Crónicas Mexicanas: Taras e Manias

O meu romance com a Nicarágua chegou ao fim. Foram dois meses intensos e suados, cheios de calorias, alegrias, bizarrias e bastantes <em>pulperías </em>(nome que eles inventaram para as mercearias).
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Oh! Amei a Nicarágua, da primeira à última vista, país revolucionário, comilão e artista. Descobri que é o sítio ideal para um português amuado vir fazer o seu quintal, com direito a cão, feijão e até vulcão temperamental.

Mas agora que acabámos o namorico, vou fazer o que todas as mulheres fazem quando acabam uma relação: contar as taradices que por lá se passavam, colher de gelado sim, colher de gelado não.

Ora a Nicarágua é obcecada por dois homens! Vire-se a esquina da rua ou a página do guia, ali estão eles. Nas letras: Ruben Darío, o príncipe poeta. Por um lado entrava o copito, pelo outro saíam as mais inspiradas pérolas, pelo meio, já se sabe, o femeaço de longa melena e olhos escuros. Darío é o Vinicius sem violão. É o Pessoa sem tanta complicação. Darío é o Cristo cá do sitio. Maior ainda. É o Cristiano.

Na política: Augusto César Sandino, o Messias guerrilheiro com nome de imperador romano que lutou contra o imperialismo americano. Sandino é o símbolo da esquerda libertadora que lutou contra o conservadorismo opressor. Sandino é o herói, Sandino é o chapéu, Sandino é silhueta à Porto Sandeman (sem o copinho).

Nos anos 90, o chileno Miguel Littín realizou um filme sobre a vida do generalíssimo. E quem foi o nicaraguense honrado para interpretar tal personagem? O Joaquim de Almeida, pois claro! O que mais uma vez prova que o Joaquim de Almeida está para o cinema como o tofu está para a comida: sabe a tudo menos a ele próprio. Mais depressa faz de Rozé do que de Zé mas foi Sandino quando mais o precisaram.

Mas se algumas taras têm o seu quê de tradicional, outras há que são apenas tontas. Pois o que dizer da obsessão da Nicarágua pela Laura Pausini? Fenómeno extremamente raro que assombrou Portugal durante uns meses em 93 para depois ir contagiar estes lados do Pacífico. Os nicas gostam tanto da Laura que ela rapidamente mandou o italiano à fava e começou a cantar na língua do Júlio Iglesias. Se a Adelaide Ferreira seguisse o exemplo, podia ser a segunda portuguesa a ficar com o Papel Principal desta história.

Aliás, a Nicarágua tem tanto a ver com Portugal que na praia de San Juan del Sur (o Algarve cá do sítio), há até uma ponte-sobre-o-Tejo pedonal ao lado de um Cristo Rei e juntos assistem, todos os dias, ao mais belo pôr-do-sol que já se afundou daqui até à margem Sul.

Agora, a maior paixão de todas da vida de um nicaraguense não é gente nem petisco. Há uma coisa que consegue ser mais importante que a mãezinha ou que a Bola (que por aqui é beisebol). Um artefacto mítico sem o qual o nica não vive, não fala, não passa. Se disseram telemóvel já perderam. O maior amor de um nicaraguense é (rufam os tambores): a cadeira de baloiço!

A cadeira de baloiço é o missing link entre o berço e o caixão. Está para o nica como a cama estava para a Frida Kahlo, o piano para o Mozart e os papéis de vilão latino para o Joaquim de Almeida. Uma casa nicaraguense é composta por uma porta aberta, um pátio interno e grandes salas cheias de cadeiras de baloiço (não há muito mais mobiliário que isso). As mesmas passam o dia dentro de casa e saem à rua pela fresca, para baloiçar e ver a vida a passar.

Sem as cadeiras de baloiço não havia poesia, não havia debate político, não havia romance ao entardecer, não havia sequer tempo para Pausinis. Sem as cadeiras de baloiço, os nicaraguenses não eram como são, boa gente sorridente, bem falante e bem vivida.

É disso que vou ter mais saudades. Não tanto das praias selvagens, nem dos incríveis vulcões mas dessas estranhas obsessões que apaixonaram os meus dias.

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