Em maio, é preciso libertar financiamentos a empresas da burocracia

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Liquidez ontem, defendem analistas do Estado da Nação. Apostar no turismo, mercado espanhol como preferencial, é caminho a seguir para inverter ciclo. E o exemplo das comemorações do 1.º de maio foi um erro porque gera sentimentos confusos nos portugueses.

As linhas de financiamento do setor empresarial pelo Estado para mitigar a crise económica que se abateu devido à pandemia da Covid-19 estão emperradas em burocracias, como demonstrou o presidente da CIP, António Saraiva, ao rever os números do estudo apresentado pela patronal segunda-feira (afinal, só 1,2% das empresas têm contrato de financiamento, menos de metade dos 3% avançados inicialmente) e “a liquidez tem de chegar ontem às empresas”, porque “há empresas que estão a morrer todos os dias”, segundo Nuno Fernandes Thomaz, presidente da Centromarca, o convidado do sexto Estado da Nação, programa do Dinheiro Vivo e TSF em parceria com o Santander. Olhando para a frente, o ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos aponta como estratégia de curto prazo para reanimar a economia a redescoberta do turismo e do mercado espanhol em particular.

“O comércio tem de dar todas as garantias aos consumidores, do ponto de vista de segurança, essa é a primeira regra. O comércio também tem de compensar em valor o que vai perder em volume. Isto também é algo que é lógico. Tem de melhorar o serviço, se possível, e o sortido e reforçar a proximidade com o cliente.

Vai ter de apostar em redescobrir o turismo nacional, já neste verão. [Apostar] no turismo espanhol, que é natural que a 4/5 horas de carro venha para um país que teve uma situação bem menos grave, obviamente com a ressalva da reabertura das fronteiras”, lançou como estratégia de curto prazo.

“As marcas deverão demonstrar que fazem parte deste esforço nacional de combate à pandemia. Com responsabilidade social, com as mensagens adequadas, acho que estamos num tempo de as marcas mostrarem mais humildade, apostando no concreto e descurando um pouco o glamour”, prosseguiu.

“Deverão na mesma inovar, que é a força das marcas, adaptando o produto e a comunicação talvez a uma vida mais confinada e que vai ser de menor sociabilização, pelo menos nos próximos tempos, até aparecer uma vacina. E por isso deverão adotar como target os grupos que têm sido mais excluídos. Não gosto da expressão mais velhos, com mais experiência é mais bonito de dizer, e os mais afetados pela crise económica”, sublinhou o presidente da Centromarca.

“O estudo evidencia-nos aquela perceção que já tínhamos e agora quantifica-nos e demonstra analiticamente aquela que já era a nossa perceção e por isso temos vindo a sinalizar o governo em cada concertação social. À data de 30 de abril nós tínhamos 48.330 operações entradas. Contratadas – repito: contratadas -, estavam 505. Ou seja, menos ainda do que o número que avançámos segunda-feira”, revê o presidente da CIP.

“Porque o número que nós apresentámos [segunda-feira] no nosso estudo refere um universo de 1.580 empresas, aqui é a totalidade das entradas e das contratadas. Só 1,2% dos processos entrados, 505, foi contratado”, esmiúça António Saraiva.

“Já renovámos o Estado de Emergência, já passámos o Estado de Emergência, já estamos no Estado de Calamidade, mas, lamentavelmente, as empresas, a esmagadora maioria das empresas, estão em estado de emergência”, analisou o presidente da CIP.

“Houve alguns erros, é evidente que não está em causa a boa-vontade do senhor ministro da Economia, não está em causa a vontade do governo em ajudar, as linhas são meritórias, tentaram responder a uma necessidade que provavelmente foi mal percecionada na dimensão que viria a atingir”, avança António Saraiva.

E rememora: “Quando o governo lança Inicialmente 100 milhões de euros, depois passa para 200 milhões, reforça para 400 milhões, depois para 3 mil milhões, mas confinado apenas a alguns setores de atividade, e não a todos. E mesmo assim chega à conclusão que não chega e são necessários (mas já lá chegarei) 6.2 mil milhões, que já estão largamente ultrapassados. Porque as 44 operações que entraram já consomem acima de 9.3 mil milhões de euros, então aqui há uma falta de perceção e de um ataque imediato e numa dimensão mais correta. Do que se pode acusar o governo é que, ao invés de ter começado com 100 milhões de euros, deveria logo ter começado com estes 6.2 mil milhões”.

“Há aqui várias fases e é preciso lembrar tudo o que o António Saraiva acabou de enunciar e é preciso chamar a atenção das pessoas. Primeiro, a aprovação por parte de um banco. Só por si, e infelizmente, já não é um processo muito rápido. Os bancos funcionam a várias velocidades. Isto que seria uma oportunidade única para a banca ganhar a reputação que tem faltado ao setor, pode funcionar justamente no sentido contrário”, juntou Nuno Fernandes Thomaz.

O presidente da Centromarca mostrou-se pouco surpreso com a demora da chegada do dinheiro ao setor empresarial: “Apesar de tudo, creio que vai haver vencedores e perdedores. Alguns bancos estão a sair-se melhores do que outros. Estão a ser mais ágeis. O facto é que depois do processo de aprovação, o processo tem de seguir para a Sociedade de Garantias Mútuas e depois inicia-se o processo de contratualização. Este é um processo muito longo. Ad initio, nunca estive à espera de que o dinheiro chegasse rapidamente, num momento fundamental, porque a liquidez tem de chegar ontem às empresas. Há empresas que estão a morrer todos os dias”.

O economista João Duque diz que “não é admissível que para uma empresa que se dirija ao Estado que lhe sejam pedidos entre 17 elementos, 13 desses elementos já lá estejam e sejam do conhecimento do Estado”. “O sistema leva sempre a que os bancos tenham alguma dificuldade em abrir as portas depois do percurso que fizeram, e escancararem as portas e abrirem-se à população e dizerem assim: ‘Venham buscar o dinheiro à vontade’. Não pode ser”, aponta o professor do ISEG.

“Diria que o tema do risco, obviamente, é importante, mas as empresas estão a fazer os pedidos junto dos bancos com que normalmente trabalham e, portanto, nesse sentido o conhecimento existe. Há pouco, quando falávamos do processo, existem prazos curtos de aprovação e a perceção que eu tenho é que em três dias o banco está a dar a resposta em termos de aprovação. Aliás, no inquérito da CIP, o número de empresas que tinha os créditos recusados era extremamente reduzido. Estamos a falar de 3%”, explicou Rui Constantino, economista-chefe do Santander Portugal.

E acrescentou sobre a retirada dos créditos decorrentes do financiamento estatal desta crise do balanço dos bancos: “Exigiria que para que se retirasse essa parte – e foi uma discussão que tivemos na fase da Troika – se criasse o bad bank, com as implicações que isso tem. Ou seja, bad bank é uma entidade que vai receber créditos que estão em incumprimento. Estamos a falar de empresas que se conhecem relativamente bem, e créditos dos quais 80% do risco tem uma garantia pública, e o banco assume no máximo 20%. Quando em condições normais e com as mesmas empresas o banco está a assumir 100% do risco. Para fazer isto era preciso entrar em negociações com a União Europeia das quais nunca mais se sairia”.

“Está a falhar mais uma vez união. Está a falhar prontidão num fenómeno que é uma brutalidade. E que começou por ser simétrico e a Europa está a fazer com que se torne assimétrico. Porque fruto das limitações orçamentais de cada estado-membro, e não havendo uma solução para toda a Europa, vai permitindo que cada estado-membro vá resolvendo com pacotes de estímulos de dimensões discrepantes e que vai provocar, lá está, distorções. A muito curto prazo, distorções enormes no tecido empresarial europeu”, juntou o presidente da Centromarca.

Os dados que vão sendo tornados públicos apontam para uma assimetria palpável em Portugal. Segunda-feira, o Fórum para a Competitividade estimou que a economia portuguesa tenha sofrido uma contração trimestral entre 4% e 6%, de janeiro a março, o que correspondia a uma variação homóloga de entre menos 2,5% e 4,5%.

“Relativamente à economia, vem confirmar que o confinamento que se iniciou na segunda metade de março teve um impacto bastante profundo. Vamos ter brevemente os dados do PIB do 1.º trimestre. Em função da travagem, da paragem em que foi gerada, seria expetável já uma contração no 1.º trimestre. A dimensão, poderíamos discutir se é tão forte como os 4 a 6%. Nós estamos a trabalhar com uma estimativa um pouco menor, mas não deixa de ser uma contração. Em termos de incerteza, estar a discutir a décima ou o ponto percentual não nos traz muito”, destrinça Rui Constantino.

“O impacto da travagem forte da atividade vai refletir-se no 2.º trimestre, com números ainda mais negativos, porque tivemos um mês de abril com uma paragem extremamente pronunciada em muitos setores de atividade, não apenas naqueles que diretamente seriam os mais afetados. Vamos ter o turismo com um processo de recuperação ainda mais lento. Vamos ter a tal travagem ainda mais forte em abril e maio, decorrente das perdas de rendimento disponível e de uma travagem muito significativa ao nível da despesa do consumo. Não apenas o consumo que não pudemos realizar porque tínhamos o dever de recolhimento em casa, mas também porque neste contexto de incerteza as famílias vão repensar tudo aquilo que é a sua despesa não essencial. A despesa discricionária é claramente afetada”, explicou o economista-chefe do Santander Portugal.

O 1.º de Maio foi celebrado nas ruas, com centenas de cidadãos portugueses a viajaram para fora dos seus concelhos. O Dia do Trabalhador lançou discussões bipolarizadas.

“Não, não há confusão nenhuma. Há apenas governo dentro dos equilíbrios que tenta estabelecer, como faz em sede parlamentar e como já o anterior vinha fazendo pelas necessidades de apoio parlamentar que tem. Vai cedendo em questões que na minha perspetiva não devia ceder. É inquestionável que as entidades e o país tenham direito às suas comemorações, foi assim no 25 de Abril, foi assim no 1.º de Maio”, analisa António Saraiva.

“Mas, à semelhança das comemorações [do 1.º de Maio] da outra central sindical, a UGT, poderiam ser feitas de acordo com as regras que estavam estabelecidas e que todas as portuguesas e todos os portugueses estavam obrigados a seguir. Esta exceção que se abriu, e que agora não tem culpado porque andam a atirar culpas de um lado para o outro, os órgãos de soberania tentam sacudir a responsabilidade do capote, de facto eu considero que foi uma exceção que não se deveria ter aberto”, prossegue o líder da CIP.

“Estávamos todos obrigados ao confinamento, estávamos todos obrigados a não sair dos nossos concelhos e, independentemente da organização que a CGTP teve e da arrumação que fez do espaço na Alameda [Lisboa], não deixou de transportar as pessoas em autocarros, não deixou de as fazer sair do concelho. Enfim, abriu-se ali um precedente que depois a senhora ministra da Saúde teve muitas dificuldades em explicar na entrevista televisiva que deu [SIC]. Porque na minha opinião meteu os pés pelas mãos, já se podia fazer as comemorações de 13 de Maio, de Nossa Senhora de Fátima, nas mesmas condições... Não há portugueses de primeira e portugueses de segunda, as leis são iguais para todos e são para respeitar, há um Estado de Direito. E nesse Estado de Direito não devem existir exceções porque depois quando os governantes perdem a razão, os governados perdem o respeito”, avisou.

João Duque foi mais crítico ainda. “Sinto-me mal quando vejo os governantes a dizerem uma coisa com uma grande firmeza e com aparente conhecimento daquilo que é a razão, e umas semanas depois dizerem exatamente o contrário com a mesma determinação. Preferia que nos tratassem como mais adultos. Isto é, fossem mesmo sinceros e ir dizendo, por exemplo, no caso das máscaras: ‘desculpem, as máscaras podem proteger, mas de momento não há para todos os portugueses. Portanto, vamos fazer o seguinte: deixamos as máscaras para quem não pode prescindir destas máscaras, que são os médicos, os profissionais de saúde, e vamos todos fazer outras máscaras (como estamos a fazer agora, aliás), e depois, na altura, quando vierem mais máscaras toda a gente pode comprar iguais às dos médicos’. Denota que havia, de facto, um desconhecimento total sobre as máscaras, que eu acho um bocadinho estranho. Ou então está a camuflar-se uma verdade com uma mentira que mais tarde não serve”, disparou o economista.

“Relativamente às comemorações do 1.º de Maio: qual é a diferença entre o 1.º de Maio e o quarto dia de maio? Eu francamente, como leigo, acho que não há grande diferença. Relativamente ao problema do 1.º de Maio, eu acho que do ponto de vista sanitário não deve ter havido grande problema. Porque de alguma forma foram respeitados os preceitos, as pessoas com certeza que estavam cientes dos riscos e tiveram cuidado”, começou por dizer sobre as comemorações do Dia do Trabalhador.

“Mas o problema não está aí. Está no exemplo constante que se deve dar. O primeiro-ministro e os ministros deviam desde há muito tempo andar permanentemente de máscara. E ao andarem permanentemente de máscara davam o sinal. Aliás, ensinavam-nos os próprios comportamentos sociais que nós não sabemos. E vamos vendo na televisão, as pessoas não sabem muito bem como reagir, ficamos todos assim um bocadinho atarantados porque não sabemos como nos havemos de dirigir uns aos outros. Aceno de cabeça, o cotovelo com o cotovelo, não sabemos. As práticas destes rituais de comportamento são muito importantes para nós nos educarmos. Vamos fazendo um trajeto, que é o trajeto que é possível, mas eu preferia mais consistência, sim, preferia mais consistência numa linha de comunicação e numa homogeneidade para ganharmos um sentido maior de unidade”, concluiu João Duque.

Nuno Fernandes Thomaz acrescentou: “O 1.º de Maio foi pena, porque na minha opinião o governo tem agido bem, o plano de contenção é bem pensado, equilibrado. E com o 1.º de Maio perdeu. Perdeu porque criou divisão no país, houve dois pesos e duas medidas, isso mais no plano político, e no plano económico também”.

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