A sobretaxa vai desaparecer ao longo de 2017 de forma gradual e por fases, acabando no final de março para os contribuintes que ganham menos e no final de novembro para os que ganham mais de 80 mil euros por ano. Este acabou por ser o esquema escolhido pelo governo para eliminar a sobretaxa, o que lhe permite poupar 180 milhões de euros face a um cenário de extinção total, logo em janeiro.
A saída de cena da sobretaxa vai ser feita através da retenção na fonte - ainda que o apuramento final se faça apenas na declaração anual. Assim, entre janeiro e março os contribuintes do 2.oº escalão de rendimento coletável (entre os 7091 e os 20 261) farão descontos idênticos aos de 2016, mas em abril deixam de fazer retenção na fonte. Para os que estão no escalão seguinte (20 261 até 40 522) a sobretaxa extingue-se no final de junho e sai de cena no final de setembro para quem conta com um rendimento coletável anual entre os 40 522 e os 80 640 euros.
Já os contribuintes que estão acima deste patamar dos 80 640 euros anuais manterão o pagamento da sobretaxa em moldes exatamente idênticos aos atuais até novembro e só em dezembro se verão livres deste adicional ao IRS. No final, todos pagarão menos do que neste ano, e é isso que justifica que um contribuinte que aufere dois mil euros por mês veja o seu rendimento líquido aumentar em 165 euros (ver infografia).
Esta saída de cena da sobretaxa foi construída de forma a adequar as retenções na fonte ao imposto efetivo que cada contribuinte tem a pagar. “Na esmagadora maioria dos casos, a sobretaxa que vai ser paga pelos contribuintes do 2.o escalão durante os três primeiros meses do ano corresponde à sobretaxa efetiva e não haverá lugar a pagamentos adicionais”, exemplificou Fernando Rocha Andrade.
A sobretaxa efetiva aplicada ao longo de 2016 aos contribuintes do referido 2.o escalão corresponde a 1%. Mas em 2017 baixará para 0,25% e é esta redução que leva a prever que três meses de retenção na fonte (um quarto do ano) são suficientes. Nos 3.oº e 4.oº escalões, esta solução de eliminação gradual fará que a sobretaxa efetiva baixe dos atuais 1,75% para 0,88% e de 3% para 2,25%, respetivamente. No escalão mais elevado de rendimentos, a taxa efetiva baixará de 3,5% para 3,21% - daí que lhes seja mantida a retenção na fonte até novembro.
Esta ligação quase direta entre a retenção na fonte e as novas taxas efetivas da sobretaxa levam os fiscalistas a lembrar que a retenção é apenas um adiantamento por conta realizado por trabalhadores dependentes e pensionistas, mas que só na entrega anual da declaração do imposto é que as contas são efetivamente feitas. E é também nesse momento que são considerados outros rendimentos, como os recibos verdes ou mais-valias, por exemplo.
Além disso, como sublinha Anabela Silva, partner da EY, a fórmula de cálculo mensal da sobretaxa é distinta da anual. É que, enquanto na primeira, a retenção na fonte incide sobre o salário ou pensão líquida (descontado o IRS normal e as contribuições para a Segurança Social) depois de deduzido o valor do salário mínimo nacional; o cálculo de apuramento anual tem em conta o rendimento abatido da dedução específica de 4104 euros ou dos descontos para a Segurança Social, se superiores. Mas cada caso é um caso e se para uns a retenção vai ser suficiente, para outros não será.
“Escolhas sustentáveis”
Mário Centeno justificou ontem este modelo para acabar com a sobretaxa, assinalando que “governar é fazer escolhas sustentáveis” e que foi este caminho que levou o governo a decidir aliviar quem menos ganha mais cedo.
Nesta escolha “sustentável” pesou seguramente o esforço orçamental da medida. A sobretaxa ainda vai render neste ano cerca de 380 milhões de euros (valor líquido e que tem apenas em conta a participação dos trabalhadores dependentes e pensionistas). Em 2017, e devido ao desenho adotado, renderá 180 milhões de euros. Ou seja, o governo contará com menos 200 milhões em vez de prescindir de 380 milhões de euros.
“A sobretaxa acaba em 2017 e no mês de dezembro de 2017 todos os trabalhadores poderão olhar para o seu recibo de vencimento, e pensionistas para a sua pensão, e ninguém lá verá nenhuma retenção de sobretaxa”, afirmou Rocha Andrade.
Atualização dos escalões
A par da sobretaxa, o IRS traz uma outra medida que acabará por se traduzir numa descida de imposto para os contribuintes: a atualização dos escalões à taxa de inflação deste ano (0,8%). Trata-se do segundo ano consecutivo em que esta atualização é feita e que interrompe um longo período de congelamento.
Os escalões de rendimento coletável correspondem à parte do rendimento dos contribuintes que é efetivamente sujeita a imposto, sendo os limites relevantes para a determinação da aplicação das taxas do IRS.
Esta atualização é relevante sobretudo para os trabalhadores e reformados que tenham algum aumento de salários ou de pensões, pois salvaguarda que as atualizações de rendimento levem uma subida automática no escalão e na respetiva taxa aplicável. Já neste ano, o governo tinha atualizado os escalões do IRS à taxa de inflação, sinalizando que retomaria esta prática daí em diante. Por concretizar continua a promessa de aumento dos escalões, que mantêm o figurino desenhado em 2013 pela equipa de Vítor Gaspar.
Outra das mudanças no IRS abrange os casais e a opção pela tributação em conjunto, com o OE a eliminar de vez a parte do artigo que apenas possibilitava a tributação junta quando a declaração do IRS era entregue dentro do prazo.
Esta indexação entre a opção pelo regime e a data de entrega causou vários dissabores aos contribuintes que se atrasaram a submeter a declaração anual e levou o governo a propor à Assembleia da República a criação de um regime excecional para que estas situações possam ser revertidas. ; A tributação em separado continua, no entanto, a ser o regime regra, dando aos contribuintes a possibilidade de optar.
IRS automático
Outra das mudanças do IRS que integram este OE tem que ver com a data de entrega da declaração, abrindo caminho para que a partir de 2017 todos disponham de dois meses (de 1 de abril a 31 de maio) para acertar as suas contas anuais com o fisco, independentemente do tipo de rendimentos auferidos. Deixa, assim, de haver prazos para as chamadas 1.ª fase (rendimentos de trabalho dependente e pensões) e da 2.ª fase (restantes rendimentos).
Além disto, os contribuintes que em 2016 apenas tiveram rendimentos de trabalho por conta de outrem ou de pensões vão ser abrangidos pelo novo modelo de entrega automática do IRS. Para serem “elegíveis” para este automatismo não podem ter dependentes nem ter deduções com ascendentes. É ainda necessário que tenham auferido apenas rendimentos com origem no território nacional e que não sejam residentes não habituais. As estimativas apontam que um milhão de pessoas cumpre os requisitos.
Mais isenção na deficiência
A isenção que é dada aos rendimentos auferidos pelos deficientes vai aumentar em 2017: sobe de 10% para 15% quando estejam em causa rendimentos de trabalho por conta de outrem e independente. Ou seja, o fisco considera apenas para efeitos de aplicação do IRS 85% do total dos rendimentos (contra os atuais 90%), mas mantém o limite de 2500 euros de benefício máximo que pode resultar desta fórmula de apuramento da tributação.