Angels Way: Mais do que um fundo, uma escola de investimento

Investidores portugueses unidos para apoiar 20 startups em fase pre-seed, num fundo inovador que une tecnologia, democracia participativa e paixão por empreendedorismo, com um milhão para gastar.
Tocha é executive partner da Olisipo Way
Tocha é executive partner da Olisipo Way
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O capital de risco em Portugal ainda é visto como território reservado a investidores institucionais ou com grande capacidade financeira, o que limita as opções de start-ups que necessitam de financiamento para dar vida às suas ideias. O recém apresentado Fundo Angels Way, lançado pela Olisipo Way, Venture Capitalist de early stage,procura inverter a lógica tradicional e democratizar o acesso ao venture capital. Com 436 investidores, todos portugueses, o fundo foi desenhado para investir um milhão de euros em 20 start-ups na fase pre-seed, aquela em que as ideias ainda são conceitos e os riscos estão no máximo. “Existe uma carência crescente deste tipo de investimento que quisemos contrariar”, explica ao Dinheiro Vivo, Tocha, executive partner da Olisipo Way, e um dos promotores deste fundo. 

Com experiência de mais de uma década enquanto investidor que fundou ou cofundou mais de seis dezenas de start-ups, não tem dúvidas de que a quebra no investimento pre-seed, que se verifica desde 2022 — de 13M€ para 4M€ (-70%), segundo dados do relatório “Portuguese Start-up Scene Report 2024”, da Armilar Venture Partners -, é mais uma pedra na engrenagem do ecossistema nacional de inovação, uma vez que o financiamento inicial é crucial para transformar ideias em negócios viáveis.

De acordo com o mesmo relatório, o investimento na fase pre-seed em Portugal diminuiu 21% no número de negócios realizados, em 2023. Essa redução deveu-se principalmente à menor atividade de entidades públicas nesse estágio, e à diminuição da participação de aceleradoras internacionais. Apesar disso, em 2024, o ecossistema de start-ups português mostrou sinais de recuperação, com um aumento de 24% no número de negócios anunciados e um crescimento de 148% no montante de investimento angariado, fruto da reentrada cautelosa de investidores internacionais e pela participação recorde de investidores locais, nomeadamente da Startup Portugal, que redirecionou o seu apoio para a fase pre-seed. 

Recorde-se que para fortalecer o ecossistema de inovação é essencial equilibrar o apoio entre as fases iniciais e posteriores do ciclo de vida das start-ups, garantindo que novas empresas tenham acesso ao capital necessário para se desenvolverem e que start-ups em crescimento possam escalar suas operações de forma eficaz.​

Tickets a partir de 1.200 euros

O Fundo Angels Way, que começou a operar no início de 2025 sob a supervisão da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), é o primeiro regulado pelo supervisor em que os investidores participam ativamente na identificação, análise, decisão e acompanhamento dos projetos investidos. “É uma experiência de democratização do investimento única em Portugal e, eventualmente, no mundo”, acredita Tocha.

A iniciativa nasceu a partir do desafio lançado pelo Bitalk — um podcast sobre negócios e empreendedorismo, criado por José Serra e Tocha —, e tornou-se realidade depois de desafiar regras e convicções, como assumem os promotores. “Foi por muitosconsiderado impossível”, reforçam, lembrando que para concretizá-lo foi necessário desenvolver um projeto ainda mais ambicioso: a OW Ventures, uma nova sociedade de capital de risco, criada de raiz, para acolher o fundo. 

No essencial, o fundo da Angels Way funciona como uma DAO (decentralizedautonomous organization), ou seja, sem intermediação ou gestão centralizada, que pertence à comunidade de investidores, apoiado numa tecnologia que agiliza processos administrativos e reduz a carga burocrática ao mínimo. “Funciona numa estrutura de blockchain que permite que todas as decisões e operações sigam regras claras e fiquem registadas de forma transparente”, assegura o fundador.

No Angels Way, os participantes podem entrar com um valor mínimo de ticket de 1.200 euros, tornando o investimento em start-ups acessível a um novo perfil de investidor.Cada ticket equivale a um voto, com um limite máximo de 10 – para um investimento máximo de 12.000 euros -, o que garante a participação de todos nas decisões de investimento. “Queremos provar que é possível tomar boas decisões coletivas e criar valor, mesmo que o retorno financeiro seja incerto. O conhecimento, a rede e a experiência já valem o investimento”, defende Tocha. 

O projeto é também visto como uma formação prática em capital de risco. Os participantes aprendem a avaliar projetos, a participar em rondas de investimento e a acompanhar o crescimento das start-ups. “No final, pode ser uma espécie de MBA prático com retorno. Se tudo correr bem, ganhas experiência e dinheiro”, acredita o executive partner da Olisipo Way. 

O fundo está atualmente fechado a novos investidores, mas a comunidade continua ativa na procura e na avaliação de start-ups. A primeira selecionada, anunciada no final de março, é a Granter AI, que usa a inteligência artificial para desburocratizar o acesso das PME a fundos europeus. Mas, já este mês foram conhecidas mais duas start-ups apoiadas pelo fundo – a Medgical e a Dojo IA – que, em comum têm o facto de desenvolver soluções baseadas em inteligência artificial. A Medgical recorre a IA para reduzir o trabalho administrativo dos médicos, automatiza notas, partilha informação com pacientes e analisa dados, melhorando cuidados e diagnósticos, e consegue poupar até duas horas/dia no trabalho dos clínicos. Já a Dojo IA criou uma plataforma unificada com assistentes de IA que permite às PME desenvolver campanhas de marketing sofisticadas sem grandes custos nem recurso a agências.

O processo de candidatura das start-ups também é diferente do tradicional. Para chegar à avaliação do fundo, os fundadores têm de convencer um dos 436 investidores a apadrinhar a ideia - uma figura que a equipa batizou de Angel Father. Esse investidor é responsável por introduzir o projeto na comunidade, defendê-lo e mobilizar votos. Com esta prática, o fundo promove um filtro natural de qualidade e aumenta o envolvimento dos investidores na prospeção de oportunidades.

A ambição de mudar o ecossistema

Esta experiência serviu ainda de trampolim para uma reflexão mais ampla sobre o estado do capital de risco em Portugal. Os fundadores identificam obstáculos como a falta de ambição de alguns empreendedores, a complexidade legal e fiscal, e a burocracia excessiva, que afastam investidores internacionais. “Portugal tem talento, clima, qualidade de vida e uma localização estratégica. Se conseguirmos reforçar a educação, a saúde e a previsibilidade legal, podemos atrair muito mais talento e investimento estrangeiro”, sublinham. Tocha acredita que a próxima década será decisiva para consolidar este novo ciclo: “fundadores bem-sucedidos transformam-se em investidores, que por sua vez apoiam novas gerações de start-ups — criando um círculo virtuoso, já visível em ecossistemas como Silicon Valley ou Tel Aviv. “O resto acontece naturalmente”, conclui.

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