Fidelizações. Desempregados vão poder cancelar contratos de telecom sem penalização

Nova lei prevê que desemprego, doença prolongada ou emigração permitem cancelar mais cedo serviços sem custos. Quem rescindir sem motivo não pagará mais do que 50% do que falta. Lei deve ser promulgada durante mês de agosto.
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Quem estiver em situação de desemprego, de doença prolongada ou emigração vai passar a poder cancelar antecipadamente o contrato que tem com uma empresa de telecomunicações sem custos adicionais, mesmo que o período de fidelização ainda decorra, de acordo com a nova lei das comunicações eletrónicas, cujo texto o Dinheiro Vivo teve acesso.

A nova lei está fechada e já foi aprovada no Parlamento. Só falta a promulgação de Belém. As fidelizações, o grande foco do debate, mantêm-se previstas para períodos de seis, 12 ou 24 meses, mas há um novo enquadramento, consagrado na lei, que a maioria dos deputados acredita defender melhor os consumidores.

De acordo com a nova legislação, os operadores não podem "exigir ao consumidor titular do contrato o pagamento de quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de fidelização" em caso de "situação de desemprego", se na origem do cancelamento do contrato estiver um "despedimento da iniciativa do empregador por facto não imputável ao trabalhador" e que tal "implique perda do rendimento mensal disponível do consumidor".

Também "a incapacidade para o trabalho, permanente ou temporária, de duração superior a 60 dias" do titular do contrato, "nomeadamente em caso de doença", implicando "perda de rendimento mensal disponível do consumidor" permitirá denunciar o contrato com um operador antes do fim do período de fidelização.

Nestes dois casos, a perda de rendimentos tem de ser "igual ou superior a 20%", sendo calculada "pela comparação entre a soma dos rendimentos do consumidor no mês" à mudança de situação.

Outras duas situações justificam, ainda, uma rescisão antecipada sem penalizações, no caso de haver um período de fidelização em curso. Por um lado, se ocorrer a "mudança imprevisível da habitação permanente" do titular do contrato para fora de Portugal - ou seja, em caso de emigração. Por outro, quando se verificar uma "alteração do local de residência permanente do consumidor, caso a empresa não possa assegurar a prestação do serviço contratado ou de serviço equivalente, nomeadamente em termos de características e de preço, na nova morada" - por exemplo, se um consumidor tiver que passar a viver num lar.

Para qualquer um destes quatro cenários, o consumidor tem de avisar o operador por "comunicação escrita, incluindo por correio eletrónico", com 30 dias de "antecedência mínima", e fundamentar a resolução do contrato com documentação oficial, relativa a cada uma das situações, que justifique a alteração de circunstâncias.

Fora do quadro de exceção, há mais uma novidade: quem quiser cessar um contrato sem razão legal pode fazê-lo, pagando ao operador não mais do que 50% do valor remanescente do período de fidelização. O cálculo dependerá se se trata de um primeiro contrato ou de uma fidelização subsequente e se houve uma alteração do "lacete local" (circuito de cabos que liga um equipamento à rede do operador).

Prevê-se que "os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do consumidor, não podem exceder", por um lado, a "vantagem que foi conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional ao remanescente do período de fidelização".

Por outro, no caso de se tratar "de um período de fidelização inicial", só pode considerar a indemnização em "50% do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o primeiro ano de vigência do período contratual e 30% do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o segundo ano de vigência do período contratual".

Essa contabilidade também leva em conta se se trata de "um período de fidelização subsequente sem alteração do lacete local instalado". Aí estará em causa "30% do valor das mensalidades vincendas". Outra condição é se nas mesmas circunstâncias, mas com alteração do lacete local", aplica-se também 30% do que falta pagar até ao fim do contrato.

A nova lei refere também que, na hora de rescindir, "o consumidor pode exercer os direitos de cessação do contrato" através de uma "plataforma eletrónica criada para o efeito, gerida pela Direção-Geral do Consumidor (DGC)". As funcionalidades da mesma, "a que os operadores de comunicações eletrónicas ficam sujeitos" a respeitar, são definidas pelo governo. No entanto, a lei não explícita como será essa plataforma construída e disponibilizada aos consumidores.

Além deste novo enquadramento, depreende-se da leitura da lei, que, os consumidores só estão obrigados a cumprir os períodos de fidelização na primeira vigência do contrato quando há uma renovação automática (que tem de estar prevista no contrato desde o início). Ou seja, após o prolongamento automático, o titular do contrato também poderá denunciá-lo sem incorrer no pagamento de penalizações.

"Nos casos em que um contrato com período de fidelização para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas [...] preveja a respetiva prorrogação automática, após essa prorrogação, os utilizadores finais têm o direito de denunciar o contrato em qualquer momento, com um pré-aviso máximo de um mês, sem incorrer em quaisquer custos, exceto os relativos à utilização do serviço durante o período de pré-aviso", lê-se.

Os consumidores também vão poder rescindir contratos sem encargos adicionais, "que não os relacionados com a utilização do serviço até à data da resolução", sempre que o operador proponha - com "um mês de antecedência" - alterações contratuais. Aqui, a rescisão gratuita só não será possível se as alterações propostas forem "exclusivamente em benefício do utilizador final, ou não tenham efeito negativo no utilizador final, nomeadamente as que sejam de caráter puramente administrativo". Mas, neste caso, caberá à telecom "demonstrar que cada uma das alterações ao contrato propostas" vai ser "exclusivamente em benefício do utilizador final", ou que é "de natureza puramente administrativa" e não tem "efeitos negativos".

E por "qualquer discrepância significativa, continuada ou recorrente, entre o desempenho real dos serviços de comunicações eletrónicas, que não serviços de acesso à Internet ou serviços de comunicações interpessoais independentes de números, e o desempenho indicado no contrato", a nova lei garante que o titular do contrato pode rescindir com o operador sem quaisquer encargos adicionais.

Ainda a propósito das fidelizações: os períodos em que um cliente está vinculado a um operador são definidos "mediante a atribuição aos consumidores de contrapartidas, devidamente identificadas e quantificadas no contrato. E na hora de refletir sobre a renovação, os operadores têm de informar o cliente "de forma clara, atempada e num suporte duradouro" a data do fim do contrato, "os meios" para o denunciar e "os melhores preços aplicáveis aos seus serviços". Além disso, "pelo menos uma vez por ano, as empresas prestam informações sobre os melhores preços" ao cliente.

Aliada às fidelizações está a obrigação dos operadores fornecerem faturas "gratuitamente ao utilizador final, em suporte de papel ou por via eletrónica, consoante o meio por ele escolhido". No caso das faturas detalhadas, a lei é omissa e não obriga a que a fatura detalhada também seja gratuita.

A nova legislação também proíbe "a cobrança de qualquer contrapartida" pelo desbloqueio de equipamentos, após o fim do período de fidelização. E mesmo dentro do período de fidelização, consoante o caso, a nova lei proíbe a cobrança de contrapartidas em 50%, 80% ou 100% "do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago", bem como "de eventual crédito do consumidor face ao operador".

Ou seja, o desbloqueamento de aparelhos (como boxes de televisão), que estejam no fim de fidelização, não tem de ser motivo de mais cobranças.

Para os operadores, acresce a obrigação de ter de notificar "os consumidores antes de ser atingido qualquer limite de consumo predefinido", bem como "quando um serviço incluído nos seus planos tarifários tiver sido integralmente consumido". Além disso, as telecom têm de "dispor do barramento seletivo de comunicações". Ou seja, têm de ter um mecanismo que impeça cobrança de serviços acionados inadvertidamente pelos clientes, como serviços de audiotexto.

As empresas de telecomunicações também "só podem exigir aos utilizadores finais o pagamento de bens ou serviços que não sejam de comunicações eletrónicas e não façam parte da oferta que o utilizador final contratou, quando estes tenham prévia, expressa e especificamente autorizado a realização do pagamento de cada um dos referidos bens ou serviços, através de declaração em qualquer suporte duradouro".

Mais: se um serviço for suspenso por um "período igual ou superior a 24 horas consecutivas, sem prejuízo da compensação que tiver lugar nos termos gerais de direito, pelos danos causados", o cliente tem direito "à redução imediata e proporcional do valor da mensalidade contratada". Por outro, lado

E "sempre que, por motivo não imputável ao utilizador final" - ou seja, sem culpa do cliente -, os serviços contratados "se mantiverem indisponíveis por um período superior a 24 horas, consecutivas ou acumuladas por período de faturação, a empresa que oferece os serviços deve", creditar ao cliente "o valor equivalente ao preço que seria por este devido pela prestação do serviço durante o período em que o mesmo permaneceu indisponível". Se a indisponibilidade dos serviços, após alertada a empresa, se prolongar "por um período superior a 15 dias", o cliente tem "o direito de resolver [leia-se cancelar] o contrato sem qualquer custo".

O poder da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) também foi discutido no novo quadro legal. A proposta de lei inicial permitia ao regulador, especificamente, em caso de infração, impor a "interdição do exercício de cargo ou funções de administração, de direção e de fiscalização em pessoas coletivas com intervenção na atividade de comunicações". O texto final e aprovado menciona os gestores e prevê, de facto, sanções acessórias a aplicar pela Anacom, mas não especifica se esse tipo de sanções se aplica aos gestores.

"Os diplomas legais que estabelecem as contraordenações do setor das comunicações podem prever que os titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como os responsáveis pela direção ou fiscalização de áreas de atividade das pessoas coletivas em que seja praticada alguma contraordenação, incorrem na coima prevista para os atos dessas pessoas coletivas, especialmente atenuada, quando, com manifesta e grave violação dos deveres que lhes são inerentes, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não adotem as medidas adequadas para a evitar ou lhe pôr termo imediatamente, a não ser que sanção mais grave lhes caiba por força de outra disposição legal", lê-se.

E acrescenta a nova lei: "A responsabilidade das pessoas coletivas não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes".

Nesse sentido, para além de coimas e mediante a gravidade da infração, as sanções acessórias ao dispor do regulador preveem, no caso de haver culpa de um "agente", a "interdição do exercício da respetiva atividade até ao máximo de dois anos". Ora, o diploma não aclara se por "agente" se refere à empresa ou a um gestor. Por isso, ao contrário da proposta inicial, a nova lei não diz, claramente, se o regulador pode suspender um gestor em cargo ou funções de administração, de direção e de fiscalização numa telecom.

De resto, a dimensão das sanções ou coimas dependerá da dimensão do operador (calculada com base em dados económicos) e, no caso do referido "agente", a responsabilização só ocorrerá em violações graves ou muito graves. Mantêm-se os valores mínimos e máximos das coimas. No caso das grandes empresas, uma multa pode chegar aos cinco milhões de euros numa contraordenação muito grave. As multas aplicadas vão continuar a ser repartidas em 60% para o Estado e 40% para a Anacom.

Há vários tipos de infrações previstos na nova legislação do setor para os operadores. Desde o não envio de determinados dados pedidos pelo regulador até à existência de "comportamentos habituais ou padronizados, bem como a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da autoridade reguladora nacional".

A nova lei foi aprovada na Assembleia da República a 21 de julho e fixada pela comissão da especialidade a 28 de julho. A nova lei transpõe ainda a diretiva comunitária que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (CECE), um processo em que Portugal se atrasou bastante, o que motivou a abertura de um processo em Bruxelas. Por isso, estando o Estado em incumprimento, a promulgação é aguardada para este mês de agosto.

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