“Em tempo de eleições não se fala disto, mas o dinheiro para a Defesa terá de vir dos nossos impostos”

Rogério Fernandes Ferreira, fundador da RFF Advogados e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi o convidado desta semana do podcast A Lei e a Prática, do DN e do Dinheiro Vivo.
Rogério Fernandes Ferreira esteve nos estúdios do DN/Dinheiro Vivo à conversa com Filipe Alves.
Rogério Fernandes Ferreira esteve nos estúdios do DN/Dinheiro Vivo à conversa com Filipe Alves.Gerardo Santos
Publicado a

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira, fundador da RFF Advogados, foi o convidado do podcast A Lei e a Prática desta semana, para uma conversa onde se falou dos desafios do país na atual conjuntura política nacional e internacional. Falou-se também dos projetos da RFF Advogados, que foi a primeira boutique especializada em fiscalidade e conta atualmente com cerca de 40 pessoas, entre advogados e outros profissionais. No final da entrevista, a cuja versão completa pode assistir em vídeo ou escutar no Spotify, houve tempo para falar do próximo Congresso da Associação Fiscal Internacional, que terá lugar em Lisboa entre 5 e 9 de outubro e contará com Rogério Fernandes Ferreira como presidente. O evento, que se realizou em Portugal apenas uma vez, em 1966, contará com cerca de 2300 participantes.

Rogério Fernandes Ferreira esteve nos estúdios do DN/Dinheiro Vivo à conversa com Filipe Alves.
"O dinheiro para a Defesa vai ter de vir dos nossos impostos", diz fiscalista Rogério Fernandes Ferreira

Além de advogado e líder de um escritório especializado em fiscalidade, que lida com muitas empresas e investidores estrangeiros, foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Como olha para o atual momento da economia portuguesa?

Estas eleições vão-nos trazer algum abradamento, provavelmente. Vai continuar a haver promessas numa altura em que devíamos estar a tomar decisões. Vejo que há uma dificuldade, um momento de impasse e de suspensão de decisões, para andarmos em campanha eleitoral.

Refere-se a decisões que são adiadas porque os agentes económicos estão à espera que haja uma clarificação a nível político?

Sim, e repare, o problema não é só nacional. É evidente que as eleições não nos ajudam a ter o enquadramento político, administrativo, legislativo necessário para que, digamos, o setor privado possa tomar as decisões, ainda por cima num país que, infelizmente, ainda está muito dependente do setor público, ao contrário do que sucede noutros.

Mesmo com o nosso tecido produtivo a ter-se voltado muito para as exportações, nos últimos anos?

Claro, mas é uma pena termos estado nesta situação hoje e, ainda por cima, com um mundo também muito complicado. Aqui na Europa, com uma guerra às portas ou mesmo dentro da Europa, e ainda por cima com uma situação política internacional também difícil. E as guerras comerciais. Toda esta situação vai necessariamente trazer, por razões que são exteriores, efetivamente, à nossa dimensão nacional, vão se repercutir naturalmente em Portugal. E, portanto, era bom que nós tivéssemos políticos que pudessem tomar decisões.

Numa entrevista que o primeiro-ministro Luís Montenegro concedeu ao DN no início do ano, disse-nos que a grande prioridade para 2025 era “investimento, investimento e investimento”. Com esta incerteza, esta meta fica em causa e também as previsões para o crescimento da economia? O consumo interno e as exportações não chegam, provavelmente...

Vamos assistir a uma campanha eleitoral e a uma série de promessas que, provavelmente, espero, se possam depois cumprir. Portanto, vamos assistir a uma tendência para que se façam algumas promessas num período em que devíamos estar a tomar decisões. E é pena termos escolhido, nós próprios, este momento para termos eleições quando devíamos estar efetivamente a tomar decisões. E não vamos resolver problema nenhum, porque vamos, muito provavelmente tudo indica, vamos continuar a estar numa situação muito parecida com a anterior.

E o que espera em termos de propostas dos partidos na fiscalidade para as empresas? Já se fala da eventual descida do IRC. É o tipo de medidas que as empresas portuguesas realmente precisam, ou mais do que descer o IRC em um ponto ou dois, é importante ter previsibilidade?

Acho que vamos voltar ao mesmo, vamos voltar às promessas, como se os problemas da economia portuguesa fossem os problemas do IRC, ou fossem os problemas da descida do IRC. É evidente que os problemas da economia portuguesa são os da própria economia portuguesa, não é a fiscalidade que vai ser o remédio ou a panaceia que vai resolver todas estas questões. Aliás, se perguntarmos isso às empresas, as empresas vão responder exatamente isto que estou a dizer, que não é o IRC que lhes vai resolver os problemas. Os problemas da economia portuguesa vão ser resolvidos com leis estáveis, e com boa comunicação a nível nacional e internacional, que também não existe.

Refere-se, por exemplo, a comunicar de forma mais eficaz com os investidores estrangeiros?

Exatamente, comunicar e dar-lhes estabilidade, com medidas de médio e de longo prazo.

Há quem argumente que, apesar da crise política, Portugal continua a ser visto como um país estável, porque se espera que haja uma alternância entre PSD e PS. Concorda com essa visão? Ou estas eleições antecipadas, de facto, põem em causa a imagem do país junto dos investidores?

Acho que não ajudam. De facto, geram instabilidade política, ou outra, mas geram instabilidade. Não é boa para o investimento externo para Portugal, que nós precisamos, mas Portugal tem de alguma forma beneficiado, indiretamente, da instabilidade que existe fora. Apesar de tudo, nós temos as mesmas fronteiras há 900 anos. Beneficiamos do facto de, de alguma forma, na Europa, sermos periféricos, o que há alguns anos era uma desvantagem. Hoje em dia, apesar de estarmos na Europa, somos o país mais distante da guerra. Por outro lado, geograficamente, como dizia, aliás, uma feliz expressão do primeiro-ministro espanhol, a Espanha, mas Portugal também, estão afastados da guerra pelos Pirinéus. Somos, de facto, um país periférico. (...) A situação geográfica de Portugal é, hoje em dia, diria após a Covid, uma vantagem. As pessoas podem trabalhar de alguma forma, de qualquer local, e até temos a conjugação do meridiano que nos permite estar que nos permite estar à mesma hora de Londres, de Edimburgo e de Dublin, a sete horas de Nova Iorque e, já agora, podemos falar à mesma hora com os Estados Unidos e com a Ásia. Permite reequacionar a posição geográfica. Mas voltamos à questão anterior. É preciso comunicar isto internacionalmente bem e, por isso, é preciso ter leis estáveis.

Isso deve ser uma prioridade do próximo governo?

Não tenho dúvida nenhuma. A posição geográfica de Portugal, conjugada com a zona marítima exclusiva, devia ser promovida, e não sei se é bem promovida ou suficientemente promovida pelos nossos governos, e falo aqui do plural, e suficientemente promovida pelas nossas instituições e pelos nossos embaixadores. Isto devia ser, inclusivamente, uma verdadeira estratégia nacional, que acho que não existe. E devia ser pensada, e pensada não a curto nem a médio, mas efetivamente a longo prazo. E todas as políticas, inclusive fiscais, deviam andar à volta deste tema.

Isso implicava, diria, uma task force entre o Ministério das Finanças e o Ministério da Economia...

Diria que teria de ser muito mais do que isso. Uma estratégia nacional neste sentido.

E a nível da fiscalidade sobre as famílias? Há margem para baixar o IRS? Temos ainda uma carga excessiva, na sua opinião?

Temos uma carga excessiva mesmo do IRS, basta fazer uma comparação com os países com os quais nós ainda queremos ser comparados. Basta olhar para a França, para a Itália ou para a Espanha, só para falar nestes, para vermos que as nossas taxas marginais de IRS comparam com esses países, mas aplicam-se a escalões de rendimentos muito mais baixos; em alguns casos, três vezes mais baixos. Portanto, a nossa carga tributária sobre as famílias, no IRS, é absolutamente excessiva e vem desde o período da Troika, não tendo sido invertida. Houve uma ligeiríssima descida, mas este problema não vai ser resolvido sem antes resolvermos outras questões.

Nomeadamente, reformar o Estado?

Nomeadamente a despesa pública, que é reformar o Estado, efetivamente, é a despesa pública. Como é que se baixam os impostos sem se baixar a despesa pública? Os impostos servem para satisfazer necessidades públicas, com a despesa pública. E temos o problema da Segurança Social, que andamos a empurrar todos pela barriga.

Temos também, no horizonte, um aumento do investimento na defesa. Como se vai pagar isso?

As perspetivas não são muito boa. Se olharmos para este aumento das despesas militares... Isto são sete mil milhões para isto, sete mil milhões para aquilo, sete mil milhões para a saúde, ou nove mil milhões. Onde é que se vai buscar dinheiro para a Defesa? Com novos impostos. Acho que não tenho dúvidas. Agora estamos num período péssimo para falar em novos impostos. Nos próximos momentos que estamos em eleições vai-se falar em baixa de impostos, mas não tenho dúvidas. Aliás, demonstra-se historicamente, estive até a fazer aqui uma análise, em todas as guerras que tivemos, Guerra da Restauração, Guerras Napoleónicas, I Guerra Mundial, até na Guerra Colonial... As guerras trazem sempre impostos novos, não tenho dúvidas sobre isso.

Creio que foi o Imposto de Selo que surgiu para financiar a Guerra da Restauração, por volta de 1660, com a intenção de ser temporário, mas continua a existir...

Normalmente os impostos nascem, mas depois nunca acabam.

Tivemos o caso do Imposto Sucessório, que foi abolido.

É uma exceção e foi por motivos um bocadinho diferentes. Chegou-se à conclusão de que, nessa altura, o Imposto Sucessório ocupava duas pessoas em 308 serviços de Finanças para gerar uma receita que era irrisória em função do grau de ocupação. Há quem defenda que ele devia voltar. O que hoje em dia não é exatamente o mesmo problema, porque hoje em dia o controle da receita pode ser diferente. O problema não é esse. Posso estar a dizer isto, mas o problema é que o Estado aproveita para criar um novo imposto sucessório, mas não baixa os outros. O problema é de receita global e é um problema de despesa.

Acha que o caminho vai passar por voltar a taxar o património em vez dos rendimentos?

O problema é se se voltar a taxar, onde é que se baixa? O problema é de receita global. É que o Estado cria um novo imposto, mas não baixa os outros na mesma medida. É esta a questão. Portanto, as reformas fiscais deviam-se fazer mantendo o mesmo nível de receita global. É isto que não se faz, não é? Portanto, as reformas deviam-se fazer dentro do mesmo nível de receita global, mas não. As reformas fazem-se para criar mais receita, para aumentar e para aumentar as despesas. Mas não acha que há esse risco? É evidente que há. (...) Claro que há esse risco sobre o património imobiliário, não tenhamos dúvidas.

Tendo em conta que a maioria dos portugueses têm casa própria...

Devíamos estar a pensar em outras coisas. Devíamos estar a copiar, por exemplo, o regime vigente em França, que ninguém se lembrou, que tem 200 anos, que está no Código Civil. É uma coisa muito simples. Por exemplo, em França, em Portugal, vamos começar por aqui, em Portugal 85% das pessoas têm casa própria. As pessoas mais velhas têm pensões de reforma muito baixas. O que é que se faz? Normalmente, em França, há instituições que adquirem, pagando uma renda a essas pessoas, que continuam a viver na sua casa, em vez de irem para os hospitais morrer.

França tem imposto sucessório?

Tem um imposto sucessório enorme.

Acha então que este tema da defesa vai passar necessariamente para um aumento da cobrança fiscal? Mesmo que haja eurobonds, mesmo que haja financiamento europeu, o dinheiro vem sempre de algum lado.

Repare-se, nós estamos a aumentar as despesas militares, estamos a aumentar a despesa pública. Isto não há milagres. Ou diminuímos outra despesa pública, ou aumentamos a receita.

Mesmo que o BCE possa ter algum papel?

Podemos aumentar a dívida pública. A França está a sugerir a via dos empréstimos públicos. Pode ser, mas os empréstimos públicos presentes são impostos também, de alguma forma, de ser pagos.

E se o BCE simplesmente imprimisse mais euros?

Não sei se os alemães iam gostar muito de terem mais inflação, que é outra forma de imposto, na prática.

Veja a entrevista:

Rogério Fernandes Ferreira esteve nos estúdios do DN/Dinheiro Vivo à conversa com Filipe Alves.
"O dinheiro para a Defesa vai ter de vir dos nossos impostos", diz fiscalista Rogério Fernandes Ferreira

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt