CAAD: contribuintes ganham mais vezes, Fisco vence os de maior valor

Análise a dez anos de atividade revela tendência dos processos decididos no Centro de Arbitragem Administrativa. "Não tem fundamento a ideia preconcebida de que o Estado perde quase sempre", conclui Nuno Villa-Lobos.
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Os contribuintes ganham mais vezes, mas nos processos maiores prevalece o Fisco. É a conclusão de um levantamento estatístico dos processos em que a Autoridade Tributária e os cidadãos se opuseram em litígios tratados no CAAD, noticiada em primeira mão pela Lusa, e que conclui que "o Centro de Arbitragem Administrativa deu mais vezes razão aos contribuintes nos 50 processos de valor superior a 5 milhões de euros decididos desde 2011, mas as decisões favoráveis ao fisco representam o maior montante dos impostos em causa".

"Esta é uma parte do relatório que publicaremos em junho sobre a nossa atividade", explicou ao Dinheiro Vivo Nuno Villa-Lobos, presidente do CAAD. "O que podemos concluir sem margem de erro é que não tem fundamento a ideia preconcebida de que o Estado perde quase sempre os processos decididos em sede de arbitragem fiscal, no CAAD."

Numa década de processos (2011 a janeiro de 2022), foram decididos 50 processos de valor superior a 5 milhões de euros (e até ao máximo de 10 milhões de euros), envolvendo um total de 386,8 milhões de euros em impostos. E de acordo com o dito levantamento, a decisão foi favorável ao contribuinte em 20 deles (40%) e ao Fisco em 18 (36%), mas ascendendo estes a um valor de 164 milhões de euros, contra 142 milhões no bolo dos que tiveram decisão favorável ao contribuinte. Os restantes 12 processos, no valor de 80,9 milhões, foram decididos com mérito repartido pelo contribuinte e pela AT.

"Os números, que consolidam mais de dez anos de atividade, demonstram o contrário do que é a convicção preconcebida", vinca Nuno Villa-Lobos. "Ou seja, a Autoridade Tributária, de facto vence mais vezes nos processos acima dos 5 milhões de euros", esclarece o presidente do CAAD em declarações ao Dinheiro Vivo.

O responsável faz porém questão de lembrar que "até poderia acontecer o contrário e isso não revelar nada de errado sobre o nosso funcionamento e independência; mas iria provavelmente alimentar os preconceitos que, por vezes, sei que ainda existem", diz. "De qualquer forma, os números revelam o contrário, a AT vence mais, o que invalida qualquer teoria especulativa."

Uma análise apenas aos cinco processos de valor superior a cinco milhões de euros decididos pelo CAAD em 2021 indica que a AT 'ganhou' em número e valor dos processos, registando três processos com decisão favorável (60%), representando estes 21,8 milhões de euros (ou 61% do montante de impostos em causa). Em relação aos processos de valor mais reduzido (até 60 mil euros) decididos entre 2011 e janeiro de 2022, o desfecho é diferente. Dos 3459 processos decididos naquele período, a decisão de mérito foi favorável aos contribuintes em 2.138 (62%) e à AT em 1.024 (30), havendo 297 em que a decisão foi repartida entre as partes.

O valor de impostos naqueles quase 3.500 processo ascendia a 63,5 milhões de euros, sendo que as decisões em que foi dada razão ao contribuinte envolvem 39,6 milhões de euros e 17,9 milhões de euros as da AT. Em 6 milhões de euros a decisão foi repartida pelo contribuinte e pelo fisco, especifica a Lusa, adiantando que a diferença no desfecho dos processos até 60 mil euros e superiores a 5 milhões de euros estará relacionada com o facto de os primeiros envolverem mais vezes situações espoletadas pelos automatismos do fisco, enquanto nos segundos há uma intervenção humana mais intensa.

A explicação do CAAD é que existe uma relação tendencial entre o valor das liquidações e os automatismos da máquina fiscal: quanto menor for o valor do litígio, menor será também a intervenção humana na liquidação do imposto. Em causa estão, nestes processos de valor mais reduzido, situações de tributação das pessoas singulares, por exemplo em matéria de IRS, ISV, IMI e IUC, sendo muitos deles de valor inferior a 2 mil euros.

Nos processos de grande valor, o grau de intervenção humana é superior, implicando um procedimento rigoroso de inspeção tributária, muitas vezes no âmbito da unidade especializada de grandes contribuintes da Autoridade Tributária, assinala a mesma fonte oficial, sublinhando, porém, que "da distribuição do sentido de decisão não deve em caso algum ser feita qualquer interpretação, inevitavelmente especulativa, sobre o mérito das causas".

"Como sempre acontece, a transparência é o melhor remédio para as dúvidas e a desinformação", conclui, ao Dinheiro Vivo, Nuno Villa-Boas. "Na justiça - e não só - a perceção é muito importante."

O tempo médio de decisão deste centro de arbitragem tem-se mantido estável nestes dez anos, rondando um prazo médio de cinco meses.

Com Lusa

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