Eram os últimos minutos do ano velho, os primeiros do novo, mas em lugar das 12 passas e de um copo entre os dedos, foram muitos os utilizadores do Facebook que celebraram a meia-noite a postar, batendo um recorde de 750 milhões de fotografias colocadas online apenas naquele fim-de-semana de entrada em 2011. Uma semana mais tarde, a Goldman Sachs, empresa que anunciou um investimento de 343 milhões de euros no Facebook, afirmava que a rede social já reúne seiscentos milhões de utilizadores activos mensais, isto depois de o seu fundador e actual presidente, Mark Zuckerberg, ter manifestado, em Junho, a esperança de que o site atingisse os mil milhões num período de três a cinco anos. A febre de actividade no Facebook está a sacudir a modorra pelo mundo e há muita gente feliz com a descoberta da partilha.
«O ciberespaço não implica códigos inteiramente novos - antes uma reformulação dos já existentes - e é com base nesses códigos reformulados que existe um novo tipo de sociabilidade, que se distingue desde logo por questões associadas ao tempo e ao espaço, mas também a nível dos processos sociais e de comunicação», sustenta Inês Amaral, investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho, a propósito da revolução da web social no país. Diz a especialista que a forma como percepcionamos o mundo, os outros e nós mesmos está directamente relacionada com a tecnologia e que, se a internet alterou os relacionamentos humanos, o fenómeno Facebook veio reformular as ligações entre as pessoas.
Segundo um estudo realizado pela Netsonda junto de mais de mil utilizadores do Facebook, em Portugal, 78 por cento dos inquiridos estão sempre ligados ou ligam-se pelo menos uma vez por dia, 58,2 por cento gastam até uma hora diária na rede social, 37 por cento já a utilizam para fins profissionais, mais de dois terços consultam os sites das marcas que seguem no Facebook, 72 por cento são adeptos particulares das páginas de causas sociais (enquanto 51 por cento preferem as de associações), as mulheres são o grupo que mais horas dedica à rede e a utilização do Facebook no telemóvel praticamente dobrou, de Junho a Novembro, passando dos 10,9 para os 21,1 por cento.
Um outro estudo da BitDefender concluiu que o Facebook serve frequentemente de ponto de partida para amizades virtuais, já que os utilizadores aceitam com facilidade pessoas desconhecidas no seu grupo de amigos baseando-se apenas numa boa fotografia de perfil, além de estarem dispostos a revelar informação pessoal sensível após uma breve conversa online, graças à ilusão de que é possível manter o anonimato.
«Todos querem estar ligados a todos: amigos, colegas de trabalho, celebridades. E todos têm algo para partilhar e aguardam os comentários e os likes da sua rede», observa Inês Amaral com base em cálculos impressionantes que estimam que a cada vinte minutos sejam publicados 1 851 000 status updates, dados 7 657 000 cliques no botão like e feitos 10 208 000 comentários. «Geralmente, no mundo online, a ausência de presença é substituída pelo sentimento de pertença a um grupo através de sistemas de construção social partilhada, o que acaba por conferir identidade a esse grupo e aos indivíduos que fazem parte dele.» Em última análise, no meio da balbúrdia que é a existência humana, a combinação de confiança e conversação tem a virtude de gerar no Facebook um manancial de casos com finais proveitosos, alegres, respeitáveis, esperançosos ou sensíveis, talhados à medida de cada pessoa que por lá passa e que todos os dias, de algum modo, deixa um pouco de si. É a vivência em rede no seu melhor.
Uma história de amores nascidos à distância
Naquele instante em que lhe pediu amizade, Age nem deu conta de que estava a desencadear um novo começo na vida de ambos. Ele, João Lopes Marques, português, jornalista e escritor, de 39 anos e a viver em Tallinn há cinco, publicara um artigo no jornal Eesti Ekspress sobre raparigas estónias que queriam deixar o país para viverem experiências fora. Ela, natural de Tallinn, na altura a fazer Erasmus na Holanda e a viver ao máximo a experiência de estar longe, sentiu-se tocada pelo texto, guardou o nome dele e aproximou-se através do Facebook sem segundas intenções, mas esperando nunca ter de lhe explicar aquele súbito arrebatamento.
«Tinha vergonha de confessar que era fã dos artigos dele e acabei por lhe dizer, quando falámos, que conhecera um rapaz na Holanda e julgava estar a adicionar esse novo amigo, mas que pelos vistos não era a pessoa certa», ri-se Age, recordando que foi adicionada (em princípio ele aceita toda a gente, a menos que algo o deixe de pé atrás) e que também João pensava que ela era outra rapariga, vagamente sua conhecida das festas da embaixada. «Depois desse primeiro contacto, em Abril de 2009, regressei a Tallinn em Agosto. Em Setembro ele convidou-me para tomar um café e aceitei: achava-o muito interessante como autor, queria conhecê-lo e falar com ele. Mas não havia expectativas de nada e ficou tudo muito no ar, pensei que fosse o nosso primeiro e último encontro», lembra.
João Lopes Marques levou a socióloga a um bar na baixa da capital estónia e foi formal, porque terminara um namoro nesse Verão e não pensava em romance. «Achei a Age porreira, determinada, mas um bocado diferente, julgo que não gostámos muito um do outro», confirma o jornalista, para quem o encontro foi uma troca de ideias e pouco mais. «No dia seguinte ia a Portugal e despedi-me dela até um dia.» Não imaginava que em Novembro voltaria a convidá-la e, aí, a relação evoluiria para uma história de amor que os tem a viver juntos em Tallinn há cerca de um ano, felizes com o caminho. A nenhum preocupa a notícia de que cerca de 28 milhões de divórcios são causados pelo Facebook, já que os cônjuges descobrem cada vez mais informações desagradáveis sobre os parceiros na rede social; é só mais um sinal dos tempos que correm.
«Além de ser um grande veículo profissional, o Facebook está a criar um novo modelo relacional que não passa apenas pela namorada, ou a pessoa de quem andamos atrás, mas pela rede crescente de amigos», constata João, habituado a pensar a internet por dentro desde que o convidaram para director editorial do então recém-criado Clix, em 1999, quando se formatava a lógica dos portais. «Hoje o Facebook é a ferramenta mais poderosa da net porque é agregadora de tudo. Vamos estendendo uma membrana enorme, organizada de acordo com os filtros e objectivos de cada um, e ela cresce de forma quase viral.»
Erica Queiroz, publicitária, autora do livro O Amor Está na Rede, administradora empresarial e coach em assuntos do coração (ela própria conheceu o marido na internet e procura agora desmistificar o preconceito), também está certa de ser mais fácil conhecer alguém online, uma vez que o círculo social se alarga e é possível estudar os perfis e ir sabendo os gostos, as ocupações, as metas. «Vivemos em ambientes mais competitivos, o que faz que muita gente ponha a vida social de lado para se dedicar ao trabalho e aos estudos», nota. Ao temor de que na rede possamos não fazer ideia de quem seja aquele ilustre desconhecido, Erika replica que o mesmo sucede no elevador, no trânsito ou num bar. O segredo de conversar bastante com a pessoa para conhecê-la melhor antes de sair com ela vale para todas as relações, virtuais ou reais. «Não é só porque alguém é amigo de um amigo que vai ser bom para nós», ressalva a orientadora.
José Rodrigues nunca tinha pensado muito nesta dinâmica do enamoramento à distância até se ver profundamente apaixonado depois de um pedido de amizade que aceitou, vindo dos EUA. Era uma tarde de sábado, em Outubro de 2010. Estava a trabalhar na sua casa em Lisboa com o Facebook ligado, coisa que faz frequentemente enquanto traduz textos ou colabora com artigos para alguma publicação - é licenciado em Ensino de Línguas e Literaturas pela Universidade do Minho, pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna/Contemporânea e o primeiro professor/líder da Kabbalah em Portugal -, e aquela foto pequenina a piscar encheu-o do sentimento premonitório de que algo estava para acontecer, algo com muita luz.
«Passámos essa tarde no chat, numa conversa interminável a apreender as emoções do outro nas palavras escritas. Uma semana mais tarde oficializámos a relação, virtualmente falando, e dois meses depois conhecemo-nos pessoalmente - quando veio dos EUA, onde tem contrato até Junho -, ainda com aquele feeling de que tínhamos acertado», revela José, para quem tudo tem o seu porquê e não existem coincidências. «Acredito que o que acontece na nossa vida está ali por um motivo, pela oportunidade de transformação.»
Há já uns tempos que o casal trocou o teclar furioso no Facebook pelo contacto no Skype, onde podem olhar-se e perceber-se melhor, evitando sublimar ciúmes e más interpretações de outro modo inevitáveis. A José, faz alguma confusão o facto de haver pessoas que projectam no Facebook uma imagem de perfeição que não é real e resulta em superficialidade e em manifestações exageradas de companheirismo e afecto. É sobretudo com isso que procura ter mais cuidado: «Quando se gosta e está longe, como é o meu caso, quer-se saber as festas a que o outro vai, os amigos com quem fala, o carinho com que o faz, e isso pode causar mágoas.» Ainda assim, porque na sua filosofia de vida que é a Kabbalah aprendeu que quanto menor é a expectativa maior é a luz, aquele amor tem um sabor desconhecido: não procurava ninguém, mas alguém o encontrou quando estava pronto para o receber. «Está tudo ligado», garante.
Uma história de despedida
João Manuel Serra esperou que a ingrata passagem do tempo lhe pudesse pôr fim à solidão, mas nada disso aconteceu e foi no Saldanha, noite dentro, que encontrou a fórmula para espantar os seus demónios interiores. «A vida dá estranhas voltas e o meu destino é acenar a quem me cumprimenta», explicava o «senhor do adeus», todo sorrisos e porte aristocrático de outra era, coleccionando o carinho dos desconhecidos de passagem que o ajudavam a ser alguém. João morreu a 10 de Novembro de 2010, aos 79 anos, e não tardou que no Facebook surgisse o apelo à concentração humana que teve lugar no dia seguinte, às 22h00, para se acenar aos carros como ele fazia todas as noites desde há uma década. «Estou sujeito a que me chamem maluco, mas não me importo. Da minha solidão sei eu.» Mal sabia que pelo menos duas centenas de lisboetas responderiam à corrente online e lhe diriam o último adeus, comovidos até aos ossos com a perda do seu homem especial.
João Serra ganhou o hábito de vaguear pelas ruas quando a mãe morreu e o deixou sozinho na casa que ambos partilhavam, com a sensação de ter perdido as asas e o sentido da vida. «Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e a Madrid, conheço a Europa inteira, excepto a Grécia», contou um dia, ele que não se importava de desfiar a sua história aos ouvintes que o procurassem. Viveu com a mãe até ao seu último suspiro, era ela o pequeno mundo que o mantinha de pé, em segurança. Quando partiu para sempre, João não foi capaz de conciliar o sono com os silêncios da casa, saía amiúde para se distrair e foi então que descobriu que as pessoas o cumprimentavam sem razão aparente, num aceno que ele retribuía com outro e passou a ser a razão da sua existência. «Venho para a Praça Duque de Saldanha desde que fiquei nas mãos de não ter ninguém», disse numa entrevista. «Nasci aqui perto, na casa da minha avó, um palacete tão bonito que o Calouste Gulbenkian quis comprá-lo - parece que não queria morrer no Hotel Avis. Sou filho de gente abastada, nunca trabalhei nem entrei numa cozinha. E sou preguiçoso para tudo menos para dizer adeus a quem por aqui passa.»
Mimado desde menino por uma família grande e de posses, o «senhor do adeus» fez a instrução primária em casa: o primeiro dia no Colégio Parisiense custou-lhe tantas lágrimas que ninguém teve coragem de insistir com ele para que lá voltasse e contrataram um professor particular. A vida andou sem sobressaltos de maior até aos 13 anos, altura em que os pais se divorciaram e ficou a morar no Restelo com o pai. Por ele, chegou a tentar Direito, que rapidamente abandonou por ser «muito chato». Seguiu-se o curso Histórico-Filosóficas, deixado para trás com a mesma leveza, e uma passagem por Londres, onde foi ter com o irmão e se divertiu mais do que nunca enquanto aprendia a falar inglês até o pai lhe cortar o dinheiro e ser obrigado a voltar: «Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com o qual viajei imenso. Teria lá ficado se não fosse tão agarrado à família.»
De novo em Lisboa, o pai montou-lhe um negócio de revestimentos para casas e tentou que o filho se fizesse à vida, mas a loja faliu e o rapaz passou a viver dos rendimentos, sem vergonhas nem complicações. Foi com a sua morte que João e a mãe se tornaram os melhores amigos e companheiros um do outro, apoiando-se, partilhando, conhecendo o mundo. Ficar sozinho trouxe-lhe o vazio e todos os dias depois disso, à tarde no Restelo, das 22h00 às 02h00 na Avenida Fontes Pereira de Melo, entre o Marquês de Pombal e o Saldanha, João Serra recorreu àquela sensação de estar a fazer novos amigos para sobreviver. «Sinto-me só, incompleto, como se algo estivesse a falhar.» Nunca teve mulher, nem filhos, nem carreira, nem rumo certo. E assim sendo, acenava um gesto que era mais um olá, as pessoas repetiam-no em jeito de saudação e o coração aquecia-lhe por dentro. De certeza que o «senhor do adeus» teria sido feliz naquela noite de quinta-feira, junto ao semáforo do Saldanha onde parava para sorrir aos outros, se pudesse ver a pequena multidão que respondeu ao apelo do Facebook, acendeu velas no local e aprontou as mãos para o derradeiro aceno de homenagem.
Uma história à prova de tempo
Em cada teclar no seu iPad emprestado, Lillian Lowe fica a saber as novidades das suas crianças - vinte ao todo, entre netos e bisnetos -, diz aos filhos que tudo vai bem com ela na sua vidinha em Tenby, Pembrokeshire [no Sul do País de Gales], e diverte-se a conversar com os amigos no Facebook, onde aos 103 anos conquistou o estatuto de pessoa mais velha da rede social, depois de a utilizadora Ivy Bean ter falecido durante o sono, em Julho passado, com 104 anos. Lillian decidira manter uma parca lista de contactos na página e só aceitar caras que conhecesse da vida real, pelo que entrou na rede com pouco mais de uma dúzia de amigos e escrevia a todos como podia. De repente, porém, Ivy morreu, a velhinha sucedeu-lhe no campeonato da longevidade online e logo choveram mais de três mil mensagens optimistas e pedidos de amizade. O seu índice de popularidade disparou e ela agradece o carinho das pessoas, embora sem saber como será capaz de responder a todas daqui em diante.
«Adoro o Facebook. É muito excitante e uma forma fantástica de tomar conhecimento das coisas, agora que passo muitas horas sentada sozinha e não saio muito», considera a utilizadora, que estava na escola quando estalou a Primeira Guerra Mundial e se recorda do naufrágio do Titanic, de modo que não tem vagar para recear as novas tecnologias. Hoje, apenas um pouco mais lenta do que era em jovem mas cheia da mesma vontade de aprender, conta com a ajuda dos familiares mais novos para dar vazão à correspondência virtual. «Ela é incrível», concede o neto Steve, que criou a conta no Face à avó e lhe empresta o iPad duas vezes por semana para que se divirta a navegar. «A sua memória é espantosa e tem interesse em manter-se a par do que toda a gente na família faz.»
As maneiras de Lillian são as de uma antiga gerente de hotéis aposentada rendida ao futuro, no muito tempo livre que a reforma lhe trouxe. «Tenho alguns amigos, netos e bisnetos e mantenho-me informada sobre eles. Mandam-me sempre mensagens a contar o que estão a fazer e a que festas vão», revela a senhora, seduzida pelos benefícios apesar de ainda achar que há coisas melhores do que passar os dias agarrada ao computador, como vê tanta gente fazer. O de Steve, no entanto, é pequeno, a comunicação fácil, o imediatismo com que as mensagens e as fotos ficam disponíveis uma coisa nunca antes vista na sua vida centenária. A britânica instalou-se no Facebook decidida a tirar o melhor partido da ferramenta e já pondera seriamente comprar o seu próprio iPad, porque se habituou a ler por ali e não quer ter de depender de ninguém de todas as vezes que lhe apetece ligar-se ao mundo.
«O online tornou-se uma extensão do indivíduo, tal como o telemóvel», explica a investigadora Inês Amaral, para quem a questão central do impacte do Facebook passa pelas funcionalidades simples e sociais que ele disponibiliza. «Tudo naquela rede é orientado para uma certa dependência, seja esta individual ou grupal. E finalmente toda a gente assumiu que o virtual existe e produz efeitos: além da interacção directa com os outros, há também a indirecta, talvez bem mais importante, produzida a partir do conteúdo e da relação com o meio», diz. No caso de Lillian Lowe, os milhares de amigos entretanto adicionados e os facebookianos que partilham e gostam do que ela publica fizeram de si uma utilizadora reputada e influente, que sem querer criou uma identidade e tem agora um estatuto a manter. «Na medida em que a rede passa a ser uma extensão da sua vida, ela muda, inevitavelmente. Esse é que pode ser o bónus ou, muitas vezes, o ónus da presença intensa da internet e das redes sociais na vida das pessoas», traduz a investigadora. À avó ligada ao mundo parece impossível ter estado tanto tempo afastada de uma maravilha assim.
Uma história de mãos activas e muita criatividade
Quando a saúde resolveu ameaçá-la, a ela que se licenciara em Sociologia e trabalhava há quatro anos como técnica de recursos humanos numa empresa de consultadoria, Raquel Santos ficou com as ideias mais claras. Sabia que não queria voltar, porque se o corpo lhe dera um sinal daqueles não podia ignorá-lo. E tinha medo de dar o salto, de comprometer o sustento, de desapontar os pais que receavam pela filha, até que sacudiu os pensamentos negativos e achou que podia, de facto, fazer algo diferente daquilo para que se formara. A Lua d'Arte nasceu em 2006 e todas as peças são de fabrico artesanal, concebidas uma a uma, originais e com o toque vintage da sua criadora. O Facebook tornou-lhe o sonho possível.
«Os meus primeiros clientes foram os amigos e os familiares, que sempre gostaram muito das peças e me davam motivação para continuar», adianta Raquel Santos, que começou por pintar telas antes de se render definitivamente à bijutaria e hoje, aos 29 anos, não se arrepende de nenhuma das suas decisões. «Alguns trabalhavam em lojas, fizeram o favor de expor algumas das minhas peças e correu muito bem, deu-me um bom feedback. Às tantas criei um blogue, mas aí o retorno não foi lá muito positivo...»
Na altura de ponderar se regressava ao mercado de trabalho ou insistia na sua arte, Raquel achou que dinheiro nenhum iria pagar a realização que sente a manusear alicates, correntes e medalhinhas de fadas, de modo que optou por montar um atelier em casa (o marido cedeu na decoração e nos arrumos do escritório que ambos partilham), pesquisou novos fornecedores e materiais e apostou na estratégia de dar a conhecer a Lua d'Arte no Facebook, o que se revelou uma medida sensata já que conta actualmente com seis mil fãs, avisa quando participa em feiras de artesanato, convida os clientes, avalia reacções e tendências através dos comentários e publica fotos das peças à medida que as vai fazendo, ao longo do dia. «Tem sido maravilhoso trabalhar assim, superou todas as expectativas que pudesse ter», conta a artesã, rendida ao Facebook pelas suas múltiplas funcionalidades e conectada o dia todo por razões laborais, apesar de fazer os possíveis por separar o perfil pessoal do profissional. «Em rede ficamos ligados a imensa gente e já surgiu a hipótese de fazer revenda para algumas lojas. Pode ser que um dia surja alguém que queira juntar-se a mim como sócia, para uma loja a sério», confia.
A evolução do marketing para um cenário em que as economias se aproximam cada vez mais das culturas e dos desejos resultou em transformações no comportamento dos indivíduos e das empresas, que procuram ajustar a sua forma de fazer negócio. O marketing digital, sublinha Patrícia Alexandra Bento, mestranda de Marketing na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, assume uma importância primordial para as organizações. «O produto não é tudo, há que apelar à criatividade fazendo que o consumidor se sinta parte integrante do produto», aponta a especialista, referindo-se à facilidade que a rede tem em promover gratuitamente marcas e serviços, abrindo espaço para investimentos em publicidade a todos os que queiram ligar-se aos largos milhões de utilizadores, fomentando relações de proximidade que facilitem o negócio. «Há que redefinir a estratégia de comunicação da empresa, direccioná-la para o online, e no seguimento destas novas tendências faz todo o sentido salientar a utilidade das redes sociais como ferramenta de marketing», diz.
O próprio CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, é uma história de criatividade e mãos activas: premiado nas ciências pela mesma desenvoltura que lhe permite falar várias línguas e recitar de cor versos da Eneida, o rapaz criava jogos de computador quando os amigos apenas sabiam jogá-los e desenvolvia programas e ferramentas de comunicação. Em Harvard, era aclamado pelos colegas como um prodígio da computação e concebeu um programa que facilitava a formação de grupos de estudo. Também ensaiou um site que envolvia fotos dos alunos da universidade e uma votação sobre os rostos mais bonitos, mas a página foi proibida e só mais tarde concebeu o Facebook nos moldes actuais. «Por ligar mais de quinhentos milhões de pessoas e mapear as relações sociais entre elas, por criar um novo sistema de troca de informação e por ter mudado a forma como vivemos as nossas vidas», Mark foi eleito Personalidade do Ano 2010 pela revista Time. A sua rede social virtual transformou a sociedade. O bom senso é o limite à utilização.
Um êxito que virou filme... e resultou noutro êxito
Numa noite de Outono de 2003, um analista de sistemas formado em Harvard, Mark Zuckerberg, agarra no computador para se dedicar a uma ideia que há muito começara a ganhar forma na sua cabeça: criar uma rede social exclusiva para que os estudantes da universidade possam trocar informações pessoais. Mais tarde, a rede estender-se-á para lá de Harvard, o nome passará definitivamente a Facebook e o jovem enriquece e ganha uma influência que poucos julgavam possível, mas os altos e baixos do processo foram tantos e tão rocambolescos que aliciaram o realizador David Fincher a dirigir The Social Network (A Rede Social), com Jesse Eisenberg no papel de Zuckerberg e muitos percalços existenciais a alimentar o enredo. Costuma dizer-se que o sucesso atrai sucesso e deve ser verdade porque, de uma assentada, o filme arrebatou quatro Globos de Ouro nas categorias de Melhor Filme Dramático (o prémio mais cobiçado da cerimónia), Melhor Produtor (para Fincher), Melhor Música e Melhor Argumento (para Aaron Sorkin). A Rede Social concorre agora aos Óscares da Academia de Hollywood como um dos favoritos em oito categorias, prometendo dar luta a O Discurso do Rei (o mais nomeado) e ao western dos irmãos Coen, Indomável, surpresa absoluta nas nomeações.
Conexão em rede sublima a aceitação
Por Aristóteles ter afirmado há tantos séculos que o homem é um animal social, podia supor-se que o dito iria perder o sentido ou tornar-se obsoleto, mas tal não aconteceu. «Tirado do contexto e simplificado grosseiramente, significa que todos vivemos inseridos num sistema e interagimos com ele», comenta Juan Faerman, argentino de Buenos Aires, guionista de rádio e TV, escritor e director criativo em publicidade, que se dedicou a estudar o Facebook enquanto novo fenómeno de massas para lançar agora o livro Faceboom, editado em português pela QuidNovi.
Para o autor, «necessitamos da presença e do olhar do outro para um sem-fim de coisas, como comprar pão, fazer-nos sentir bem com umas palavras ditas oportunamente, ou fazer uma catarse, atribuindo a outro a culpa de algo que correu mal». O homem não lida bem com a solidão; graças à sua vertente de interacção, o Facebook tornou-se então um fenómeno social porque, goste-se ou não, «é um simulador de sociedade de classe média/média-alta, com acesso à internet e preocupações mais ou menos burguesas». Sem ser ligação, necessidade de aprovação para reafirmar a auto-estima, recordação ou exposição, a rede social é um pouco de todos estes factores em simultâneo e permite aos utilizadores mostrarem-se e conhecerem pessoas que partilham os mesmos códigos afectivos e objectivos de vida. Uma forma diferente de saber o que os outros estão a fazer e a pensar, à luz da ironia cáustica de Faerman.