Edna Schöne: "África tem um grande potencial, mas não investimento suficiente"

Entrevista à administradora da Euler-Hermes, gestora da agência de crédito à exportação alemã.
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Responsável pela Agência de Crédito à Exportação Alemã e administradora da Euler-Hermes (que a gere e é acionista da COSEC), Edna Schöne esteve em Portugal para participar na Conferência Internacional Sobre Agência à Exportação da COSEC, que ontem decorreu na Culturgest, e falou ao Dinheiro Vivo.

Sendo a Alemanha a maior economia europeia e um dos países mais industrializados do mundo, como é que a vossa Export Credit Agency (ECA) vê o seguro de crédito garantido pelo Estado? Como é que a agência de crédito pode ajudar a indústria alemã e a economia alemã em termos de exportações, bem como da internacionalização de empresas germânicas para países com risco?

Acredito que na Alemanha, assim como noutros países europeus, existe uma ampla consciência de que as ECA são um elemento necessário e estabilizador no sistema global de comércio. O mercado privado e as agências de crédito às exportações são pilares complementares que proporcionam capacidade de mitigar risco fundamentais aos exportadores. Tendo em conta os riscos associados às exportações hoje, parece razoável prever que as agências continuarão a desempenhar um papel importante no comércio global a longo prazo, mesmo tendo o mercado privado recuperado o ímpeto. O benefício económico das ECA já foi por diversas vezes provado cientificamente -- na Alemanha, pelo reputado instituto alemão ifo.

De acordo com o estudo do ifo, nos últimos dez anos, cerca de 200 mil situações de emprego estão direta ou indiretamente ligadas à cobertura da Hermes. E entre 10 mil e 25 mil postos de trabalho fora da Alemanha estão diretamente associados à cobertura da Hermes.

A Alemanha tem demonstrando crescente interesse em África e este é um continente com países de risco. Que papel pode a ECA alemã desempenhar nesses países? E há o hábito, em grandes projetos neste tipo de países, de uma agência se associar a outras ECA? Tem exemplos?

Em todos os países africanos o risco é diferente. A ECA alemã ampliou a sua cobertura nos últimos anos em muitos países africanos, com foco nos aderentes à iniciativa Compact with Africa. Em alguns países esta extensão foi apoiada pela introdução de outros agentes mitigadores de risco. Noutros, foi preciso fazer uma avaliação do efeito do projeto na sustentabilidade da dívida do país. Como parte da análise de elegibilidade de um projeto, os efeitos ambientais e económicos de um projeto no país têm de ser considerados, por exemplo, a geração de postos de trabalho. Em grandes projetos, as ECA costumam trabalhar em conjunto desde o primeiro momento de envolvimento dos exportadores de diferentes países. Ao recorrer a soluções de resseguro ou seguro paralelo, consegue-se assim partilhar o risco entre os países exportadores envolvidos. Um exemplo de cooperação é a construção de uma central elétrica no Egito, projeto que envolve exportadores e agências de crédito de diferentes países europeus.

Nos projetos da agência de seguro de crédito alemã, como são abordadas as questões de sustentabilidade ambiental?

A sustentabilidade dos projetos em todas as suas várias dimensões é um aspeto importante do nosso esquema de promoção do comércio externo. A avaliação de questões ambientais, sociais e de Direitos Humanos é baseada tanto em padrões nacionais quanto internacionais, em particular os do Banco Mundial. A OCDE desenvolveu regras para abordar as questões de sustentabilidade que seguimos, as chamadas Abordagens Comuns, que são aplicadas a todas as transações com um período de crédito superior a dois anos e um valor de contrato de pelo menos 10 milhões de direitos de saque especiais.

A Alemanha vai além dos requisitos das Abordagens Comuns da OCDE. Se houver qualquer indicação de que uma transação envolve sérios riscos ambientais, sociais ou de Direitos Humanos, ela será automaticamente sujeita a uma avaliação de risco, independentemente do período de crédito e do valor do contrato. Geralmente também não nos envolvemos com centrais nucleares. O quadro da OCDE estabelece incentivos específicos para tecnologias verdes.

Numa altura em que lidamos com questões como o brexit, a guerra comercial entre os EUA e a China, o arrefecimento da economia europeia… Quais são as economias que se prevê serão melhores apostas para as empresas?

A procura na Hermes concentra-se principalmente nas economias emergentes e nos países em desenvolvimento. Não só temos ajudado a abrir mercados, ou seja, com difícil acesso, mas também a manter relações comerciais em circunstâncias bastante desafiadoras. Por isso, apoiamos especialmente os exportadores alemães em períodos economicamente desafiadores, bem como em regiões com perfis de maior risco. Numa perspetiva de crescimento neste ano, além dos nossos habituais mercados de compradores como a Rússia ou a Turquia, vemos uma procura crescente para o Médio Oriente, mas também a Europa de Leste e a América Latina.

Qual é a principal tendência que antecipa no mercado: há um trilho que dirige a economias que podem ser mais vibrantes, como a China ou as de vários países africanos?

Os nossos principais mercados ainda são os BRIC e a Turquia. Nos últimos anos, temos visto um interesse crescente em África, mas os volumes ainda são menores do que em outras regiões, exceto no Egito. No ano passado, também cobrimos uma transação muito grande no Vietname.

África é uma geografia à qual a Alemanha tem dado cada vez mais importância. O que justifica esse interesse e quais os países desta geografia que mais atenção merecem?

África está perto, tem um grande potencial, mas não tem investimento suficiente. Em 2019, seis das dez economias que mais crescem estão de novo em África (por exemplo, Gana, Etiópia ou Costa do Marfim). O governo alemão lançou o programa Compact with Africa, sob a presidência do G20, na Alemanha, em 2017, e doze países africanos voltados para a reforma aderiram: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Egito, Etiópia, Gana, Guiné, Marrocos, Ruanda, Senegal, Togo e Tunísia. A agência de seguros de crédito alemã pode dar apoio à maioria desses países africanos. Os mercados que tradicionalmente consideramos importantes são, por exemplo, África do Sul, Quénia e Angola.

A economia alemã está a desacelerar -- o próprio banco central alemão (Bundesbank) já chegou a admiti-lo. Que consequências podemos esperar desta desaceleração e como podemos prevenir os seus efeitos?

As ECA tradicionalmente entram em cena quando o mercado começa a retrair-se. E podem esperar uma maior procura, pelo menos no início de uma desaceleração. Os negócios que estão a ser discutidos tendem a procurar mais “conforto” (segurança) e isso reflete-se no aumento do volume de seguros de crédito feitos em 2018 e em 2019 até ao momento. O nosso pipeline de projetos está a crescer há dois anos. No entanto, nas alturas em que o crescimento desacelera nos países compradores, a concorrência pelos (menos) projetos interessantes que existem cresce. Temos um papel na garantia de que a igualdade de condições para os nossos apoiantes é salvaguardada. O grau de fiabilidade e a manutenção de condições de cobertura oferecidas pela ECA alemã são especialmente importantes neste contexto.

Neste contexto económico europeu, o papel das agências de crédito no apoio às exportações assume uma maior importância?

É outra boa pergunta, e tenho de admitir que a resposta não é fácil, pois o desenvolvimento de negócios será, a meu ver, marcado por duas tendências opostas: de um lado, mais desafios no comércio global aumentarão a sensibilidade ao risco dos participantes do mercado -- e, portanto, crescerá o recurso à agência de crédito à exportação. Por outro lado, alguns projetos podem ser cancelados ou, pelo menos, adiados, de modo que a procura por seguros de créditos de exportação oficialmente apoiados pode reduzir-se em certa medida. O que me deixa confiante, no entanto, é o pipeline bem composto de novos projetos que temos, que está em máximos de sempre e que gostaríamos muito de apoiar através da cobertura da Hermes com garantia do Estado.

No processo de digitalização que estamos a viver, há importantes desafios a serem superados, incluindo a necessidade de inovação, de recursos humanos qualificados, de captar e reter talentos. Via com bons olhos uma maior proximidade entre empresas e instituições de ensino no sentido de ajudar nesse movimento?

Sim, definitivamente. Estamos a transformar por completo a maneira como pensamos e trabalhamos: há um ano, celebrámos um acordo de cooperação com a universidade CODE, em Berlim, uma escola que é uma startup visionária criada há dois anos. E juntamente com os alunos da CODE, os nossos funcionários estão a desenvolver soluções digitais. Acreditamos firmemente na cooperação com instituições externas, mas ao mesmo tempo queremos melhorar as capacidades dos nossos funcionários e torná-los aptos para enfrentar desafios futuros, mesmo porque acreditamos na aprendizagem ao longo da vida e por isso incentivámos o desenvolvimento de grupos de funcionários com espírito de iniciativa que organizam jornadas de aprendizagem nas áreas de digitalização e foco no cliente. Educamos os funcionários para se tornarem especialistas capazes de nos ajudar a desenvolver soluções voltadas para o cliente muito mais rapidamente do que antes.

As startups têm nisso um papel fundamental. Como é que podem ganhar destaque neste movimento?

Sim, é verdade. Nós estamos a trabalhar com diferentes startups e um dos principais focos deste ano é conectarmo-nos digitalmente com parceiros externos. Ao fazê-lo, estamos a colaborar com diferentes startups e fintechs, uma vez que os tratamos como parceiros estratégicos cruciais no nosso Ecossistema Digital, que nos podem ensinar muito enquanto ECA. A experiência até agora revela que o seguro de crédito (à exportação) ainda é um campo relativamente novo para as fintechs, no entanto, é um em que eles estão dispostos a unir-se a nós e combinar forças para promover as exportações (alemãs).

A tendência de descarbonização da economia também levanta questões. Como vê essa transformação e que papel pode ter esta aposta cada vez maior em energias limpas, particularmente energia elétrica?

Em geral, apoiamos todos os setores de exportação na Alemanha dentro dos limites do marco regulatório nacional e da OCDE para questões de sustentabilidade. O nosso objetivo, naturalmente, é contribuir para uma economia sustentável, permitindo a transferência de tecnologia e promovendo ainda mais a igualdade de condições entre as ECA da OCDE e de fora. Graças aos pactos para as Mudanças Climáticas da OCDE e das Centrais a Carvão da OCDE, implementámos dois acordos muito bem-sucedidos para apoiar tecnologias limpas e limitar um setor especialmente prejudicial ao clima.

A indústria alemã de exportação está bem preparada para a tendência global de descarbonização. Em geral, os exportadores alemães são conhecidos por fornecer tecnologia ecológica de ponta, e isso inclui, claro, o setor de energia renovável. Em 2018, demos cobertura a vários projetos de energia eólica, mas também para fotovoltaicos e centrais hidroelétricas. A cobertura na área das energias renováveis ascendeu a quase mil milhões de euros em 2018.

A Euler Hermes segue 40 milhões de empresas em todo o mundo. Com esse conhecimento, quais são os setores que parecem ter um futuro mais promissor, em quais deles podemos esperar mais crescimento?

Temos de distinguir entre o negócio privado e o dos seguros de crédito às exportações. Para o setor privado, esperamos um crescimento contínuo no setor de máquinas e equipamentos, no setor químico e no setor de veículos, principalmente na Europa e na Ásia.

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