Começou uma nova guerra de nervos nas tarifas dos Estados Unidos da América (EUA), desta feita no valioso sector farmacêutico, sobre o qual pende a ameaça maximalista de uma taxa aduaneira de 200% sobre as importações que entrem nos EUA, disse há dias o Presidente do país, Donald Trump.Vários representantes da indústria europeia ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo dizem que a imposição de barreiras alfandegárias, mesmo que baixas, vai prejudicar sempre a qualidade dos cuidados de saúde prestados aos doentes de um e outro lado do Atlântico, como também vai dificultar progressos na inovação.E de facto, este caso é extremamente delicado para muitos países e territórios. Para Portugal também.Para a União Europeia (UE) como um todo é crítico, pois os produtos farmacêuticos são a maior exportação anual da economia dos 27 países.Segundo o Eurostat, os dois segmentos “produtos farmacêuticos” e “medicamentos” valeram às empresas exportadoras deste sector de “alta tecnologia” mais de 120 mil milhões de euros em vendas para os EUA.É um sector muito mais valioso do que o segundo maior da Europa: as exportações de carros e veículos motorizados registaram quase 40 mil milhões de euros. Ou seja, o mercado europeu das farmacêuticas (lá nos EUA) vale o triplo do automóvel.E, como reparam alguns especialistas, é um mercado interligado pois há muitas empresas (muitas de grande dimensão, também) que estão instaladas em ambas os territórios, partilhando esforços de investimento, de investigação científica e economias de escala.Disso é prova o valor importado em produtos farmacêuticos pelos europeus dos EUA: segundo o Eurostat, o binómio “produtos farmacêuticos e medicamentos” chegou a 45 mil milhões de euros em compras aos Estados Unidos no passado e é a maior importação europeia procedente do país de Donald Trump, superior até ao valor importado em petróleo (cerca de 43 mil milhões).Para Portugal, as exportações de “produtos farmacêuticos e preparações farmacêuticas de base” formam o mercado mais importante de Portugal nos EUA e também superam em valor as vendas de combustíveis (pela Galp, sobretudo).Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), no ano passado, Portugal exportou um total de 5,3 mil milhões de euros para os Estados Unidos (são o quarto maior mercado dos exportadores nacionais), dos quais 1,2 mil milhões foram em produtos farmacêuticos. É a maior expedição do país (23% do total), superior às vendas de refinados petrolíferos (mil milhões).Fonte oficial da Federação Europeia das Indústrias e Associações Farmacêuticas (EFPIA na sigla inglesa) refere ao DN/DV que “mesmo uma pequena tarifa sobre os produtos de saúde, incluindo medicamentos e os seus componentes, prejudica a qualidade dos cuidados prestados aos doentes e o sector farmacêutico, quer na UE, quer nos EUA”.Tarifas pequenas são más na mesmaCom Trump ainda a decidir, com base numa “investigação” aos supostos desequilíbrios comerciais desfavoráveis aos EUA, e acenar com a referida tarifa que “pode começar pequena” a partir de 1 de agosto próximo, mas dentro de “um ano, um ano e meio pode chegar a 200%”, segundo disse o Presidente dos EUA, a EFPIA, que congrega algumas das maiores farmacêuticas do globo, dos dois lados do Atlântico, como AstraZeneca, Bayer, Boehringer Ingelheim, Bristol Myers Squibb, GSK, Lilly, Merck, Novartis, Novo Nordisk, Pfizer, entre muitas outras.A federação avisa que “quaisquer que sejam as tarifas, elas ameaçam as cadeias globais de abastecimento de medicamentos, dificultam a investigação científica e o desenvolvimento inovador e, em última análise, prejudicam sobretudo os mais doentes e as comunidades em todo o mundo”.O porta-voz dos gigantes da indústria, que tem sede em Bruxelas, próximo da Comissão Europeia, conclui que “independentemente do que acontecer no futuro, a Europa também precisa de se concentrar em melhorar o seu próprio ambiente operacional”, de negócios e de inovação. “Precisamos de mudanças profundas para promover uma distribuição global mais justa das contribuições para a I&D (Investigação & Desenvolvimento), um maior investimento em medicamentos e um acesso mais justo e rápido por parte dos nossos doentes”.Dito isto, a federação só espera que “as negociações entre a UE e os EUA continuem” e que, no fim do diálogo, “os acordos isentem os medicamentos das tarifas”.Sobre as ameaças do governo norte-americano e as negociações em curso, fonte oficial da portuguesa APIFARMA (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) diz que “está alinhada com o posicionamento da EFPIA e encontra se a acompanhar a evolução dos acontecimentos”.200%, a tarifa em que poucos acreditamQuem também está a acompanhar de perto a guerra comercial que também atingiu os remédios, e tem feito “múltiplos contactos” com Bruxelas e responsáveis norte-americanos, é Alexander Natz, secretário-geral da Confederação Europeia de Empreendedores Farmacêuticos (EUCOPE na sigla inglesa).Esta estrutura congrega algumas farmacêuticas de dimensão relevante e muitas dezenas de empresas mais pequenas, de média e pequena dimensão, especializadas em biotecnologia, inovação e invenção de novas tecnologias farmacêuticas, em áreas tão diversas como cancro, doenças degenerativas, do foro psiquiátrico ou muito raras, por exemplo.Em entrevista ao DN/DV a partir da sede em Bruxelas, o líder da EUCOPE esboça um sorriso quando se refere à tarifa de até 200% anunciada por Trump. “Quer dizer, 200%... escusado será dizer que é um número tão elevado... Para nós, isso indica que os produtos farmacêuticos são uma prioridade na administração Trump”.Para Natz, que é advogado de formação e consultor há muitos anos de empresas da área farmacêutica, lê a ameaça do Presidente americano como um sinal para os europeus de que ficam melhor se deslocalizarem operações e produzirem nos EUA.“Assim à primeira vista, o sinal é que não há outra opção senão externalizar a produção para os EUA”, ou que “se quisermos evitar este tipo de tarifas, a única opção é potencialmente aplicar tarifas contrárias ou tentar realmente reduzi-las”.O secretário-geral da EUCOPE concorda que um imposto dessa magnitude, a concretizar-se e sem mais nada a acontecer, teria o efeito de simplesmente “cancelar” o mercado europeu.Mas, continua, “sabemos que a administração Trump é um grupo de negociadores que está disposto a negociar”. “Nesse sentido, “quando vejo isto da perspetiva deles, é inteligente dar mais tempo, porque esta incerteza já está a fazer alguma coisa, está, na verdade, a ativar as empresas”.E como? Há companhias europeias a estudar investimentos nos EUA? “Sim, já temos empresas como a Novartis e outras a dizerem que vão aumentar a produção nos EUA”. “Penso que é exatamente isso que a administração Trump quer alcançar com este tipo de anúncios, embora ainda não sejam juridicamente vinculativos, mas já fazem parte de uma negociação a sério”.Tal como a EFPIA, o líder da EUCOPE também pede melhor ambiente de negócios para as empresas deste sector. “A UE precisa de reagir de alguma forma e penso que a melhor reação é tornarmo-nos mais competitivos. Nós estamos em Bruxelas e devo dizer que a Comissão Europeia compreendeu não só a importância da indústria farmacêutica, mas também que precisa de fazer algo em relação a esta indústria, que é estrategicamente relevante, não só em tempos de crise, como a pandemia, mas também para além dela”, defende.Para Alexander Natz, “a melhor resposta que podemos dar é fazer o trabalho de casa na Europa para nos tornarmos mais competitivos, para termos um ambiente que permita às empresas virem para a Europa para estabelecer ensaios clínicos aqui, para estabelecer unidades de produção na Europa, seja em Portugal, Espanha, onde há muita produção no setor farmacêutico, seja na Alemanha ou em França”.Segundo o responsável, essa maior força na Europa ajudará a compensar o efeito de deslocalizações ou menos investimento no mercado europeu a favor dos EUA por causa das barreiras comerciais que venham a vigorar.Ingredientes dos remédios e aparelhos médicos em xequeA Delve Insight é uma consultora global especializada no mercado da Saúde, está sediada nos EUA e na Índia.Esta recorda que no início de abril passado, “os Estados Unidos lançaram uma nova e ousada onda de tarifas, visando as importações essenciais para as indústrias farmacêutica e de saúde”. “Estas políticas, com o objetivo de reforçar a produção nacional, impõem uma tarifa de 10% sobre todos os produtos importados”.Certo é que “a partir de 5 de abril de 2025, quase todos os produtos que entram nos EUA estão sujeitos a uma tarifa global de 10% e isto inclui componentes essenciais para a saúde, como ingredientes farmacêuticos ativos, dispositivos médicos e equipamentos”, dizem os mesmos peritos.“Como referido, embora estas medidas visem impulsionar a produção nos EUA, elas estão já a resultar em custos mais elevados para as empresas farmacêuticas, os prestadores de cuidados de saúde e, claro, para os doentes”, observam os consultores da Delve.“Segundo os nossos estudos, os efeitos imediatos destas tarifas são aumentos de preços, especialmente nos medicamentos genéricos, que dependem fortemente de ingredientes de origem estrangeira. São custos mais elevados de dispositivos médicos e ferramentas de diagnóstico, o que se pode traduzir em preços mais elevados para produtos e serviços essenciais para a saúde, impactando negativamente no acesso dos doentes aos tratamentos”, avisa a consultora.Resultado: “Vemos que as empresas farmacêuticas estão agora a ser forçadas a reavaliar as suas estratégias globais de outsourcing para gerir estes custos crescentes e mitigar as perturbações na cadeia de abastecimento”..Lula critica “chantagem inaceitável” de Trump e ataca brasileiros “traidores da pátria”