A Oeste nada de novo

O extraordinário não é que António José Seguro se afirme "preparado para governar", nem que o faça sob o divertido argumento de que o "investimento" público garante o crescimento económico.
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O extraordinário é que, se as eleições se realizassem hoje, o PS do dr. Seguro e os argumentos do dr. Seguro sairiam muito provavelmente vencedores. Já chega de culpar os políticos pela desgraça do País: o País desceu a isto por culpa do bom povo. Crise de representação? Nem vê-la. Feitas as contas, os nossos representantes representam-nos com esmero.

É preciso notar que o eleitorado, ou pelo menos a parte do eleitorado que pesa, não está descontente com os senhores da coligação do poder por estes terem demorado ano e meio a iniciar, segundo consta, um esboço de reforma estatal. O eleitorado anda irritado porque o Governo vem aumentando os impostos para evitar bulir no Estado. Quando, e se, bulir, o eleitorado andará irritadíssimo. Poucos são os que desejam reformas, "refundações" ou mudanças: milhões de criaturas sonham com a imobilidade absoluta, mesmo após constatarem que essa imobilidade possui um custo que, a pronto ou habitualmente a crédito, não poderemos continuar a pagar.

Paradoxal? Os paradoxos não nos atrapalham. É por isso que enquanto nos queixamos da crise estamos dispostos a legitimar nas urnas o exacto partido que apressou a crise e as exactas alucinações que tornaram a crise obrigatória. Como o maluquinho que volta a enfiar o dedo na tomada depois de cada choque, uma impressionante quantidade de portugueses não aprende. E é duvidoso que venha a aprender.

A verdade, que quase ninguém admite para não ferir susceptibilidades, é que não percebemos a razão de acontecer o que nos acontece. Descontados os casos de má-fé, as reacções à visita da sra. Merkel exibem o desnorte que por aí vai. Não falo dos arruaceiros, nitidamente empenhados em reinar sobre as ruínas. Falo dos bem-intencionados como Marcelo Rebelo de Sousa, que patrocinou um filmezinho destinado a mostrar aos alemães que do Minho ao Algarve há gente boa (parece que as autoridades berlinenses deitaram o filmezinho ao lixo). E falo da empresa de Marco de Canaveses que quer oferecer à chanceler um cabaz com azeite, vinho do Porto, enchidos, queijo e "outras iguarias" (suspeito que o cabaz não chegará ao destino).

Isto seria genial se o drama pátrio fosse a Alemanha supor que somos antipáticos e incapazes de produzir uma morcela decente. Sucede que o problema não é esse: o problema é precisarmos do dinheiro alemão para não nos afundarmos de vez à conta da estroinice indígena. E nada indica que o contribuinte de lá ceda à filantropia após provar um vintage da Ramos Pinto. No meio disto, sobra a sra. Merkel, suficientemente atenta aos perigos da implosão do Sul para nos amparar a austeridade e suficientemente atenta aos votantes dela para impedir que o amparo seja incondicional. E só. Se não respeitamos a realidade, é altamente duvidoso que a realidade venha a respeitar-nos. De qualquer modo, é enternecedor ver Portugal explicado por quem não o compreende.

Quarta-feira, 7 de Novembro

Uma vitória europeia no Ohio

A "inclinação" dos media, uma campanha particularmente desonesta dos adversários e o furacão Sandy não explicam tudo. Mitt Romney perdeu porque, hoje, o tipo de programa necessário para ganhar as "primárias" republicanas é justamente o tipo de programa que torna inevitável a derrota nas "presidenciais". Como John McCain, Mitt Romney é um conservador dito da velha guarda, ou seja, liberal na economia e (relativamente) progressista nos costumes. Como John McCain, Romney viu-se obrigado a inflectir à "direita" no segundo item para assegurar a nomeação e, depois, garantir a hipótese da vitória final. Não lhe faltou muito para esta, mas faltou--lhe o suficiente. E sobrou uma dúvida acerca do futuro do seu partido, crescentemente escasso nos centros urbanos onde se concentram as elites "esclarecidas" e os dependentes do Estado que festejam o triunfo de Obama. O GOP está perante um dilema.

Infelizmente, o país também. O que de melhor tem a América, leia-se a aversão inata às estruturas de poder, mistura-se com o que de pior tem a América, leia-se um certo "enclausuramento" face ao mundo e ao tempo, e deixa o caminho livre ao resto. E o resto, da crença nas propriedades divinas do "investimento" público ao reaccionarismo económico, do ressentimento social ao relativismo cultural, da "superioridade" moral ao corporativismo "étnico", é pura Europa. Não admira que por cá se venere Obama enquanto se detesta os EUA.

Sexta-feira, 9 de Novembro

A 'caridadezinha' e a falta dela

Num debate televisivo, Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Pobreza, cometeu o erro de opinar sobre aquilo que os pobres devem fazer e ofendeu os que opinam sobre o que os pobres devem sentir. Está bem uma para os outros? Nem tanto: aprecie-se ou não a abordagem, o facto é que a dra. Jonet já ajudou imensos necessitados. O mesmo não se pode dizer de muitos dos que, cheios de arrogância pelintra, a insultam. Além dos insultos, prometem no Facebook deixar de contribuir para o Banco Alimentar, o que, no estapafúrdio pressuposto de que alguma vez tivessem contribuído, mostra a consideração dessa gente pelos pobres, os quais ou comem sob as condições ideológicas adequadas ou passam fome. Consta que a larica aprimora o espírito.

Sábado, 10 de Novembro

A indignação de António Arnaut

Na semana passada, escrevi aqui sobre o contrato (por ajuste directo) de assessoria jurídica celebrado entre a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e a firma António Arnaut e Associados. Esta semana, António Arnaut escreveu ao director do DN sobre o que eu escrevi. Além de se indignar muitíssimo, António Arnaut corrige-me ou esforça-se por corrigir-me.

Em primeiro lugar, António Arnaut não gostou da referência ao "pai" do Serviço Nacional de Saúde que cobra remuneração ao filho e esclarece-me que o estabelecimento de ensino em questão "obviamente" não integra o SNS. "Obviamente", é claro que não. Mas o facto de ser uma instituição pública, financiada pelo erário público, repleta de protocolos com hospitais públicos e destinada a formar profissionais que presumivelmente na sua maioria servirão em instâncias públicas não distancia muito uma coisa da outra. É a história da letra e do espírito, como um insigne jurista decerto saberá.

Em segundo lugar, António Arnaut informa-me ter deixado de exercer há dez anos e legado o nome de baptismo e o nome da firma ao filho que actualmente a mantém. Quanto a isto, não me custa pedir desculpa pela confusão, embora as circunstâncias a proporcionem: se um sujeito encontra duas rodas ligadas a um quadro com um selim no topo e a pedaleira a meio, o sujeito conclui facilmente estar perante uma bicicleta e não um bico de Bunsen.

A terminar, estranho sobretudo uma coisa. Por um lado, António Arnaut assume que, "ainda que [...] fosse titular do contrato, tratava-se do normal exercício profissional". Por outro lado, farta-se de falar em "má-fé", "injúria", "imputações dolosas", "ofensa gratuita", "considerações gravemente ofensivas", "injustiça", "falsidade" e "acinte", não porque eu o acusasse de chacinas étnicas, mas porque me limitei a atribuir-lhe um comportamento que ele considera irrepreensível. Francamente, não percebo. Temo, aliás, nunca ter percebido os estatistas: para mim, quem disserta jovialmente acerca da maneira de gastar o dinheiro dos outros é grego - nos sentidos coloquial e literal.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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