Correia de Campos não tem saudades de ser ministro. Não lhe fazem falta as más notícias "diárias e inevitáveis" nem os ataques pessoais. Entrevistado pelo Dinheiro Vivo e pela TSF, o ex-ministro admite que a ADSE é um mau sistema. E que mais vale chamar uma ambulância do que ir a uma urgência.
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O Governo quer cortar 4 mil milhões na despesa do Estado. É possível fazer um corte desta dimensão sem colocar em causa o papel do Estado?
Eu acho ridícula essa proposta. Não ridículo pelo montante, o montante provavelmente até é capaz de ser necessário utilizá-lo. Mas como é que se vem propor uma parte tão importante de uma decisão política isolada de tudo o resto. Esse corte, entre aspas, tem que ser visto num contexto mais global das políticas públicas. Qual é a estratégia do Governo? A estratégia do Governo é só cortar? É o que parece. Se uma estratégia do Governo é só cortar então isso vai ser um desastre. É evidente que tendo uma tesoura na mão pode-se cortar tudo, até pode-se cortar a própria roupa e passarmos a a andar nus na rua. Oferecer uma negociação ou uma discussão pública sobre cortar 4,5 milhões, eu acho que é pornográfica, do ponto de vista político. É uma coisa que nunca devia ser feita, devia ser sempre enquadrada numa política mais geral, em medidas mais gerais, olhando para todas as outras políticas públicas. Do ponto de vista aritmético tudo é possível. Agora é evidente que tem um custo e o custo não impende sobre as classes altas da sociedade, o custo vai impender sobre aqueles que estão naquela curva do meio do pagamento de impostos, que são aqueles que estão inermes, sem defesa, que estão ali à espera que venham os cobradores de impostos.
O PS faz bem em recusar entrar nesse diálogo?
Absolutamente, é impossível entrar no diálogo assim. Eu acho indecoroso esta proposta, não é possível.
Mas face à urgência desse corte, esses 4 mil milhões, face ao que foi programado com a Troika, em nível de cortes, qual é que seria a sua opção?
Não. Isto não programado com a Troika. Vamos lá a ver se nos entendemos. Isto é o corte que resulta, exatamente cerca de 4 milhões, do erro da execução orçamental de 2012. Se olhar para os números chega à conclusão que, em 2012, o Governo errou e deixou derrapar a receita pública nesse montante. E portanto o que o Governo está agora a tentar fazer é tapar esse buraco que, pelo seu erro, por ter desencadeado uma repressão económica fortíssima, impedindo que a economia continuasse a funcionar e que naturalmente os impostos se cobrassem, o Governo agora quer de novo repetir a receita. No próximo ano vai ser o mesmo. No próximo ano vamos ter também um défice considerável, porque ninguém acredita no menos 1% que o Governo argumenta. Toda a gente diz que será de 2%, ou 1,8% ou 2,5% ou até mais. Vai haver também um outro buraco e o Governo vai também de novo apresentar um outro buraco. Isto não foi apresentado pela Troika, não tem nada a ver com a Troika! isto são erros da governação atual.
No sector da saúde, Paulo Macedo garante que a saúde vai ser pouco afetada por este corte de 4 mil milhões. Acredita nisso?
Eu espero que sim. Eu tenho alguma confiança no Dr.º Paulo Macedo. Eu acho que ele tem sido uma pessoa com sensibilidade social e que tem sido evidente que há muita gente que não está satisfeita com os cortes dele: o processadores privados convencionados, as farmácias, os laboratórios da indústria farmacêutica não estão satisfeitos. Mas é possível ainda melhorar o desempenho da saúde, é possível melhorá-lo nos hospitais porque ai não se atuou praticamente. É possível melhorá-lo nos cuidados primários de saúde, prolongando o número de unidades de saúde familiar, alargando a todo o país as unidades de saúde familiares, que são demonstrada mente mecanismos onde a gestão exercida pelos clínicos sobre a despesa desencadeada por uma consulta, ou seja, medicamentos e meios complementares de diagnóstico, transportes, pode ser controlada pela consciência que os próprios têm de que estão inseridos numa gestão pública. Da mesma forma nos hospitais, os nossos diretores de serviço são excelentes pessoas, são pessoas altamente competentes na maior parte dos casos, e no entanto eles não podem decidir nada sobre recursos que têm. O pessoal de enfermagem está subordinado à hierarquia central de enfermagem e tiram-lhe as enfermeiras a cada momento. Não sei se é bem se é mal, é uma velha questão hospitalar, mas registo que o diretor de um serviço hospitalar não tem poder sobre o pessoal de enfermagem. Não tem poder sobre pessoal médico, não pode despedir médicos, não pode transferir médicos para outro sitio, tem que aceitar todo o quadro de pessoal que lá está. São certamente uns muito bons, são outros assim assim, e são outros menos bons.
Mas devia poder fazer despedimentos?
Não, devia poder libertar para um quadro de adidos, para uma situação onde eles pudessem ser reclassificados, onde pudessem ir fazer consultas de especialidade no ambulatório, há imensas possibilidades de fazer isso. Eu costumo usar este caso que é um caso máximo: um serviço de cirurgia com 30 camas que tenha 30 cirurgiões. Como é que é possível um serviço de cirurgia com 30 camas, ter os 30 cirurgiões ocupados? Talvez 10 estivessem ocupados, agora eu não desejaria, nem os senhores desejariam ser operados pelo trigésimo, ou pelo vigésimo nono ou vigésimo oitavo cirurgião em termos de estatística de movimento. Porque é essencial fazer a mão, ter trabalho.
A ordem dos médicos, ainda esta semana, disse que as políticas do Governo colocam em causa o acesso à saúde. É uma critica exagerada ou não?
Qualquer política restritiva coloca sempre em causa, ou melhor, diminui de certa forma o acesso. Eu também quando encerrei unidades de serviços de atendimento permanente que tinham um doente ou dois ou três, cortei o acesso em media a um doente por noite, agora a questão é saber se isto é razoável ou não. E no meu caso eu entendi sempre que era razoável e tão razoável que a política foi prosseguida. Da mesma forma, as maternidades que tinham um número inferior aqueles que permitem exercitar o trabalho de parturejar com qualidade. A concentração dessas salas de parto é essencial, não apenas já por razões económicas mas mais por razões de qualidade. Tal como nas urgências, é mil vezes preferível chamar uma ambulância do INEM, que estão preparadíssimos para atender a situações de emergência, quer cardiovasculares, quer cerebrovasculares. Portanto é tecnicamente melhor, dá mais qualidade ao sistema, esse tipo de atendimento do que estar ali assim um médico a dormir e de vez em quando acordam-no porque há um doente que chegou naquela noite, às vezes bêbado, às vezes um marginal, ou o que quer seja.
Numa outra ocasião disse que a coberto do interesse público, crescem muitas vezes interesses privados. Pergunto-lhe se há interesses privados a pressionar para que o Estado corte na saúde?
Interesses privados a pressionar para que o Estado corte na saúde só talvez aqueles que estão interessados em que haja mais cortes num sector para sobrar mais dinheiro para o outro. Não estou a ver muito isso. Há muitos anos escrevi um artigo sobre a saúde dizendo que qualquer Ministro da Saúde que tenha muito dinheiro para gastar, não é que tenha muito dinheiro, que tenho muito dinheiro para gastar, mesmo que ficasse a dever, era o homem mais feliz do mundo, porque satisfazia todas as clientelas.
Em 2013 vai haver cortes nos subsídios, mais impostos, cortes na despesa. Está na altura de acabar com a ADSE?
A ADSE é um sistema completamente irracional e do ponto de vista social injusto porque insere para o população que são funcionários públicos ou pensionistas do Estado, um direito que o resto da população não tem, e paga por todos os nossos impostos. Isto é o direito do livre escolha, de médico ou de hospital. No entanto, a ADSE como sistema, é um sistema medíocre na qualidade porque não é um sistema. Porque é um pagamento de serviços e portanto não tem um sistema de referência, não tem uma hierarquia de acesso. O meu amigo tem uma doença, espero que não tenha, mas se tiver uma doença e se for beneficiário da ADSE vai a um médico e ele tentará resolver por si tudo aquilo. Muito dificilmente o refere para um outro. Há um incentivo negativo ao sistema de referência. Enquanto que num sistema hierarquizado público, de hospitais e centros de saúde, há uma referência natural no sistema, que flui automaticamente. A ADSE tem essa qualidade muito baixa mas no entanto a população funcionária pública adora a ADSE pelo facto de permitir alguma livre escolha.
E é por isso que ainda não mexeu de uma forma mais agressiva na ADSE?
Eu acho que é por isso que nenhum Governo quis. Porque apesar de tudo trata tão mal, então este Governo trata tão mal a função pública, que se lhe tirar a ADSE, ainda é pior. A parte muito importante da sua pergunta é como é que se dá mais justiça a esta situação? No meu ponto de vista o Serviço Nacional de Saúde deve conferir à ADSE uma capitação correspondente à capitação média de que usufrui qualquer cidadão português benificiário apenas do Serviço Nacional de Saúde. E o que vai para além dessa capitação em termos de despesa deve ser coberto por recursos próprios dos cidadãos que são beneficiários da ADSE. Como? Através da criação de mútuas. Os cidadão devem criar, como existe em todos os outros países com sistemas universais como o nosso, mútuas de funcionários públicos, uma ou várias, que lhe permitam encobrir a diferença entre a capitação do Estado e aquilo que foi a despesa real. Mas isso é por os funcionários públicos a pagar mais. Não, os funcionário públicos já hoje pagam mais. Se compararem, e eu fiz este trabalha há muitos anos já, não o tenho repetido mas a situação não se alterou, se comparar o que que cada cidadão gasta do seu bolso quando é trabalhador por conta de outrem e vai apenas a um Serviço Nacional de Saúde, com aquilo que gasta um funcionário ou um beneficiário da ADSE o que paga do seu bolso é muito maior neste segundo caso. Porque os rendimentos médios eram maiores também na ADSE, tal como as pensões médias são superiores na ADSE em relação aos trabalhadores por conta de outrem. Portanto, acabar com a ADSE de repente é capaz de ser uma violência que nenhum Governo está em condições de fazer. Mantê-la, mas através da criação de um mecanismo capitacional acoplado a uma mútua que permita aos cidadãos cotizarem-se regularmente para cobrir esses encargos. Há muito tempo que isso devia ter sido feito, eu ando a escrever sobre isso há muito tempo, cheguei a fazer tentativas, cheguei a propor que a ADSE passasse para o Ministério da Saúde quando eu era Ministro, mas olhe, nada disso se conseguiu.
Quando foi ministro fechou maternidades, mas não fechou a maternidade Alfredo da Costa. Fechava-a agora e porquê?
Não. A Maternidade Alfredo da Costa tem um registo de qualidade nacional único. Quando eu entrei para o Ministério, em 1966, a Maternidade Alfredo da Costa fazia 14 mil partos por ano em Lisboa. E a demora média de internamento na maternidade eram 18 horas. Porque tinham uma altíssima rotação. Então pergunta como é que conseguia dar cuidados purpurais de boa qualidade? Porque tinha equipas de visitação domiciliárias, grupos de enfermagem de saúde pública que iam à casa das parturientes, logo a seguir ao parto, verificar se as condições estavam muito boas. Depois disso, com a diminuição da natalidade, passou para 12 mil, passou para 8 mil, para 7 mil, e agora naturalmente, com a criação do Hospital de Loures, vai perder no total 40 a 50% da sua população que era originária do concelho de Loures. Também não se justifica que haja uma maternidade isolada, apesar da sua altíssima qualidade, a maternidade deve ser inserida dentro do Hospital de Todos os Santos. Agora para quê encerrar a maternidade que é um ícone de qualidade nos cuidados obstétricos e purpurais, para quê encerrar a maternidade antes do Hospital de Todos os Santos. Parece que, ainda por cima vai haver financiamento para arrancar e, desde que haja financiamento, aquele hospital constrói-se em dois anos e meio. Portanto, para quê estar a precipitar as coisas, a desmantelar equipas. Não sei se há ali alguma vingança contra alguém, se há alguma cobiça. Também não vejo que haja cobiça porque as pessoas vão verificar, quando forem lá aos cânones do passado, que a maternidade se calhar tem uma certidão qualquer, não pode ser transformada num imóvel rentável.
Mas porque é que fala em vingança?
Pergunto. Admito. Porque acho de uma obstinação tão grande. Quer dizer, há três maternidades que estão em causa em Lisboa. Uma delas nunca devia ter sido ampliada com a dimensão que foi, a outra devia ter sido encerrada, e foi renovada logo no final dos anos 90 e a Alfredo da Costa permaneceu impávida e a crescer e a melhorar. Porque é que há de agora a Alfredo da Costa ser a vitima deste processo?
A Caixa Geral de Depósitos devia ter vendido a sua parte da saúde?
Não tenho nenhum critério para julgar ou para avaliar as ações da Caixa Geral de Depósitos. A Caixa Geral de Depósitos a certa altura quis meter-se no negócio da saúde e como qualquer empresa privada tinha todo o direito de o fazer dentro dos limites constitucionais. É preciso lembrar que a constituição não diz que há o sector privado da saúde, "o sector privado da saúde é coadjuvante do sector público e por ele coordenado", é o que diz a constituição. Mas a Caixa era livre de o fazer, tal como é livre do abandonar. O que eu posso dizer no contrato que tive acerca do hospital vital, esse hospital grande que a Caixa lançou que é o Hospital Cascais. O que eu posso dizer é que, ao contrário daquilo que se diz sobre as parcerias público-privadas, que estão vilipendiadas, diz-se para ai, também com muita ignorância à mistura, que as parcerias são uma fonte de falta de transparência, de desperdício, na saúde não são. E a prova que não são, é que o parceiro privado da saúde chegou ao Ministério morto para se ver livre daquela parceria porque achava que não estava em condições de rentabilizar aquele negócio segundo os seus critérios. Ora bem, porquê? Porque fizemos uma negociação dura. E eu estava lá ainda nessa altura. O hospital foi inaugurado salvo erro em fevereiro de 2008 e eu sai em janeiro de 2008. Portanto aquele hospital teve uma negociação em termos de parcerias público privada com a Caixa, uma negociação muito dura. Uma negociação só é boa se dá satisfação aos dois parceiros, e deu, agora veio outro parceiro argumentar, e pedir ao Governo que o alivie da parceria, isso não tem sentido, portanto o Governo fez muito bem em não desmanchar aquela parceria. A Misericórdia e a Caixa, como empresa que atua no mercado, vendeu aquela parceria. Nada disto é anormal desde que o novo proprietário cumpra as obrigações como creio que vai acontecer.
Como é que o Estado conseguiu fazer tão boas negociações na área da saúde e tão más, por exemplo, nas estradas?
Não me pergunte. Mas eu dou-lhe um informação importante. Quando eu cheguei havia uma adjudicação pendente de um hospital que tinha sido adjudicado por um preço superior ao custo público comparado. O custo público comparado não é uma base de licitação, é o que resulta do cálculo feito por serviços públicos sobre quanto é que custaria, não apenas no momento da construção, mas ao longo dos anos em que ela vai ser paga, quanto é que custaria para o Estado se fosse feita pelo Estado aquela obra. Esse é o conceito de custo público comparado, é o único que serve de comparador com as propostas. As propostas que havia na altura eram todas superiores ao custo de valor comparado. Bom, aquilo foi anulado por outras razões, não interessa, é uma história muito longa, aquele concurso foi anulado, voltou tudo à estaca zero, tive um parecer da Procuradoria Geral da República que me aconselhou a fazer isso e portanto voltou tudo à estaca zero. Nessa altura anteviam-se quatro parcerias nos hospitais, que eram Cascais, Loures, Braga e Vila Franca de Xira, eu chamei os intervenientes do sector privado, reuni-os todos e disse "meus senhores, passou-se isto com esta parceria e eu não quero que isto se passe. Os senhores e eu estamos todos interessados nas parcerias público-privadas na saúde, mas eu não admito que haja propostas que sejam acima do custo justo comparado". E não houve propostas acima do custo justo comprado. Pelo contrário, houve uma competição, quase que direi feroz, entre alguma empresas. Na negociação a dois que estava prevista na lei, uma negociação final entre os dois primeiro classificados, às vezes o segundo classificado apresentava um preço muitíssimo inferior ao preço do outro, direi quase um preço de dumping. Na altura eu afirmei que me tirava o sono algumas dessa baixas súbitas de preço. Agora, até que ponto é que isto é boa gestão pública, do Ministério da Saúde ter levado os parceiros privados a sangrarem-se desta forma, eu também não sei, mas eu não continuei com o processo. Agora o que eu sei é que joguei seriamente as regras do mercado e forcei a competição entre as empresas. Se eles competiram mal, se eles competiram por razões estranhas à racionalidade da competição, por razões de prestígio do grupo ou o que quer que seja, se eles resolveram baixar o preço mais do que aquilo que podiam, não sei, é com eles, mas não têm razão nenhuma para estarem insatisfeitos com esse resultado.
Portugal tem outro problema, a exemplo de outros países europeus, que é o envelhecimento da população. Em 2050 quase 40% da população portuguesa terá acima de 65 anos, o que também levanta um problema para o sistema nacional de saúde. Como se financia um sistema nacional de saúde envelhecido e que tem de garantir
cuidados a esta população cada vez mais envelhecida?
Quando se analisa os últimos anos de vida das pessoas chega-se à conclusão que o grande peso na despesa pública na saúde dessas pessoas não é a diferença que vai entre os 76 anos de esperança de vida de um adulto do sexo masculino ou 81 anos de esperança de vida de um adulto do sexo feminino até ao ano em que morrem mas é o ano final. O ano terminal tem uma importância decisiva porque é o ano em que há mais frequentes visitas aos hospitais, internamentos dispendiosos, sustentação de vida, cuidados intensivos, diálise de último recurso, cirurgias de ultimo recurso. É preciso não culpabilizar os nossos idosos, ou os de qualquer outro país, de um mal que não é deles. Esses custos elevados também existem para quem morra aos 50 anos ou aos 60 anos. Agora, naturalmente, é necessário organizar as coisas de forma a racionalizar o sistema. Durante muitos anos tivemos as pessoas de idade em hospitais gerais, hospitais de agudos, que têm um custo diário caríssimo, muito mais caro que um hotel de luxo. Muitas vezes tinham ultrapassado a sua fase de cuidados de agudos, deviam ir para uma unidade de cuidados intermédios e depois para uma unidade de cuidados continuados. Foi isso que se fez, em 2007. Criaram-se os cuidados continuados integrados e criaram-se com o dinheiro que existia do Euromilhões. É preciso lembrar que a Saúde conseguiu, em negociação e com o bom entendimento com o Ministério da Segurança Social, 16,3% das receitas líquidas dos jogos sociais. Dirá que é muito pouco e era, tomara eu que em vez de 16 fossem 32% para os cuidados continuados a idosos, mas há muita outra gente a pedir desde a cultura ao desposto e às atividades prosseguidas diretamente pelo Ministério da Segurança Social. O resultado dessa negociação foi satisfatório na altura e deu-me os recursos suficientes para arrancar com o programa de cuidados continuado. Isso é um ponto muito positivo.
Já elogiou a sensibilidade do atual Ministro da Saúde relativamente às políticas de saúde. Também já fez críticas à pressão que existe para cortar despesa. Acha que vai haver um momento em que a pressão financeira para o Estado reduzir vai começar a influenciar negativamente essa sensibilidade que elogia no Ministro da Saúde?
Eu elogio o Ministro da Saúde nessa sensibilidade mas também o critico profundamente pela forma como escolhe alguns responsáveis. Como não é um filiado em nenhum dos partidos da coligação o Ministro é extremamente vulnerável. Empurram para ele nomeações que só deslustram a sua conduta. Não vale a pena argumentar com os casos que aconteceram no Norte e muitos outros que são absolutamente lamentáveis.
Está a pensar em quem concretamente?
Os casos que apareceram na imprensa de nomeação para o SES do Norte do país e outras nomeações que são pura filiação partidária e isso não tem sentido nenhum. Eu também tive essas pressões e tive que ceder em algumas circunstâncias mas não em todas. Na grande maioria das circunstâncias consegui não ceder mas consegui não ceder porque era um filiado do Partido Socialista, do partido que estava no poder, podia responder taco a taco. Um Ministro que é um técnico distinto, ilustre, independente, não tem a mesma capacidade para se defender, digamos assim, do PSD e do CDS profundos como se costuma dizer.
Ele não tem que se defender do PSD. Tem que se defender dos superiores hierárquicos no Governo.
Não. As pressões não vêm pelos superiores hierárquicos. Não há nenhum Primeiro Ministro que diga a um Ministro "tenha paciência você vai ter que meter lá fulano tal e tal". Talvez haja algum Ministro que seja capaz de fazer isso. A maior parte das pressões vêm dos meios locais e fazem-lhe sentir a vida negra se ele não aceitar. Há muitas forma de o fazer.
Esteve no movimento que liberalizou a abertura de mais farmácias. Surpreende-o que agora as farmácias estejam muitas delas em falência, com dificuldade financeiras cada vez mais agravadas.
Vamos por partes. Eu não tenho nenhuma evidência. Eu ainda não conheço as estatísticas de farmácias que encerraram. Nem sei se há farmácias que encerraram. Talvez haja algumas farmácias que se encontravam em lugares onde não existe praticamente público, procura marginal, não conseguiram transferir-se para outras áreas. Admito que haja. Por outro lado as farmácias viveram um período de euforia financeira, um período muito bom em que os medicamente cresceram sistematicamente de preço.
Já foram as galinhas dos ovos de ouro?
Foram. Foram vendidas a preços exorbitante. Fizeram-se investimento organizados em corporação, internamente, de forma muito dispendiosa. Agora apareceram os genéricos e coincidiu também com o fim de 18 anos de uma grande quantidade de patentes, de blockbusters, os medicamentos que arrastavam as vendas. Isto é um fenómenos de agora. Não posso dizer que não fico chocado com alguns medicamento custam cêntimos, quando custavam 15 euros, e passam para 80 cêntimos. Portanto calculo que as farmácias que investiram pesadamente e que têm recursos de pessoal muito fortes, que estejam hoje em muito mais dificuldades do que aqueles em que estavam no passado. Portanto a solução não é, como defenderam e ouvi há dias nos jornais, criar uma espécie de imposto sobre o medicamento, uma taxa de prescrição que devesse reverter, que devesse subir automaticamente a receita das farmácias, quer dizer, salve o devido respeito, dá para sorrir apenas.
Portanto é um sector que tem de se reestruturar e adaptar à realidade atual.
Tem de se reestruturar e adaptar á realidade, provavelmente concentrar-se nos limites que a lei autoriza e há de sobreviver com certeza.
O professor Correia de Campos foi presidente do Instituto Nacional de Administração, uma escola para os funcionários públicos, que tem vindo a perder poderes.
Desapareceu. Como escola desapareceu praticamente. Agora acho que há um curso em marcha, mas desapareceu.
E esse é um sinal de que o Estado já não quer os melhores e mais qualificados a trabalhar para si?
Não, isto é um sinal de mediocridade intelectual, com o devido respeito. As pessoas que não sabiam de administração pública, e que tomaram estas decisões, já devem provavelmente estar arrependias ou vão estar a muito curto prazo, porque sem uma administração qualificada não é possível um Governo ter sucesso. Agora o Governo o que fez foi, desperdiçou todo esse imenso capital de conhecimento da administração, desvalorizou a formação que se fazia nesse sector e, em compensação, engorgitou os seus gabinetes com jovens. Eu tenho muito apreço pelas capacidades dos jovens de adaptação, pelo seu nível de formação e tenho todos os anos um programa de acolhimento de estagiários no meu gabinete no Parlamento Europeu, e tenho estagiários fantásticos, e sei muito bem que há pessoas de altíssima qualidade, escolhidos objetivamente. Agora, esse pessoal do gabinete, primeiro não é escolhido objetivamente, como se sabe é escolhido por filiação político partidária, ou por amizade, ou a membros do governo ou o que quer que seja, e portanto são eles que estão a fazer o papel da administração, quer dizer, isto é duplamente errado.
Escreveu há pouco tempo num livro editado há poucas semanas num livro de políticas públicas em Portugal: "os Ministros têm muitos mais poder do que aquele que julgam ter. O governante tem que cavar o aconchego do seu poder e alguns são mestres nessa criação quando sabem praticar a intriga e o jogo político". Foi por não saber praticar o a intriga e o jogo político que saiu do Governo?
Eu não sei, nem tenho essa formação pessoal. Eu sou muito racionalista a minha formação académica é muito racionalista, muito de base experimental, de extrair as conclusões só depois da experiência. Eu não tenho talento nenhum, direi até que sou anti-talento, tenho talento negativo nessa matéria da manipulação das pessoas ou do jogo e da intriga. Não tenho essa capacidade. Mas, apesar de tudo, a minha segunda passagem pelo Governo deu-me dois ensinamentos importantes. O primeiro é que mais importante que todas as regras institucionais, ou as modernizações de aparelho, ou as novas legislações, mais importante que tudo isso são as pessoas. São as pessoas que vão ser nossos ajudantes, nossos colaboradores. É essencial escolher pessoas da mais alta qualidade. Em segundo lugar, deu-me também a noção que afinal eu tinha muito mais poder do que aquilo que pensava. Eu sentia-me sempre um pouco limitado, eu próprio tinha pertencido à administração durante toda a minha carreira, toda a minha vida. Percorri, até ser secretário-geral do Ministério, todos os escalões da hierarquia interna do Ministério. Tinha um grande respeito pelo funcionário antigos, pelos diretores gerais históricos, pelo diretores de serviço que acumulavam saber. Portanto era muito contra o arbítrio ministerial, contra a decisão súbita de fazer, ao contrário daquilo que o Ministério aconselhava. Mas descobri, não sei se já foi tarde, que realmente quando se está no poder não se poder ser assim, quando se está no poder não se pode ter esse tipo de contemplações. É por isso que tenho alguma dúvida que um alto funcionário possa ser um bom dirigente. Pode ser um bom dirigente apenas na competência técnica, porque hoje não é possível ser um bom dirigente sem se ter uma capacidade técnica avançada, embora vinda de outras áreas. Tem-se muito mais poder do que aquilo que se julga.
Ainda costuma falar muito com José Sócrates? Falam sobre o quê?
Sim. Falamos sobre o trabalho académico que ele está a fazer. Está a fazer um mestrado em Ciências Políticas em Paris, em Sciences Po, que é uma escola muito prestigiada. Está muito entusiasmada com a leitura dos clássicos da filosofia política.
E conversam sobre Portugal?
Conversamos muito pouco, arrumamos algumas contas com o passado. Mas se quer que eu responda à sua pergunta: não conspiramos! Nem ele nem eu somos do estilo de praticar a conspiração como arte. As nossas relações são muito fraternas, muito amigas e continuo a ter imenso respeito por ele. Continuo a achar que foi profundamente injustiçado, certamente também cometeu erros como eu próprio cometi, mas ainda é muito cedo para fazer o julgamento do consulado Sócrates.
Vê-o a regressar à vida política portuguesa?
No imediato talvez não. No imediato ainda há muita erisipela contra ele. Foi criado um ambiente de culpabilização global e sectorial muito forte contra ele. E muito injusta porventura. Aqui e ali justa, talvez, como acontece com qualquer político. Mas, ainda não o estou a imaginar a voltar à vida ativa. Mas é um cidadão e tem todo o direito a regressar à vida ativa. Espero encontrar-me com ele no Natal. E espero andar com ele na rua. Eu não tenho qualquer problema e ele também não terá certamente. Há de haver gente que lhe vai dizer: "Volta, estás perdoado". Com certeza que lhe vão dizer isso.
Em Bruxelas, está com a pasta das redes transeuropeias de energia, que negociou no último mês.
Sim. O objetivo foi criar um mercado europeu de energia que tenha ligações transfronteiriças para a ele- tricidade e para o gás e um mercado onde os países não ponham barreiras a essa passagem. Temos absoluta necessidade de ter estas linhas a funcionar porque o Norte da Europa, a Alemanha, perdeu o nuclear e está a investir em renováveis. Mas as eólicas têm um problema de intermitência e por isso tem de se fazer entrar essas eólicas numa rede europeia, em períodos diferentes. É muito importante para fazer baixar os preços da energia.