A agenda de Márcio está dividida em quatro cores: azul (40%) é gente. Verde (40%) é futuro. Vermelho, (10%) são assuntos urgentes. E os restantes 10%, a branco, correspondem aos assuntos pessoais. . Márcio Utsch, brasileiro de 53 anos, é presidente do grupo Alpargatas, dono da Havaianas e Dupé, Rainha e Topper - líderes nos seus segmentos - e fabricante da americana Timberland e da japonesa Mizuno para o Brasil e a América Latina, respetivamente. . "Nunca consigo fazer como eu quero. Gasto 40% do meu tempo a entrevistar pessoas e a olhar o modo como elas fazem as coisas, e outros 40% a pensar no futuro da empresa. Mas nunca consegui fechar isso certinho. Mas pelo menos tenho uma meta. Trabalho assim para valorizar gente, porque acho que o principal ativo de uma empresa são as pessoas", explica. . O trabalho de Márcio tem três pilares: balanço saudável da empresa, marketing e pessoas. "Balanço porque a empresa tem de gerar valor. Marketing porque é preciso mostrar o que a gente faz - se não tivermos bom produto, temos de competir por preço e essa competição já está perdida para o chinês. E pessoas porque, se o balanço e o marketing forem bons mas a empresa tiver pessoas medíocres, elas acabarão com esses dois pontos positivos", esclarece o presidente da Alpargatas. . A carreira de Márcio no sector do calçado começou depois dos cursos de Direito e de Administração de Empresas, com um negócio próprio, a empresa Andar Perfeito. "Eu tinha obsessão pela perfeição. Criei uma fábrica de calçado infantil muito revolucionária para a época porque a caixa onde vinham os sapatos era umas três vezes maior do que o par. Dentro, eu colocava palmilhas para os diferentes tipos de pisada", recorda. . A ideia dava aos clientes a possibilidade de adaptarem o sapato ao tipo de pé e de andar. "Havia dentro um manual de instruções de como lavar, tratar, guardar. E, ao dispor, uma linha de apoio gratuita para a qual as mães das crianças podiam ligar e falar com estagiários e finalistas de cursos como Ortopedia ou Pediatria. Virou um sucesso e vendi muito, só que não tinha oportunidade de exportar." . A entrada para a Alpargatas como diretor de Marketing aconteceu em 1995, ano em que a empresa passava por grandes dificuldades e a administração mudou. Márcio vendeu a Andar Perfeito e passou a dedicar-se a 100% à Alpargatas. A época coincidiu com uma mudança de política da empresa e, sobretudo, na marca. Até 1996 a Havaianas tinha apenas um modelo, a sandália TOP. "Queríamos ter uma marca muito grande que fosse só nossa. Começámos a fazer crescer a Havaianas a partir daí. Porquê? Havaianas eram uma coisa básica no Brasil; com preço baixo, eram o calçado das pessoas com menor poder aquisitivo. Era sinónimo de produto barato, durável e de alta qualidade. Porém, começámos a entrar num sector mais 'cool' e as pessoas com maior poder de compra queriam um produto mais colorido." Compravam Havaianas e trocavam as solas, para ficarem com a base de cor diferente. . "Percebemos que havia um mercado grande para transformar a Havaianas numa marca com mais produtos e mais agradável. Começámos a trabalhar com formadores de opinião, cores, propaganda, comunicação interna e clientes, relações-públicas. A criar festas, a ter eventos. Hoje, no Brasil, é moda levar Havaianas para os casamentos. As mulheres descalçam os saltos altos e aí começa a festa. É mais gostoso e confortável", diz Márcio. . Mas Havaianas não é só moda no Brasil - onde cada brasileiro tem, em média, 25 pares de chinelos. Portugal é o maior mercado europeu da marca e compete com a Austrália como segundo maior mercado mundial por cada mil habitantes, logo a seguir ao Brasil. . Em 2011, a Alpargatas faturou 2,6 mil milhões de reais (mais de mil milhões de euros), um aumento de 15,4% face ao ano anterior, muito motivado pela presença da Havaianas em 85 mercados - um número que não para de aumentar. Este ano, a marca entrou no Paquistão, na Índia e na China e o mercado asiático deverá ser o que mais aumentará nos próximos anos. . Mas, no ano em que comemora o 50.o aniversário, Havaianas já não é só marca. É nome de produto. A cada segundo, a fábrica de Campina Grande produz dez pares; funciona 24 horas por dia. A nova fábrica, em Minas Gerais, deverá aumentar 30% a 40% a produção a partir de janeiro, fazendo também crescer o número de trabalhadores da empresa - que já ultrapassa 17 500 pessoas, incluindo cinco mil fora do Brasil. A nova fábrica terá um enorme compromisso com o meio ambiente e a população da região. "Na entrada, um museu contando a história do calçado no Brasil e uma sala para receber os alunos das escolas da cidade, que poderão usar dias ou semanas a cada ano para darem aulas na fábrica Havaianas", explica Márcio. A ideia é integrar os filhos e outros familiares dos trabalhadores da empresa e também os estudantes, para perceberem como todo o processo funciona. . "Vai ser possível observar a produção de cima e em 360 graus. Orientar as crianças para a ideia de que o trabalho enobrece e é bacana e que não precisam de se envolver com drogas nem roubos porque o trabalho não é difícil nem um bicho-de-sete-cabeças, antes uma coisa que dá prazer." . A fábrica terá um processo de produção vertical em altura até 22 metros - o equivalente a um prédio de seis ou sete andares. "Em vez de gastar energia com a deslocação horizontal, os produtos sobem através de um eletroíman e descem com a gravidade. A nova fábrica vai produzir muito mais com menos recursos", assegura Márcio, referindo-se à nova unidade construída num terreno com 370 mil metros quadrados dos quais apenas 90 mil estão ocupados (o que permite uma ampliação sempre que seja preciso aumentar a produção). . Não admira que a Havaianas seja a marca principal que assegura quase metade da faturação da Alpargatas. "Somos uma marca que representa o Brasil no exterior. O Brasil exporta minério de ferro mas ninguém sabe que é brasileiro. Exporta café, mas você bebe café na Itália - o melhor do mundo - e esse país não produz um grão de café. Na Suíça come o melhor chocolate, mas o país não produz cacau. Somos protagonistas nesse sentido. A Havaianas é uma marca de bens de consumo e assumiu o papel da Varig como representante do país no mundo", diz Márcio Utsch. . Os próximos anos servirão para provar mais. A marca deverá lançar, no inverno de 2013/14, uma linha de roupa que seguirá as pisadas dos ténis, alpargatas e, mais recentemente, das galochas Havaianas, produtos pensados para evitar que no hemisfério norte a marca desapareça "das vitrinas das lojas" durante o inverno. "É um legado bastante importante podermos mostrar aos brasileiros que é possível vender uma marca nossa também fora do Brasil. E foram precisos mais de 40 anos para a gente poder mostrar isso."