Marcas brancas pesam já quase metade da fatura do supermercado

Inflação e turismo estão a impulsionar as vendas do retalho alimentar, que estão a crescer 14,5%, para um total de 4901 milhões de euros. São mais 621 milhões do que em 2022.
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As vendas do retalho alimentar cresceram 14,5%, nos primeiros cinco meses do ano, para um total de 4901 milhões de euros, mais 621 milhões do que em igual período de 2022. Os dados são da Nielsen e mostram que as marcas próprias da distribuição, que valem já 45% da fatura do supermercado, estão a crescer ao dobro do ritmo do mercado: 28,8% em termos homólogos, contra os 5,1% de crescimento das marcas de fabricante. "Estes números mostram que as famílias estão com os orçamentos muito limitados e é um sinal muito preocupante do comportamento da economia e dos consumidores nacionais", diz Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED).

Efetivamente, as marcas de distribuidores, vulgarmente designadas de marcas brancas, representam 44,8% das vendas totais, em valor, dos super e hipermercados. Há um ano valiam 39,9%. Mas há segmentos de produtos em que a quota é ainda maior. Na alimentação, as marcas brancas valem 51% da fatura total, com quotas de 50,8% nos produtos de mercearia, de 47% nos laticínios e de 62,2% nos congelados, com aumentos homólogos de 4, de 6,4 e de 7 pontos percentuais, respetivamente.

"Claro que gostamos de valorizar as nossas marcas, mas não estamos muito contentes com esta diferença tão grande de crescimento das marcas próprias. Tem que haver espaço para tudo e a preferência tão acentuada pelas marcas de distribuição não é necessariamente boa para o retalhista, porque as margens são menores, e as empresas gostam de ter uma loja equilibrada, com variedade de escolha e oferta. E isto mostra que o consumidor está muito preocupado com o fator preço", sublinha o responsável.

Já o diretor-geral da Centromarca, a associação que representa os fabricantes de produtos de marca, mostra curiosidade sobre como irá evoluir este indicador face a uma recente campanha publicitária de um dos maiores retalhistas nacionais, assente no anúncio da descida de milhares de preços de produtos de marcas de fabricantes. Pedro Pimentel crê que tal poderá gerar um "efeito de aproximação" dos crescimentos das marcas brancas e das de fabricante, até porque, este tipo de campanhas acabam por ter "efeito de contaminação" junto de outras cadeias no mercado.

Mas, para Pedro Pimentel, o mais importante a ter em conta é que os números da Nielsen, centrados nas vendas em valor, não mostram que, na verdade, as famílias portuguesas estão a comprar cada vez menos. "Há dados que recebemos de outras fontes, como a Kantar, que avaliam o mercado com base num painel de compradores, e que mostram que, no último ano, houve uma quebra de quase 9% em volume, que são números bastante assustadores", refere, lembrando que parte destas perdas estão a ser compensadas pelo crescimento do turismo. "Estamos com números fortíssimos de turistas e as projeções apontam para um crescimento de 20% face a 2022. Serão 23 milhões de visitantes", sublinha.

E é precisamente pelo efeito turismo, e da própria inflação, que a entrada em vigor do IVA zero, a partir de 18 de abril, para 46 famílias de produtos alimentares essenciais, não parece ainda ser visível nos dados da Nielsen. "A inflação não morreu no dia em que foi decretado o IVA Zero. A redução existiu, e os dados do INE provam-no, mas foi de 6% e parte substancial da alimentação não é abrangida. A medida teve o efeito que podia ter", sublinha Pedro Pimentel, lembrando que "é verdade que a eletricidade e os combustíveis baixaram, mas há muitas outras coisas que, entretanto aumentaram".

Gonçalo Lobo Xavier concorda e aponta os efeitos da seca, em especial sobre os produtos hortofrutícolas, mas também sobre os animais, com a falta de forragens a pressionar os preços da carne de vaca e que, "mais cedo ou mais tarde, se irá alargar" a outros animais. "Está-se a ver o abrandamento no aumento dos preços de alguns fatores de produção, mas há outros que continuam muitíssimo pressionados e longe de estar resolvidos", diz o responsável da APED.

Além disso, alerta Gonçalo Lobo Xavier, os apoios aos produtores ainda não foram pagos. "Fizemos um pacto, cumprimo-lo, procuramos ganhos de eficiência todos os dias para que o mercado funcione bem e não passámos a totalidade do crescimento dos preços para o consumidor, mas falta um ponto essencial, que era a pedra basilar deste pacto, que são os apoios à produção nacional, o que é muito preocupante", refere. Por outro lado, a APED defende que o governo "tem de considerar prolongar" a medida do IVA Zero além de outubro, quando está previsto que termine.

A área da energia é outra das que preocupam a associação. "Neste período mais complexo, em que os preços da energia estavam muito altos, o governo cortou em 50% os impostos associados, mas, agora que os preços estão a baixar, tem-nos sido dito que, mais cedo ou mais tarde, irão ser repostos os 50% de tarifas que retirou. E ainda não estamos em tempo disso. A verdade é que o governo está a ter uma receita fiscal muito acima do que estava à espera e, no caso da energia, mais valia continuar esse esforço. Era bom que se mantivesse esta questão estabilizada por mais algum tempo", argumenta Gonçalo Lobo Xavier.

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