Gestão errática ou errada no Pingo Doce? (actualizado e corrigido)

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O Pingo Doce é assim: testa-nos a paciência e a inteligência. É um enigma, um quebra-cabeças, às vezes parece um quebra empresas. Oferece descontos inesperados que sabem bem ao consumidor, mas exibem os instintos predadores que um país (qualquer país) revela quando lhe prometem saldos de 50% concentrados num feriado de loucos.

O Pingo Doce é assim: esteve para dar cabo do negócio quando se aventurou desastrosamente no Brasil, mas salvou-se in extremis com o investimento extraordinário na Polónia - onde continua em grande: controla 10% do mercado alimentar, espera ter três mil lojas até 2015 - e foi ainda poupado a um fim trágico com a guinada (a excelente guinada) que Palha da Silva, o antigo CEO que hoje está na Galp, deu ao negócio em Portugal, salvando-o da perdição quase certa.

O Pingo Doce é assim: mergulhou agora de cabeça na Colômbia, onde o mercado da distribuição ainda tem uma importante presença de pequenos supermercados de bairro, o que significa quota para conquistar, mas que nos últimos anos tem visto entrar vários grupos internacionais, como o Carrefour, Makro e Casino, quase todos eles com parceiros locais. O que nos dá o outro lado da moeda: a competição é dura, difícil e o contexto do negócio é muito diferente do português ou o do polaco. Ou seja, não são favas contadas, vai ser preciso investir muito antes de ganhar algum dinheiro e como, apesar de rica (à escala nacional), a Jerónimo Martins é relativamente pobre (à escala mundial), falta-lhe músculo financeiro para terraplanar os problemas que surgirão à custa de milhões e mais milhões.

A alternativa é ter um modelo de negócio realmente inovador, realmente competitivo e realmente adaptado à Colômbia. Dito de outra maneira, uma gestão (essa ciência que todos acham que dominam, mas que poucos conhecem realmente) à altura dos acontecimentos.

Será que tem? É que se não tiver as consequências podem ser difíceis de digerir para um grupo desta dimensão: um gigante nacional, uma PME internacional. Os efeitos no negócio português e polaco não deixarão, por isso, de se fazer sentir. Toda a gente sabe que basta um par de anos maus para dar cabo de uma empresa.

O Pingo Doce é realmente uma incógnita. Apesar de cotado em bolsa, a família controla 56% das acções e só tem mais um accionista com peso (a Astek, com 10%), o terceiro maior accionista fica-se pelos 2,7%. O que significa o seguinte: a família faz mais ou menos o que quer (ou tem feito) e a gestão está realmente concentrada nas mãos de Pedro Soares dos Santos, filho do patriarca, sucessor de Palha da Silva.

Conseguirá Pedro manter a Polónia a crescer sustentadamente? Conseguirá dar os primeiros passos na Colômbia sem erros, passos em falso e desperdício financeiro, resistindo a um ambiente competitivo cada vez mais difícil na América Latina? E em Portugal, como vai ser?

No final de 2011, o Continente mantinha a liderança com 25% da quota de mercado, o Pingo Doce ficava-se pelos 19,1%. A campanha choque do 1º de Maio foi aproveitada por 183 mil lares, estimando-se que mais de 275 mil pessoas acorreram às lojas Pingo Doce nesse dia, o que pode ter influenciado a relação de forças com a empresa da Sonae. Em Maio é um dado adquirido que produziu efeitos. E nos meses seguintes?

Essa é a questão que se coloca e que ganha ainda mais relevância com esta decisão de proibir subitamente (já a partir de 1 de Setembro) a utilização do multibanco em compras inferiores a 20 euros. Depois de tanto esforço, depois de ter gasto 10 milhões com os 50% de desconto, além das outras campanhas que se seguiram, qual o sentido que faz elevar um muro na relação com os clientes para poupar cinco milhões por ano?

Não há aqui alguma contradição estratégica, não apenas com a deliberada agressividade comercial do último ano mas até com os tempos que vivemos - a desmaterialização do dinheiro é imparável e passa não apenas pela utilização massiva de cartões (aconselhada pelo Banco de Portugal por questões de segurança e custo), mas até pela própria desmaterialização dos cartões, dissolvidos num app para smartphone?

Como compreender então esta guinada do Pingo Doce e de Pedro Soares dos Santos?

A ideia até pode correr bem (as pessoas esquecem depressa) e não ter quaisquer efeitos negativos. Mas também pode correr mal, o que para muitos gestores seria o suficiente para não tomar uma decisão destas numa altura tão delicada para o país e perante o ganho relativamente pequeno que ela representa nas contas do grupo: cinco milhões de euros. Os riscos evidentes que comporta são, à partida, maiores do que os ganhos que traz. Na verdade, é uma distração que, para já, revela uma gestão que começa a tornar-se errática. Será também errada? Ou é o Continente que anda a dormir? Dentro de um ano faremos as contas.

P.S. São 16h30 (terça-feira) e o Jumbo admite seguir o exemplo do Pingo Doce. Ora aqui está o problema: se o Pingo Doce faz, os outros seguem e o consumidor lixa-se, porque perde uma vantagem (pagar com MB contas abaixo dos 20 euros). Não é o fim do mundo, mas é mais um recuo que a pobreza do país provoca. O Pingo Doce nunca faria isto numa altura normal ou de vacas gordas: faz agora porque está à procura de dinheiro para compensar a queda do consumo que se manterá pelo menos mais um ano. Portanto, é sempre a mesma história: pobreza que gera pobreza, neste caso de serviço. Nem vale a pena dizer que a SIBS cobra enormidades em comissões. No único estudo que conheço (para a EPCA), Portugal está na média, embora a média suba muito por causa da Polónia, que paga o dobro de Portugal. Se olharmos apenas para a Zona Euro, estamos realmente acima, embora tenham de ser tidos em conta diferenças de volume de negócios, número de habitantes, etc., que ajudam a fixar a comissão (o preço do serviço). Ou seja, que se pressione a SIBS e a Unicre e os bancos a baixar as comissões -- esta e outras. Faça-se o que se tiver a fazer, mas que não se penalizem logo os consumidores, os mais vulenráveis da equação. Estamos muito fartos de pontapés. Agora até o Pingo Doce, o amigalhaço dos preços baixos, deu numa de troika: olhou para os números, esqueceu-se das pessoase castigou o elo mais fraco.

Escreve de acordo com a antiga ortografia

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