O grupo Jerónimo Martins (JM) mudou muito nos últimos anos. Cresceu. Tornou-se mais competitivo. A JM já tem 360 lojas e nove hipermercados. Passou a ser uma das marcas com maior notoriedade no país, fruto da criatividade da campanha de relançamento, em 2008, e do investimento em massa que a acompanhou. O jingle, criado pela Duda Portugal, filial da agência brasileira de Duda Mendonça [ex-marqueteiro de Lula da Silva] ainda hoje está no ouvido. Goste-se ou não, funcionou. Segundo a directora de marketing da JM, Vanessa Silva, 35 anos, mais de metade das famílias portuguesas são clientes do Pingo Doce.Como está o Pingo Doce a responder à perda do poder de compra das famílias portuguesas?As pessoas procuram sempre preços baixos e nesta altura ainda mais, mas também querem confiar no que compram. A confiança e a credibilidade na marca tem sido muito importante para sustentar o negócio. Daí que o Pingo Doce tenha lançado a insígnia dos preços mais baixos - em termos de percepção, estamos à frente de Minipreço e Lidl. E ainda temos uma arma poderosíssima, a marca própria, que aposta na qualidade ao melhor preço.O que responde aos que dizem que o Pingo Doce faz concorrência desleal ao pôr no espaço que é seu a sua marca própria mais barata?O trabalho não é todo feito dessa forma; começa por procurar qualidade, aquilo que decidimos como benchmark. Depois o que praticamos são margens muito baixas, obviamente para dar qualidade ao melhor preço.Com que fornecedores trabalham para ter estas margens?Na marca própria, procuramos que garantam o que chamamos benchmark de qualidade - condições nutricionais, com auditorias... E os fornecedores que correspondem melhor são os preferidos nos iogurtes, azeites, etc. Dos nossos fornecedores, 60% são PME nacionais. No caso dos iogurtes, trata-se de uma empresa da Covilhã que ia fechar quando saiu o Yoplait, mas conseguiu ser competitiva; hoje fornece o Pingo Doce e manteve 600 empregos. Só não optamos pelo nacional quando não é possível encontrar cá.Como são os resultados?Positivos, mas com esta conjuntura também somos afectados. Fazemos estudos sucessivos a consumidores e focus groups para saber a que temos de responder e o que antecipar, surgindo sempre os índices de confiança do consumidor bastante altos. Passámos de uma recordação total de 40% para 70%, à frente do Continente. E nas pessoas que entenderam o que viram subimos para 48%, à frente da concorrência.Fruto também de um reposicionamento da marca entre 2006 e 2008 com grande investimento publicitário a partir de 2009...Sim, o investimento foi muito concentrado aí e isso reflectiu-se nos meses seguintes nos resultados Publivaga. Foi das primeiras vezes que o Pingo Doce apareceu à frente do Modelo/Continente, que investe substancialmente mais do que nós. As pessoas perceberam que houve uma mudança, mas sem se perder a tradição, e reforçar a questão da qualidade-preço. Daí a campanha da agência Duda, em 2009, uns gostaram outros não, houve quem dissesse "oh, é o Pingo Doce das receitas", mas a verdade é que a notoriedade que temos, a musicalidade que trouxe para junto dos consumidores viu-se rapidamente nos números.Pode quantificar?Cerca de 60% das famílias portuguesas são consumidoras do Pingo Doce - são mais 7% do que em 2010. É um salto muito significativo.Porque sentiu o Pingo Doce a necessidade de se reposicionar?Em 2002, o Pingo Doce olhou para o seu negócio e viu que não podia continuar a sobreviver apenas com a estratégia de proximidade. Mas querendo manter à mesma a imagem de qualidade, que estava associada sobretudo aos frescos, tinha de trabalhar na vertente preço. Ou seja, não podia continuar a praticar os mesmos preços porque já não era a única opção na proximidade. As pessoas tinham outro tipo de comportamentos, estavam mais alerta, informadas, além de que tinham surgido outros operadores e as pessoas tinham experimentado produtos de marcas desconhecidas com qualidade relativamente boa. Portanto, o Pingo Doce reviu o negócio a nível de eficiência, produtividade, sortido e operação. Entre efectuar esta mudança e os clientes começarem a percebê-la vai um passo de gigante e só por volta de 2006, 2007 é que, em termos de estudo e resultados, começámos a perceber que o cliente percebia que o Pingo Doce tem preços muito mais baixos do que antes. Simultaneamente, começámos a trabalhar a nossa marca própria, argando a gama que tínhamos.Chegámos a 2008 e estava na altura de tomar novas decisões. Tínhamos duas marcas - Pingo Doce e Feira Nova - e o que se questionou foi se fazia sentido trabalhar duas marcas quando queríamos ser no futuro uma loja de proximidade, com frescos de elevadíssima qualidade, com uma marca própria única que de resto já estava nas duas insignias e trabalhar esta vertente. É então que se dá a fusão Pingo Doce-Feira Nova, em simultâneo com a aquisição do Plus (mais de 70 lojas). O Pingo Doce ganha uma nova dimensão no mercado, em termos de número de lojas, visibilidade, culminando todo o processo com uma mudança de identidade e com novo logotipo.Este novo posicionamento do Pingo Doce fez os seus concorrentes mexer?Sim, em termos de números, o mercado mexeu e o Continente ficou mais alerta para aquilo que andava a acontecer. Existe muito este taco a taco entre o Continente (Sonae) e a Jerónimo Martins, o que é saudável.O cliente tem consciência disso?O consumidor não é fiel - não há consumidores fiéis. Os consumidores compram cada vez mais em diferentes formatos de loja ou em duas, três, quatro lojas... Os frescos são a porta de entrada nas nossas lojas. Não termos sortido gourmet, nem especial, mas o que temos satisfaz o cliente, que queremos que compre o máximo nas nossas lojas. Como é feita a identificação das necessidades dos clientes? Por exemplo, as máquinas de café, que esgotaram no Natal passado, a comida pronta, os livros para as crianças?Depois de termos feito uma redução substancial do sortido em 2002, por uma questão de produtividade, o Pingo Doce foi introduzindo um sortido à medida das necessidades do consumidor. Hoje, o Pingo Doce não coloca nem lança sortido só porque o mercado o está a fazer. Tentamos procurar é algo inovador no mercado ou algo que democratize o consumo. Por exemplo, as máquinas de café expresso - já existiam várias máquinas e marcas - o que identificámos foi um potencial para fazer uma máquina com qualidade a um preço muito inferior com cápsulas também com um preço muito inferior e, portanto, quando a JM entra neste mercado o que fez não é roubar quota é criar mercado. Isso aconteceu no 1.º trimestre deste ano em que o mercado cresceu 60%, com o Pingo Doce a liderar substancialmente, superando as nossa expectativas. Já em relação às refeições prontas, o Pingo Doce identificou pessoas a viver sozinhas, que querem comer com qualidade pratos tradicionais, mas que não têm tempo nem paciência. Então o Pingo Doce, enquanto especialista alimentar, em parceria com um fornecedor português - fizemos muitas receitas, testámos muitos produtos - para chegarmos a um conceito. Foi um megasucesso, tal como o negócio do take away, que surgiu em algumas lojas e hoje é um negócio em todas as lojas. O mesmo com a restauração, que surgiu como um teste, sempre com um poisicionamento com preço baixo. Hoje a restauração é um negócio dentro do grupo e tudo tem surgido por identificação de necessidades das pessoas, das mudanças dos estilos de vida. Os livros infantis têm a ver com a questão do grupo perceber que tem um papel para lá do financeiro. Com os problemas de ileteracia que existem em Portugal, uma das coisas era colocar as pessoas a ler e o segmento mais permerável a estes ensinamentos são as crianças. Optámos por ter uma estratégia de livros exclusivos, muitos deles didácticos, com histórias, com psicologia do conto, com preços muitos baixos que os país podem aceder e estimular a criança a ler. E apesar da retracção do sector livreiro, o Pingo Doce cresce neste segmento.Em que novos produtos está o Pingo Doce a pensar?Lançamos em Maio o "Teu Primeiro Pingo Doce", que é um iorgurte infantil. Um iogurte de introdução, que se diferencia do que exsite na concorrência Nestlé, Danone, porque é o primeiro iorgurte sem açúcar adiccional. E apesar de ser uma área de nicho, de repente aconteceu de novo um aumento substancial desse mercado. Não foi uma questão de ir roubar quota a marcas de indústria, por isso não se coloca a questão do preço. Muitas vezes ao baixar o preço, estamos a alrgar o mercado até para as marcas de indústria. O que aconteceu foi aumentámos muito o consumo desse tipo de iogurtes, que não era feito anteriormente porque o preço era proibitivo, ou por exemplo estamos a postar numa área a que chamamos "Pura Vida", produtos para condições especiais (diabéticos, colesterol elevado, vitaminas, suplementos) e que percebemos que existe uma curiosidade e procura do consumidor - fizemos um estudo e identificámos que existem muitos intolerantes à lactose, ao gluten, muitas pessoas diabéticas, com problemas cardio-vasculares e que procuram este tipo de alimentação.Têm também uma revista. Qual o objectivo?Sim, não é de receitas nem de culinária. É muito mais do que isso. É gastronómica no sentido de colocar para lá do consumidor aquilo que sabemos sobre comida, não só a nível de confecção de produtos, mas também de curiosidades - sobre formas de os colher, a sua origem - e voltar a envolver as pessoas mais jovens, sobretudo aqueles que perderam o culto das origens. Queremos voltar a envolver as pessoas com a família, com a mesa e com o cozinhar, saborear... Defende os príncipios da dienta mediterrânica, que é em que assentam.Porquê o público mais jovem?Sentimos que esse público deixou de cozinhar ou não sabe, mas ao mesmo tempo tem alguma apetência - acha giro, gosta, percebe - é voltar a recriar este gosto, este culto pela comida, pela partilha à mesa, mas sem dificultar o dia-a-dia. Não vale dar coisas complicadas, pois as pessoas chegam a casa às 7, 8 horas. Depois é uma forma de transmitir os valores da marca.Vanessa Silva, tem 35 anos e é directora de marketing do Pingo Doce desde 2008. Formada em Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa fez uma pós-graduação em Marketing no ISG e um Acclelarated Management Program no Insead, em Fontainbleau.Entrou no Grupo Jerónimo Martins em 1999, como management trainee, tendo iniciado a sua carreira na área de marketing de projectos e passando posteriormente para o ambiente de loja FeiraNova.Em 2001, é convidada a integrar a equipa de lançamento do Banco Best, assumindo funções na áera de marketing. Depois do lançamento deste novo banco no mercado, e passados cinco anos, a sua paixão pela distribuição fê-la voltar à Jerónimo Martins onde, em 2008, assumiu a função de directora de marketing do Pingo Doce, função que desempenha actualmente.Da sua responsabilidade foi a mudança de identidade do Pingo Doce, a fusão das insígnias (Pingo Doce e Feira Nova), a revisão de layout e comunicação das lojas de maior dimensão e a mudança da comunicação do Pingo Doce. Acaba de ser mãe.