Tento combinar um café com o João, que pára um dia apenas em casa, de caminho entre Orlando e Toulon. Ele comprou um exemplar do meu livro e quer uma assinatura. Eu gosto de estar com gente jovem e fresca e quero um abraço.
- Tenho uma reunião na Augusto Gil - digo-lhe. - O que dizes de nos encontrarmos na Mexicana?
- Mexicana?
- O café. No topo da Guerra Junqueiro, já cá em cima na Praça.
(Silêncio.)
- Bom, sabes onde é o Londres, João?
- Londres? - ri-se. - Se calhar não era preciso irmos para tão longe...
Explico-lhe onde fica a Mexicana. Depois dou uma de veterano: falo-lhe da Brasileira e da Cister, da Alsaciana, do Vavá e das outras velhas pastelarias de Lisboa - das tribos que albergavam, das suas conspirações.
Ele ouve-me com interesse. Temos isso em comum: tentamos sempre aprender com o outro (e um com o outro). Mas, no fundo, sei que vai usar o GPS, caso contrário ainda perde o avião.
No fim, temos de ir a outro sítio, uma coisa sombria e meio emporcalhada, porque a Mexicana está fechada para obras. Mas fico a pensar no modo como tantos lisboetas não apenas ignoram os nomes das ruas e das praças da sua cidade, mas a desconhecem em geral - aos seus lugares, às suas respirações, às suas histórias.
Chego a perguntar-me se não será isso que nos distingue, aos urbanos de verdade (como ele) e de circunstância (como eu): estes precisam de aprender a cidade, aqueles trazem-na no sangue. Mas depois lembro-me do Miguel, do Rui e de tantos outros lisboetas ainda mais puros do que o João, criados em bairros típicos e consagrados jogadores de matraquilhos, e não consigo não voltar a chocar-me.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Também eles desconheciam Lisboa. Totalmente.
Ao menos o João tem desculpa: já viveu no Burquina Faso, no Gabão e nos EUA. Nem 30 anos tem. Não conhece Lisboa, mas conhece o mundo.