Joe Nicchi usa por vezes uma fita no cabelo meio comprido que dá com a barba já um pouco grisalha e lhe empresta uns ares a Joe Manganiello, o marido de Sofía Vergara e um dos protagonistas de “Sangue Fresco”. Nicchi abriu uma carrinha de gelados em 2014 para ajudar a pagar as contas da sua vida de actor, como tantos outros em Los Angeles, e é comum vê-lo a servir chocolate, baunilha ou twist no calor tórrido da cidade. Cada gelado custa 4 dólares e é servido numa carrinha de aspecto vintage, uma Mister Softee dos anos 60. Era uma questão de tempo até hordas de influenciadores quererem tirar fotos junto dela..Mas com um negócio simples e sem fanfarra, o dono da carrinha de gelados CVT Soft Serve não achou graça aos campeões das hashtags. Ao longo dos últimos meses, Joe Nicchi começou a ser interpelado com frequência por auto-proclamado influenciadores, que lhe acenavam com milhares de seguidores e propunham um posty a promover os seus sabores. Em troca, pediam gelados gratuitos. O fenómeno começou com um prodígio do Instagram aqui, um Youtuber ali, e em pouco tempo tornou-se numa praga..O fenómeno dos micro-influenciadores é interessante, mas também banaliza o conceito: quando toda a gente é um influenciador, ninguém é um influenciador. Foi para acabar com os pedidos constantes de borlas que o dono da CVT Soft Serve mandou fazer um sinal que instalou na sua carrinha: Influenciadores Pagam o Dobro. Um cliente habitual escreveu sobre isso no reddit, o actor tornado empresário tirou uma foto com as palavras e o post na conta de Instagram da empresa tornou-se viral. A mensagem foi notícia nos meios locais em Los Angeles e acabou por chegar a outros cantos do mundo, desde a Austrália a Marrocos e à Noruega, não só porque tem a sua piada, mas porque chegámos a um ponto de inflexão nesta economia da influência..Não é só este dono de uma carrinha de gelados que está farto dos auto-denominados influenciadores; agora que os números de seguidores são considerados moeda de troca, qualquer utilizador que tenha algum sucesso no Instagram pega no perfil e usa-o para conseguir coisas gratuitas. Gelados na rua, almoços no restaurante, manteiga de amêndoa no mercado, t-shirts na banca do paredão, massagens no SPA. Uma das maiores vantagens que esta nova leva de influenciadores vê na sua legião de seguidores é poder conseguir coisas de graça. Parece não ser tratar de construir uma marca pessoal ou ter uma narrativa com significado, mas de conseguir coisas gratuitas. É a mesma motivação por detrás dos personagens que criam campanhas no GoFundMe para pagarem as suas férias de sonho ou simplesmente financiarem o seu estilo de vida boémio (já ouviram falar dos begpackers? Havemos de lá passar)..Usar a fama para não pagar é tão antigo quanto a noção de celebridade, mas até há pouco tempo esse conceito estava reservado a personalidades de outro calibre – costumava ser necessário ter uma carreira de sucesso nalguma área. A ascensão das Kardashian e outros nomes que se tornaram famosos por serem famosos, uma espécie de fama circular que não se percebe onde começou nem porquê, gerou a convicção de que qualquer pessoa pode ascender a um estatuto superior se tiver um número suficiente de pessoas que se interessam por si. Mesmo que não tenha outro talento discernível que a capacidade de conquistar milhares de seguidores – ou de os comprar ou trocar. Like4like, escrevem nas hashtags..Com as marcas a inundarem o mercado de patrocínios e colaborações, era uma questão de tempo até as borlas se tornarem um atractivo. Principalmente num mercado como Los Angeles, onde aspirantes a modelos, actores e músicos desaguam de forma regular..“Não podíamos estar menos interessados em quantos seguidores tens e ficamos super embaraçados por ti quando nos dizes”, escreveu a CVT Soft Serve numa publicação a anunciar o novo preçário para quem se chegue à carrinha a dizer que é influenciador. Dois dias mais tarde, a empresa elaborou. “Nós realmente não queremos saber se és um Influenciador, ou quantos seguidores tens”, escreveu na legenda da imagem com o sinal que Joe Nicchi mandou fazer. “Nunca te vamos dar um gelado de graça em troca de um post na tua página de rede social. É literalmente um item que custa 4 dólares… bom, agora são 8 para ti.”.Nicchi já partilhou várias vezes capturas de ecrã com propostas que lhe chegam por email para patrocinar eventos e influenciadores com gelados gratuitos. É uma “excelente oportunidade” e vai dar-lhe “imensa exposição”, argumentam. Nicchi, que nunca se meteu com sabores de unicórnio e só serve três tipos de gelados, não precisa nem quer saber desses cambalachos..Para todo o movimento excessivo existe um contra-movimento, uma contra-cultura. Se não forem os anti-influenciadores, serão empresários que querem vê-los pelas costas. Nota mental: se é preciso interpelar o dono de uma carrinha de gelados e pedir para não pagar os 4 dólares que um gelado custa, essa influência não vos serve de muito e a carrinha não precisa dela.