
O que levou mais de 20% dos proprietários a não procederem à atualização de 6,94% das rendas prevista pela lei?
Este dado tem duas leituras imediatas: primeiro, que já há uma parcela significativa de proprietários (1/3) que já não utiliza o coeficiente legal da inflação, apurado pelo INE, para indexar o valor da actualização anual das rendas e estabelece no contrato de arrendamento outra forma de aumento com o seu inquilino. O coeficiente legal está desde o início da década de 90 com valores muito baixos - tão baixos quanto a inflação registada. Muitas vezes era tão baixo, que aplicado a rendas igualmente baixas, nem suportava os custos com o correio registado que implicava. A ALP defende há muito que este coeficiente de atualização legal não faz qualquer sentido e tem de ser revisto. O segundo motivo tem a ver com aquilo que sabíamos que iria ocorrer, porque há um lastro de responsabilidade social e humanismo que conhecemos de muito perto dos proprietários de imóveis. Conhecemos quem são os senhorios portugueses. Houve uma tentativa de os transformar num "bicho papão" nos últimos oito anos na opinião pública. Mas não são. Maioritariamente idosos, têm uma grande uma consciência social: são pessoas como todos nós. E, portanto, houve uma grande noção de muitos proprietários de que se fosse aplicado o coeficiente legal que não espelha mais do que a inflação tal colocaria os inquilinos em risco de incumprimento e em dificuldades. Já no período da troika houve uma fatia enorme de senhorios que não só não aumentaram como diminuíram as rendas que praticavam. Infelizmente, a narrativa política prefere uma ofensiva permanente aos senhorios. E está a levar ao desaparecimento da profissão senhorio, o que é profundamente lamentável.
O barómetro revela que há mais senhorios com rendas em atraso há mais de seis meses. Um eventual descongelamento das rendas agravaria este cenário?
É um dado muito preocupante. Ao longo das sete edições do Barómetro tivemos sempre dados consistentes de incumprimento entre 1 em cada quatro ou 1 em cada 5 senhorios a assumirem rendas em atraso, mas com a maior fatia a fixar-se em dois a três meses. Não há uma ligação entre descongelamento de rendas e incumprimento. Há uma relação direta entre impunidade e incumprimento. Os arrendatários sabem que se deixarem de pagar a renda nada vai acontecer. Se o fizerem a um crédito à habitação, não há essa impunidade. Se não pagarem a conta do supermercado, também não. Mas podem manter-se numa casa que não é sua, sem cumprir contratualmente aquilo que se comprometeram durante mais de dois ou três anos. Porque a justiça não funciona e não há mecanismos céleres que previnam o incumprimento sistemático. Há inquilinos que são reincidentes porque há total impunidade. Há um prémio de risco nesta atividade também por isso.
O que explica a baixa adesão dos proprietários aos programas Arrendamento Acessível e Arrendar para Subarrendar?
É uma verdadeira tragédia. São programas que deveriam ser um sucesso, que têm tudo para atrair proprietários para as enormes benesses prometidas. Mas falham porque são várias as gerações de senhorios que sabem que o prometido não é devido quando o tema é arrendamento em Portugal. Os riscos político e fiscal em Portugal são muito grandes. O que hoje vale amanhã é alterado e sem qualquer justificação. A confiança é um pilar-mestre neste mercado. Não existindo, não convence nem os proprietários portugueses nem os investidores estrangeiros. O mesmo Estado que oferece isenções totais de impostos é o mesmo Estado que os ameaça de arrendamentos forçados; o mesmo Estado que prometeu acabar com as rendas congeladas é aquele que ao fim de quatro adiamentos e mais de uma década de espera diz que afinal o congelamento de rendas vai manter-se. O Estado não tem palavra. Os senhorios não acreditam nas suas promessas.
Uma das conclusões do barómetro é que mais de metade dos senhorios auferem de rendimento até 2460 euros brutos. Como compara este valor com barómetros anteriores?
Este valor mantém-se totalmente estável ao longo das sete edições. Os senhorios pertencem à classe média baixa. Pelos critérios de transição das rendas anteriores a 1990 para o NRAU teriam carência económica. Muitos dos nossos associados passam grandes dificuldades financeiras, pois suportam rendas congeladas muito baixas. Aliás, conforme o Barómetro indica.
9% dos inquiridos venderam imóveis afetos ao arrendamento tradicional e 6% transferiram para AL e alojamento para estudantes. A valorização dos imóveis e maior rendimento explicam a tendência?Transferiram para arrendamento de curta duração (e não AL) - contratos de nómadas digitais com duração de até um ano e não renováveis. Em parte sim (a maior valorização), mas na nossa leitura os senhorios têm medo de contratos mais longos, porque estão com a confiança muito abalada. Pensamos que os senhorios estão a aguardar para ver para onde vai caminhar o mercado. E querem ter a possibilidade de vender de imediato o imóvel se houver mais algum ataque aos seus direitos, procurando qualquer outro investimento, onde não sejam vilipendiados. O Mais Habitação foi uma ofensiva sem precedentes, ao qual se juntaram dois governos de aparente ódio à profissão de senhorio. Junto de pessoas maioritariamente da terceira idade, que entraram em desespero.
O que espera a ALP do novo Governo?
Uma mudança rápida e inequívoca das políticas de habitação para a retoma da confiança dos proprietários. Não pode haver solução desta grave crise sem os privados, muito menos com medidas hostis sobre estes. Conhecemos os programas dos três partidos de direita que foram sufragados e que formam a confortável maioria que há no Parlamento, e sabemos que há condições para reverter muitas das políticas erradas que ao longo dos últimos anos foram aprovadas. Para a ALP, a primeira medida e mais simbólica de todas é ter a coragem de acabar com o escandaloso congelamento de rendas que vigora há mais de cem anos em Portugal e que o Mais Habitação vergonhosamente perpetua. Este é o pecado original da crise de Habitação no nosso país. Vale 16% de todo o arrendamento e mais de metade do mercado em Lisboa e Porto. É o espinho que distorce todo o mercado, há várias gerações, e que destruiu a possibilidade de muitos jovens terem habitação a preços acessíveis. Para uns pagarem rendas muito baixas, à custa de senhorios, os mais jovens pagam rendas muito mais altas. Está contabilizada a fatura que os senhorios lesados pelo congelamento todos os anos suportam. Esta situação escandalosa, que arruinou gerações de proprietários, tem de acabar já. Os donos de imóveis e senhorios contribuíram na última década de forma determinante para a economia e para o superavit das contas públicas. Cabe ao Estado apoiar quem deve ser apoiado no arrendamento. Como segunda medida, a abolição do imposto "Mortágua", o adicional ao IMI. É um imposto que apenas incide na habitação. A sua coleta é marginal e foi criado para saciar o ódio contra a propriedade privada dos partidos que formavam a geringonça. É simbólico mas terá um efeito catalisador na confiança dos proprietários.