
Para os polacos, o cor de rosa dos balcões do Bank Millennium tornou-se tão comum que, um dia, um cliente confessava a João Brás Jorge: “Estive em Lisboa e, não sabia, mas eles lá têm o mesmo banco.” É com uma gargalhada que o presidente do Conselho de Administração e CEO do banco polaco, sentado numa sala de reuniões da sede, no centro de Varsóvia, recorda o episódio, acrescentando ter tido de explicar ao cliente que era ao contrário: o Bank Millennium é que é o braço polaco do grupo BCP.
João Brás Jorge chegou a Varsóvia em 2006 e, sete anos depois, assumiu a liderança da instituição que tem o Millennium BCP como acionista maioritário. Agora, o objetivo é adaptar o banco às novas necessidades dos seus três milhões de clientes, tornando-o cada vez mais digital e reduzindo o número de balcões - chegaram a ser 700, agora são 605 -, mas tornando maiores as agências que ficam. “As pessoas já só vão ao banco fazer algumas coisas muito específicas: crédito à habitação, gerir algum problema...”, explica, acrescentando que “95% dos nossos clientes são digitais”.
Outro projeto para os próximos três anos é duplicar a presença do banco na área de empresas. “Se nos tornarmos tão fortes na área de empresas como somos na área de particulares, é uma mudança gigante para o banco”, admite.
Aproveitando o dinamismo de uma economia como a polaca, que continua a crescer mais de 3% ao ano, estes projetos do Bank Millennium só são possíveis, contudo, porque está finalmente a conseguir ultrapassar o que João Brás Jorge descreve como “um problema do passado”. O presidente do Conselho de Administração está a falar dos créditos em francos suíços.
Durante muitos anos, na Polónia como noutros países da região, havia a hipótese de fazer empréstimos naquela moeda. Isso, explica, “permitia ter uma taxa de juros muito baixa enquanto a taxa de juros dos empréstimos em zlotis, a moeda de cá, era muito alta. Isso permitia-lhes não só comprarem apartamentos melhores, mas também terem um pagamento de prestação mensal muito mais baixo.” O problema surgiu com a crise económica. Nessa altura “tivemos uma enorme desvalorização do zloti e uma enorme valorização do franco suíço e isso criou problemas.”
Para resolver a situação, que vinha desde 2008, mas rebentou em 2019, os vários países da região optaram por soluções diferentes. Na Polónia, “as decisões tomadas foram muito penalizadoras para os bancos, que não só acarretaram com todo o custo da desvalorização, como não podiam cobrar qualquer juro durante os 20 anos que as pessoas tiveram para pagar”, explica o gestor.
O CEO garante, no entanto, que “o modelo de negócios é altamente rentável: o banco conseguiu sanar todos esses problemas e está agora no último ano” de resolução dessa questão, com os resultados que gera.” E dá um exemplo: “No ano passado, o Banco, se não tivesse francos suíços, tinha 750 milhões de euros de resultado líquido. Pagando isso, tem 170, 180, portanto, consome uma parte muito grande dos seus resultados nessa operação.” Mas “o banco é altamente eficiente e altamente rentável, cresce todos os anos, e, portanto, consegue pagar essa fatura”, garante.
No primeiro trimestre do ano, os lucros do Bank Millennium subiram 40%, para 179 milhões de zlotis (42,8 milhões de euros).
Um dos seis portugueses a trabalhar no Bank Millennium, João Brás Jorge recorda como chegou à Polónia, em 2006, apenas dois anos depois de o país ter aderido à União Europeia, e como Varsóvia lhe pareceu então “muito escura”. Passados 19 anos, por cá continua e até brinca como o seu caso não é muito comum, sendo casado com uma portuguesa e tendo criado por cá os seus quatro filhos, hoje todos adultos.
Para o seu sucesso pessoal e o do Bank Millennium contribuiu o sucesso económico da Polónia, hoje a sexta economia da União Europeia. Atualmente, vê Varsóvia como uma cidade “com enorme dinamismo - é a grande capital da Europa Central, é onde tudo mexe.”
Por aqui, “o dinheiro chega às pessoas. Há muito baixo desemprego, uma enorme subida de salários. E quem não é aumentado vai-se embora porque arranja melhor”, explica o CEO do Bank Millennium. E o BCP não é único a beneficiar desta prosperidade e de um mercado de 40 milhões de pessoas. Na verdade, são várias as empresas portuguesas que se instalaram na Polónia, desde a Jerónimo Martins, cujas lojas Biedronka se encontram por todo o lado, à Mota-Engil, mas também a EDP Renováveis, a Greenvolt ou a Colquimica, entre muitas outras.
Para o Bank Millennium, no entanto, as empresas portuguesas são residuais na sua carteira de clientes. “Temos muito orgulho de tudo o que fazemos com eles e temos muito orgulho deles, mas nós temos 150 mil clientes-empresas. E nem sequer há mil empresas portuguesas na Polónia, portanto...”, resume João Brás Jorge.
Mas se este é um banco polaco, não esconde o seu lado português e, pelo Natal, todos os clientes recebem presentes a condizer: vinho e azeite portugueses para todos, para que não haja dúvidas sobre a origem da instituição financeira, que foi pintando o país de cor-de-rosa.
Após quase duas décadas a viver na Polónia, não surpreenderá que João Brás Jorge fale a língua do país que o acolheu. O próprio confessa que esse foi um desafio enorme. Mas essencial para conseguir a certificação do cargo que agora ocupa no banco.
“A certificação dos presidentes [dos conselhos de administração dos bancos] é feita em polaco. O tema é, obviamente, banca, organização, economia, etc. Mas é em polaco, temos de falar em polaco. E, obviamente, quando fazemos as Assembleias-Gerais, temos acionistas que fazem perguntas e eu tenho de responder em polaco”, explica.
Por isso, um dia João Brás Jorge decidiu que a única forma de aprender era mesmo ter aulas. “Eu sou disléxico e tenho muita falta de talento para línguas E, portanto, o que eu fiz foi um enorme sacrifício. Percebi que não conseguia fazer trabalhos de casa, então empurrei a agenda toda para acabar o trabalho às 6h00 da tarde e, das 6h00 às 8h00 todos os dias, tinha uma aula de duas horas. Três vezes por semana tinha aula com uma economista, duas vezes tinha com uma professora de língua”, recorda.
Foram dois anos para aprender polaco. E alguns momentos de frustração. “Tínhamos duas condições, que era nunca falávamos inglês nas aulas, sempre só polaco, e não havia trabalhos de casa. Eram só aquelas duas horas, que eu não aguentava mais. Mesmo assim há um dia em que não aguentei a frustração, já não conseguia, a boca não mexia, levantei-me e disse: “Basta!” A professora percebeu, arrumou as coisas e no dia seguinte voltou. Nunca me perguntou nada, eu nunca disse nada. Foi como se nada tivesse acontecido. Ela percebeu que era a exaustão. E ainda hoje me dou lindamente com ela”, ri-se João Brás Jorge.
Nessa altura mais complicada, o CEO do Bank Millennium garante ter podido contar com todo o apoio dos colegas. “Eles ajudaram-me muito, eu já cá estava há muito tempo, já era vice-presidente. Foram muito simpáticos”, conta. E explica como foi passando as etapas para conseguir a certificação como presidente do Conselho de Administração.
“Aquilo é assim, primeiro tenho umas entrevistas com os técnicos, com algumas perguntas traiçoeiras. Depois há uma comissão gravada, em que eu saio e eles votam se eu posso ser aceite ou não, enquanto em me sento na sala de espera. A comissão tem representante do Ministério das Finanças, do Banco Central, etc. Depois chamam de volta à sala e eles têm um processo formal a dizer que fui aceite.”
Falar a língua pode parecer um pró-forma, mas João Brás Jorge garante que é essencial. “Quando só falamos inglês, apenas algumas pessoas vêm falar connosco. Mas quando passamos a falar polaco, o gerente do balcão lá longe, de repente, também consegue falar, e abriu-se uma oportunidade a um conjunto de outras pessoas. E foi um bocadinho por causa disso que continuei a aprender”.
Para o CEO do Bank Millennium, não é óbvio que seja preciso falar polaco para perceber a Polónia: “É preciso vir aqui, é preciso ler, mas há muita coisa, hoje em dia, em inglês.” O que saber a língua traz é maior acessibilidade. “Os donos de empresas aqui muitas vezes são self-made men que não falam inglês. O administrador financeiro, sim, mas o dono não. E falar polaco abre um canal direto para eles. Há uma relação diferente, mais de confiança do que se fosse alguém que fala inglês, mas não fala a língua deles. Portanto, há ali uma proximidade diferente.”
Confiante no sucesso futuro do Bank Millennium, João Brás Jorge garante: “O banco está muito valorizado, as ações subiram 50% desde o início do ano, o que é bom. Temos capital, temos pessoas boas, o mercado está a crescer muito. Então se houver paz na Ucrânia, vamos ter uma explosão gigante de negócios outra vez.”
Questionado sobre como foi o impacto da invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, o CEO do Bank Millennium não hesita: “Não houve ninguém que não recebesse pessoas em casa!” E conta: “Os apartamentos, aqui, são minúsculos. As pessoas não tinham muitas condições para receber refugiados. Mas aqui no banco, os funcionários juntaram-se, comprometeram-se e juntaram até dinheiro para alugar um apartamento para acolher uma família.”
Essa foi apenas uma das iniciativas. Outra foi quando anteciparam uma mudança de computadores portáteis. “Houve aqui uma task force, limpámos e preparámos 500 laptops para os miúdos ucranianos poderem usar para as aulas remotas na Ucrânia”, conta João Brás Jorge, acrescentado que a tradição se manteve e hoje ainda “damos regularmente computadores, quer para a Ucrânia, quer para as zonas mais pobres aqui na Polónia”.
Este movimento de solidariedade para com a Ucrânia envolveu a própria família de João. A mulher esteve com uma amiga na zona de fronteira e ajudou alguns dos refugiados que queriam vir para Portugal. “As pessoas que queriam ir para Portugal, eram postas no comboio, nós recebíamo-las aqui e iam para a minha casa. Depois, a minha mulher ajudava-as a ir à embaixada para tratar das coisas. Mas não eram todos ao mesmo tempo, foi família a família.”
Na altura, a incerteza era tal que o próprio gestor tinha tudo pronto para a mulher e os dois filhos, que ainda viviam em casa, saírem rapidamente do país, em caso de avanço russo. No armário estavam três mochilas feitas, com barras energéticas, uma muda de roupa, medicamentos, dinheiro e a mulher tinha instrução claras: “Conduzir direta até Berlim e depois começar a descer.” O João, esse, tinha decidido ficar.
E no banco, o impacto da guerra sentiu-se? O CEO admite que sim, sobretudo no grande número de levantamentos, fruto da incerteza. E, também, nos ciberataques. Esses continuam até hoje: “Continuamos a ter ataques agora, quando foram as eleições [presidenciais polacas], foram fins de semana terríveis de instabilidade”, conta.
O DN viajou a convite da Embaixada da Polónia