Há 2,6 milhões de famílias dependentes, ainda, do gás butano, o chamado gás de botija. São dois terços dos lares em Portugal, que se situam, sobretudo, fora dos grandes centros urbanos e no interior do país, e para os quais a fatura mensal energética para cozinhar e para tomar banho é mais do dobro dos que têm gás natural. A Deco, a Associação de Defesa do Consumidor, estima em 600 milhões de euros ao ano o acréscimo na fatura destas famílias comparativamente às que têm gás canalizado, o que equivale a dizer que cada uma delas paga 230 euros a mais por ano. E fala em portugueses “de primeira e de segunda”.
Para comparar o preço do gás engarrafado com o gás natural, a Deco usa, como indicador, o custo do quilowatt-hora (KWh). E conclui que, nos últimos 14 anos, a diferença entre o custo de ambas as energias quase triplicou. Enquanto em 2006 os consumidores de de gás de botija pagavam cerca de 3,5 cêntimos a mais por KWh do que os do gás natural, atualmente essa diferença é de cerca de 9 cêntimos. Mais, o KWh de gás natural custa hoje 0,063 euros, enquanto o do gás de botija custa 0,152 euros, mais do dobro. O que significa que o consumo de uma garrafa de gás butano por mês, que custa, em média, 26 euros, compara com uma fatura de gás natural de 13 euros, diz a associação.
O diferencial de 600 milhões ao ano, que não considera o investimento em infraestruturas para expansão da rede de gás natural, tem em conta um consumo médio ponderado do primeiro e segundo escalão de gás natural, onde se encontra 90% dos consumidores domésticos, ou seja, 1.750 KWh/ano de consumo médio.
Eletricidade
Mas para a Deco, a solução está não no alargamento do gás canalizado, mas pela eletrificação deste consumo que hoje está dependente do gás de botija. E estima que a poupança potencial neste caso seria superior a 500 milhões de euros ao ano face ao gás engarrafado. Menor que a do gás natural, é certo, mas mais amiga do ambiente. “A eletricidade tem a vantagem de estar disponível a 100% da população e significar uma drástica redução das emissões de CO2, dado que três quartos da eletricidade que consumimos assenta em fontes renováveis”, diz Pedro Silva, técnico da associação.
E se é verdade que o custo do kWh na eletricidade é mais caro do que no gás natural, há que ter em conta a sua eficiência energética. O uso de placas de indução ou de bombas de calor permite atingir eficiências cerca de 2,5 vezes mais elevados do que nos aparelhos de queima a gás, como o esquentador ou o fogão, em que “mais de metade do calor se perde para o ar”. Que é o mesmo que dizer que o preço unitário por kWh é mais alto, mas vai consumir menos.
25,09€
Era o preço médio, em junho, de uma botija de 13 kgs, mas que varia consoante as regiões. Os Açores, com 19,24€, têm o valor mais baixo. Setúbal, com 26,35€ tem o mais alto.
1,2 M
O mercado liberalizado do gás natural abrangia em julho 1,264 milhões de clientes (98% do consumo total em Portugal continental), de acordo com a ERSE.
Preço elevado
O custo das garrafas de gás “continua sem refletir a descida do preço da matéria-prima”, apesar da descida do preço do petróleo, verificada desde o final de 2019, diz a Deco. Para a associação, o gás engarrafado deveria custar cerca de 20 euros.
Ambiente e emissões
A Deco quer que o Governo use as verbas europeias e o roteiro para a neutralidade carbónica para substituir o gás engarrafado pela eletricidade. Uma transição gradual, mas que terá de ser apoiada por fundos, porque nem todos os consumidores terão os meios para a compra e instalação de novos aparelhos. O Governo já disse que está a trabalhar nesta matéria
ERSE pediu análise da Concorrência
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos pediu à Autoridade da Concorrência uma análise ao mercado de gás de botija para identificação de eventuais práticas ilegais. O regulador considera que as margens de comercialização durante o estado de emergência foram “particularmente altas”. Chegaram a superar os 80% do preço final de venda. A Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) já se veio manifestar “perplexa” com o que considera serem “análises superficiais” feitas ao mercado de gás engarrafado.