava sempre cheia de gente. É importante lembrar que o bazar pesado e os eletrodomésticos, estavam dentro da loja."

Quanto aos clientes, "hoje são muito mais exigentes, na altura tudo era novidade, havia excursões até para passear".

Jorge Farinha fez várias formações desde que entrou na loja, e foi ocupando diversos cargos ao longo dos anos: "Fiz toda a minha vida, a minha carreira, aqui, fiz formação em diferentes áreas, sempre aqui, vi como mudou e como mudaram os clientes."

Para responder às novas exigências dos clientes, o Continente também mudou. Em 1992 apresentou uma gama de produtos de marca própria. E em 1998 criou o Clube de Produtores Continente (CPC), que reúne 234 membros que correspondem a quatro mil produtores individuais e a cerca de 12 800 postos de trabalho, distribuídos de Norte a Sul do país, Açores e Madeira. E ainda o Cartão Continente, lançado em 2007.

"A nossa ideia base é que o comércio é um aliado do produtor, seja ele qual for, e do consumidor, porque faz a ponte entre os dois, presta um serviço", refere Miguel Seixas.

Hoje, uma loja Continente pouco ou mesmo nada tem que ver com o Gigantão Baratão, "exceto na variedade de produtos, que é muito maior, e nos preços baixos". O espaço foi totalmente modernizado, e cada secção tem mobiliário próprio, iluminação adequada. "E a informação possível para uma compra consciente, por exemplo de uma lâmpada, ou de uma resma de papel. Uma ida às compras também pode ser lazer", salienta Miguel Seixas.

Hoje já não há esse boom de procura, "temos altura de picos significativos, com as promoções e campanhas de Regresso às Aulas, ou brinquedos de Natal, mas não se compara, a sociedade mudou muito".

Marco

O aparecimento do primeiro hipermercado em Portugal, em 1985, "é um marco na história do consumo", diz Mafalda Ferreira, docente do IPAM - The Marketing School, especialista em consumo. "A abertura do Continente alterou a relação do consumidor com os espaços de consumo, ao ter mais produtos disponíveis, opções que antes não tinha, e mesmo a relação com o tempo de venda", sublinha. Tendo em conta o atual perfil do consumidor, "as alterações foram brutais. Houve uma rutura da relação de proximidade para uma lógica pouco personalizada, mais conveniente, diversificada e o preço, até nesse contexto, no comportamento do consumidor, é uma marca". Quanto ao preço, Mafalda Ferreira frisa que ainda hoje tem esse impacto, "cada vez se fazem mais compras baseadas no preço e nas promoções, e foi o Continente o pioneiro nas promoções". Para Mafalda Ferreira, a abertura do primeiro hipermercado em Portugal "definiu o rumo do consumo e continua a definir esses rumos".

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