Construção do centro educativo da Fundação Mendes Gonçalves arranca este ano. Vai custar 10 milhões

Educar, Regenerar e Nutrir são os três pilares prioritários, numa lógica de filantropia de proximidade, contribuindo para o progresso da região e do país. Da Golegã para o mundo é o mote definido.
A Casa Mendes Gonçalves conta com 420 trabalhadores de13 nacionalidades. É o maior empregador da região da Golegã
Publicado a

Diz-se que, nas empresas familiares, a primeira geração constrói, a segunda mantém e a terceira destrói. Carlos Gonçalves, fundador da Casa Mendes Gonçalves, dona de marcas como a Paladin ou Sacana, nunca escondeu a responsabilidade que sente para com a Golegã, enquanto maior empregador de uma vila com cerca de três mil habitantes. Para “garantir a eternidade da empresa”, evitando “questões sucessórias ou mesmo uma eventual compra”, criou a Fundação Mendes Gonçalves (FMG), à qual doou a sua quota disponível, ou seja, cerca de 30% do capital da empresa. Educar, Regenerar e Nutrir são as três áreas prioritárias de ação e Tiago Pereira, especialista em Psicologia da Educação e do Trabalho, foi o escolhido para liderar este projeto como CEO da Fundação. Ainda este ano, arranca a construção de um centro educativo, num investimento que chega aos 10 milhões de euros.

Da Golegã para o mundo é o mote da empresa, que conta atualmente com mais de 400 funcionários de 13 nacionalidades distintas, mas também o da Fundação, que pretende ser “uma referência” na “partilha de boas práticas, com educação de qualidade, regeneração dos solos e bem-estar da nossa comunidade”. E, por isso, vai implementar um conceito de “filantropia de proximidade”, com os projetos a impactarem, antes de mais, a Golegã e a região ao redor, mas indo para além disso, através de uma ação baseada na cocriação e no desenvolvimento de parcerias estratégicas.

A escolha da Educação como um dos pilares fundamentais deve-se à convição de que a criação de um ecossistema que valoriza o bebé e a criança (0-10 anos) como elemento central do desenvolvimento sustentável é capaz de “gerar equidade e possibilidades de futuro e bem-estar para todos”. E, por isso, a Fundação irá construir um centro educativo na Golegã, com berçário, creche, jardim de infância e escola do 1º ciclo, com o qual espera, quando estiver a funcionar na sua capacidade máxima, abranger 300 crianças. A ambição é que o centro educativo possa receber os primeiros alunos no ano letivo de 2027-2028, e a FMG está já a trabalhar com o Ministério da Educação para que tanto o jardim de infância como a escola de 1º ciclo sejam integrados na rede pública do Agrupamento de Escolas da Golegã.

O investimento é de 10 milhões de euros, como referido, sendo que o terreno, de cerca de 12 hectares, foi disponibilizado pela Casa Mendes Gonçalves junto ao que é hoje o seu centro logístico, e também o primeiro espaço de agrofloresta que a empresa implementou na região. “É um terreno que, no fundo, vai ser devolvido à comunidade. Trata-se de uma das principais entradas da vila e que tem inclusivamente um olival centenário”, explica o CEO da FMG ao Dinheiro Vivo.

Tiago Pereira avança que, ainda em 2025, ano zero da Fundação, o objetivo é arrancar com dois projetos. Um, que está já em marcha, é o desenho do projeto educativo e pedagógico deste centro educativo, mas também o do projeto arquitetónico, encomendado ao ateliê de arquitetura de Takaharu e Yui Tezuka, autores do emblemático Fuji Kindergarten, em Tóquio, considerado como o melhor jardim de infância do mundo pela OCDE e pela UNESCO. “Desde há muito tempo, provavelmente até antes de pensar na fundação, o Carlos queria construir uma escola. Acredita, como eu também acredito, que a edução de qualidade é aquilo que pode ser mais transformador de uma sociedade. Mais empoderador, funcionando como um elevador social “, sublinha o CEO da FMG.

Também este ano, e em parceria com as Fundações Aga Khan Portugal e Jerónimo Martins, pretende avançar com um projeto de formação de amas, de modo a reforçar a resposta de cuidado e educação dos 0 aos 3 anos, complementar à que resulta dos berçários e creches, na Golegã e na região ao redor. “A Jerónimo Martins está a fazê-lo no concelho de Sintra, nós vamos fazê-lo na Golegã e envolvendo outros municípios à volta. No fundo vamos assegurara formação de competências a um conjunto de pessoas que se queiram formalizar nesta atividade e garantir o sistema de acompanhamento desta prática, que é muitas vezes muito isolada e informal. E nós queremos trazê-la para a formalidade, com uma política que apoie esse trabalho”, explica ainda o responsável.

A intenção é formar 15 a 20 amas, o número final ainda não está fechado, dado que ainda decorrem conversações com vários municípios. Garantido é que estas amas estarão ao serviço da comunidade e não apenas das necessidades dos trabalhadores da Casa Mendes Gonçalves. “A ideia é complementar à oferta que existe em berçários e creches que é, neste momento, muito insuficiente nestes concelhos, e em todo o país”, acrescenta.

Já o programa Regenerar resulta da aposta da Casa Mendes Gonçalves, desde há muito, na chamada agricultura regenerativa. E se na empresa ela tem uma vertente económica, na Fundação o objetivo é “trazer mais literacia e mais conhecimento sobre um conjunto de práticas regenerativas, uma questão insuficientemente abordada ou até abordada de uma forma não científica, portanto, queremos dar um contributo para a formação dos profissionais nesta área”, refere Tiago Pereira.

Em curso estão já, nesta área, dois projetos. O primeiro é o desenvolvimento de um manual de atividade de enriquecimento curricular, e respetivos monitores, à volta das hortas regenerativas, para ser disponibilizada a câmaras municipais e, por essa via, chegarem chegarem às escolas e às crianças do primeiro ciclo. O objetivo é que estas sejam embaixadoras da agricultura regenerativa junto das suas famílias e comunidades.

Além disso, há já um segundo projeto, também em curso, de criação de um Living Lab para jovens. Também aqui o objetivo é o desenvolvimento de embaixadores da agricultura regenerativa, mas num trabalho que será realizado junto de universidades, politécnicos e escolas profissionais.

Está ainda prevista a organização de eventos e debates em torno do documentário Common Ground, no qual celebridades, como Laura Dern ou Jason Mamoa, falam da importância de se reinventar a forma como são cultivados os alimentos.

No que ao pilar da nutrição diz respeito, a aposta passa por posicionar a Golegã enquanto concelho eco consciente e promotor de estilos de vida saudáveis, através do desenvolvimento e apoio de projetos de promoção da literacia e práticas de alimentação e estilos de vida saudáveis, ao longo de todo ciclo de vida.

Além disso, a fundação pretende apoiar e impulsionar a investigação nestas áreas. “Estamos, nesta fase, a desenhar um primeiro projeto que vai tratar aquilo que tem que ver com o desenho dos espaços de alimentação e refeição na primeira infância, particularmente em creches e jardins de infância, em colaboração com outras entidades” acrescenta este responsável.

Estas são algumas das atividades previstas para o ano zero, ao mesmo tempo que é desenhado o plano de atividades e orçamento de 2026, e sobretudo o plano estratégico 2025-2028, que servirá de base para os planos de atividades anuais. Seguir-se-á o de 2029 a 2032, ano que marca os 50 anos da Casa Mendes Gonçalves. “Será uma boa altura, decorridos que estejam oito anos de funcionamento da FMG, para se fazer uma primeira avaliação de fundo sobre o que se conseguiu cumprir ou não, mas também para nos debruçarmos sobre a sua missão e refletir sobre os 80 ou os 800 anos, como o Carlos costuma dizer, seguintes da fundação”, frisa Tiago Pereira.

Quanto ao orçamento da FMG, os valores não são avançados. “Temos uma dotação inicial do fundador, que, generosamente, garante aquilo que é o suporte ao início da atividade. Além disso, e enquanto acionista do grupo económico, a fundação acederá, no futuro, a parte do retorno económico do negócio, o que suportará parte do orçamento. Mas a própria fundação terá de gerar fundos pela sua própria atividade, através das iniciativas que desenvolverá, ou dos projetos e apoios a que se possa candidatar”, explica. Quanto à percentagem dos lucros anuais da Casa Mendes Gonçalves que será entregue à Fundação, essa informação também não foi ainda avançada.

Definido está já que, no futuro, e de modo a garantir a profissionalização da gestão, será o Conselho de Curadores da Fundação, agora presidido por Eduardo Marçal Grilo, antigo ministro da Educação, a nomear o Conselho de Administração quer da FMG quer do próprio grupo empresarial. Já a presidente da Comissão Executiva é Conceição Zagalo, que foi membro fundador e teve diversos cargos de direção no GRACE - Empresas Responsáveis e é presidente do Conselho de Administração da Fundação LIGA.

Carlos Gonçalves é o fundador da Casa Mendes Gonçalves
FILIPE POMBO

“Investimos 10 milhões em modernização, a expansão ficou adiada”

Carlos Gonçalves é o fundador da empresa de molhos e vinagres que fornece grandes grupos, como Auchan, Continente, Pingo Doce ou McDonald’s. Espera faturar 68 milhões este ano

Porque criou a fundação e o que pensa a família ?

É a concretização daquilo em que sempre acreditei. Nenhuma das minhas filhas mostrou vontade de aqui estar, portanto, há muitos anos que era claro que procuraria uma solução que fosse pela profissionalização e pela garantia do futuro da Casa Mendes Gonçalves.

Porque escolheu o Tiago Pereira para a liderar?

Queríamos uma pessoa com provas dadas e com capacidade para liderar uma atividade que não é económica, mas de desenvolvimento social, de Educação e, com esta visão de futuro, de assegurar o bem-estar e o desenvolvimento das nossas pessoas e da nossa terra.

E a empresa, como correm os negócios?

Fechámos 2024 com uma faturação de 64 milhões, mais ou menos, 5% acima do ano anterior. Quanto a 2025, o clima tem grande influência no nosso negócio, portanto, agora que há sol, estamos otimistas.

Quanto valem as exportações e qual é a ambição de vendas este ano?

Estão a valer 18%. Temos ambições para crescer mais no mercado internacional, mas o nacional corre-nos bem e minimiza sempre o que temos tido lá fora todos os anos. A ambição para 2025 é faturar 68 milhões de euros.

Que investimentos estão planeados?

Este ano serão mais moderados, porque fizemos investimentos importantes em 2024. Investimos 10 milhões na modernização da fábrica, o que resultou em 15% de aumento da capacidade produtiva. Deu-nos a capacidade que nos faltava, a expansão física da fábrica ficou adiada.

E apoio a novos negócios?

Criámos a MG Ventures precisamente para investir em negócios da alimentação do futuro. Não queremos comprá-los, queremos caminhar com os empreendedores, vendo o que cada um pode aportar nessa caminhada. Comprámos a Pure Nut e estamos a analisar duas ou três possibilidades, mas ainda nada de concreto.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt