João Portugal Ramos fotografado em Estremoz, em 2022
João Portugal Ramos fotografado em Estremoz, em 2022Rita Chantre

João Portugal Ramos afasta ideia de reforma breve e reforça no Douro

Sucessão na João Portugal Ramos irá acontecer “de forma orgânica e não tem data marcada”. Para já, fundador e empresário continuará a liderar a empresa que fatura 30 milhões ao ano e exporta para dezenas de geografias. E inaugura este ano mais uma adega própria
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A João Portugal Ramos são atribuídos muitos adjetivos. É conhecido como o pai dos vinhos do Alentejo, o decano dos enólogos portugueses e por aí vai. São nomes que carrega com simplicidade e orgulho, mas que pouco mudaram a forma como foi olhando para a vida ao longo dos mais de trinta de anos em que vai caminhando em nome próprio no mundo do vinho. A João Portugal Ramos (JPR), empresa que nasceu formalmente no início dos anos 1990, continua a afirmar-se no setor, pertencendo à percentagem “de menos de 10% de empresas que fazem do vinho a atividade principal”, como conta ao Dinheiro Vivo, numa grande entrevista em que partilhou o estúdio com João Maria Portugal Ramos, um dos dois filhos que já integra a empresa, e enólogo tal como o pai.

A conversa, que poderá ser vista e lida no Diário de Notícias, durante a próxima semana, teve como mote o 130.º aniversário da CR&F, empresa que foi adquirida pelo grupo em 2016. Mas a entrevista foi também uma boa oportunidade para olhar para os negócios de um grupo que nasceu no Alentejo e que entretanto foi ganhando terreno não apenas fora de portas mas também dentro do país, com a aquisição de terrenos em várias regiões vitivinícolas nacionais. Atualmente, a JPR tem presença em quatro diferentes regiões - Alentejo, Beiras, Douro e Vinhos Verdes - e este ano vai, inclusivamente, inaugurar a adega do Douro. “Um investimento que tinha de ser feito, porque estávamos com uma adega alugada e...”, diz com um sorriso o empresário que, minutos antes, tinha referido que finalmente a empresa começava a respirar mais tranquilamente em termos financeiros.

Os investimentos regulares e consistentes - apesar de cautelosos - têm condicionado, mas nada que o preocupe de sobremaneira. Para crescer é preciso investir, sabe.

Mas recuemos umas décadas para recordar o percurso do nome que, hoje, é conhecido por todos os apreciadores de vinhos: começou a trabalhar como consultor na década de 1980, tendo-se afirmado rapidamente em várias regiões do país depois de ter catapultado para um novo patamar os vinhos tintos do Alentejo. Em 1989, e a viver em Estremoz, compra os primeiros hectares de terreno para experimentar fazer vinhos em nome próprio. Três anos depois faria a sua primeira vindima e chega ao mercado o João Portugal Ramos - Vila Santa. Foi neste ano que a empresa, com o seu nome, foi oficialmente criada, mas seria preciso esperar até 1997 para que a JPR vinificasse em instalações próprias. Deixava para trás o arrendamento e arriscava mais um degrau.

Com a construção da Adega Vila Santa nasce, também, o primeiro Marquês de Borba. Uma referência que, praticamente trinta anos depois, continua a ser a marca mais reconhecida do grupo, e uma das favoritas do fundador da JPR. É, também, aquela mais vende, logo seguida da Duorum, que nasceu no Douro e que tem apenas 15 anos de vida. Uma surpresa pela rapidez com que se afirmou, admitia há uns anos o gestor.

O crescimento para outras regiões nacionais, depois de tantos anos focado no Alentejo, acontece de forma relativamente orgânica: durante muitos anos, JPR foi o responsável pelos vinhos da Quinta da Foz de Arouce, na Beira Baixa, que pertenciam aos seus sogros. E, portanto, em 2005, a integração desta propriedade e do respetivo portefólio, aconteceu de forma natural. Era o primeiro passo em direção ao norte de Portugal, que foi rapidamente seguido por uma aposta no Douro. Em 2007, com o seu amigo e colega José Maria Soares Franco, decide avançar com a Duorum, uma marca que marcou rapidamente o panorama dos vinhos de mesa daquela região e do país, na sua gama. Daí até aos Vinhos Verdes foram precisos apenas mais três anos, e, no espaço de uma década, a JPR tinha passado de Estremoz a quatro regiões portuguesas.

O projeto nos Vinhos Verdes era, inicialmente, exclusivo para o mercado internacional, mas em 2013 é paresentado ao mercado o Alvarinho João Portugal Ramos, que não acolhe significativa aceitação dentro como fora de portas. Em 2024, a JRP muda a sua operação na região dos Vinhos Verdes de Menção e Melgaço para Ponte de Lima e aposta significativamente na casta Loureiro.

É também nesta altura que João Maria Portugal Ramos começa a trabalhar na JPR. Integra a equipa de enologia, que tem como Enóloga e Diretora de Produção a reconhecida Donzília Copeto, há décadas no grupo, e como diretor vitivinícola da Quinta de Foz de Arouce e da Duorum João Perry Vidal. O diretor de viticultura do Alentejo é, atualmente, Marco Laranjo.

“Isto é uma mistura de ciência e de arte, mas é mais ciência. É muita tentativa e erro”, acredita João Maria que, em 2015, lançaria o primeiro vinho em conjunto com o pai: o Pouca Roupa. “Estamos aqui todos os dias, conhecemos as vinhas, somos nós que as plantamos, sabemos o que temos de cada vinha, ano após ano… Não fazemos alquimia mas, sabendo o que o mercado quer e o que nós gostamos de fazer, conseguimos idealizar o vinho que queremos pôr na prateleira: fazemos vinhos bem-feitos que representam o terroir onde nascem”. Na JPR, a equipa é democrática, e o rumo está traçado todos os anos, ainda as vinhas estão a descansar da vindima anterior.

João e João Maria Portugal Ramos estiveram nos estúdios do Dinheiro Vivo. Julho 2025
João e João Maria Portugal Ramos estiveram nos estúdios do Dinheiro Vivo. Julho 2025Reinaldo Rodrigues

“Estamos alinhados desde o momento em que começamos a trabalhar cada parcela de cada vinha”, garante João Portugal Ramos. “Depois, todos provamos, todos opinamos, mas estamos todos tão alinhados que raramente há grandes discussões sobre o produto final”, admitem pai e filho. É como se a dança, ao fim de muitos anos, já estivesse perfeitamente sabida. Até porque João Portugal Ramos tem uma forma prática de fazer funcionar aquilo que acredita ser o caminho certo: “Primeiro decido o que quero fazer, e depois procuro as pessoas certas para o fazer acontecer”, confessar-me-ia há uns anos, durante uma outra conversa.

A faturar mais de 30 milhões de euros por ano, continua a ter na exportação o seu garante de estabilidade. “Exportamos cerca de dois terços do que produzimos, e o restante terço fica no mercado nacional”.

Está, para já, confortável com este equilíbrio, mas não rejeita o crescimento fora de portas, se ele acontecer de uma forma que não ponha em causa a estabilidade da empresa. E olha com alguma apreensão - mas sem pânico - para as decisões de Donald Trump relativamente às taxas a aplicar sobre os produtos nacionais. “Acima de tudo, preocupa-me a incerteza. Já foram 200%, agora pagamos 20%, mas entretanto vão ser 30%. E enquanto andamos nisto, os negócios não acontecem”, porque todos os comerciantes ficam reticentes sobre o novo passo a dar.

A CR&F e a sucessão

Em 2016, por uma questão de oportunidade, a JPR adquire a CR&F. A empresa, criada em 1895, produz uma das mais reconhecidas aguardentes vínicas nacionais, na região DOC Lourinhã. O que a torna ainda mais especial. Recorde-se que a 'Lourinhac' é uma das únicas três regiões no espaço Europeu, em posição de igualdade com as francesas Armagnac e Cognac. “Já éramos distribuidores da marca, e surgiu a oportunidade de aquisição. O facto de haver, à data, seis interessados na empresa, mostra bem a força da CR&F. Portanto, foi um movimento mais ou menos óbvio para nós”, conta João Portugal Ramos, que admite ainda que foi, para toda a equipa, um desafio cheio de descobertas, o início da produção da aguardente. “Mas agora, para mim é muito mais óbvio quando algo não está bem na aguardente. Nos vinhos já me custa mais”, admite, divertido.

A CR&F representa, atualmente, 20% da faturação do grupo, e tem nos EUA, Canadá. Luxemburgo, França e Suíça os seus melhores mercados, exportando atualmente cerca de 30% da produção. Uma percentagem que gostava de ver aumentar, o que espera conseguir também com o contínuo lançamento de novos produtos, mais premium, tal como tem feito desde que a CR&F integrou o grupo.

Aliás, gostaria mesmo que a exportação desta referência chegasse aos mesmos níveis do vinhos - ou seja, que fosse de cerca de 66% - mas duvida “de que cheguemos lá”. O segredo poderá estar nas novas gerações, mais dispostas a aprender e que parecem, de alguma forma, estar a olhar de outras formas para os destilados, apesar do elevado volume de alcool. Mas, para já, a JPR está confortável com a forma como o negócio corre.

Aos 72 anos, e com dois dos cinco filhos a trabalhar na empresa, João Portugal Ramos afasta, para já, uma saída da gestão. “Se eles não quisessem assumir a empresa, eu já me teria reformado há muito tempo”, diz ao Dinheiro Vivo. Mas desde que eles começaram a mostrar-se interessados, faz-me sentido continuar.” Para além de João Maria, está também nos quadros da empresa, responsável pela área do Marketing, Filipa Portugal Ramos, que se juntou ao grupo depois de alguma experiência em multiancionais.

“O meu pai nunca se vai reformar”, atira, por seu lado, João Maria Portugal Ramos. “Estamos bem, assim”.

Para pai e filho, a sucessão é algo que acontecerá de forma orgânica, mas não está pensada, estruturada e não tem data marcada. Vai dar-se quando fizer sentido a todos. “Eu já não faço nada”, diz, divertido, o fundador da JPR, enquanto se prepara para os últimos dias de descanso antes das vindimas, prestes a começar. “É a altura mais divertida do ano. Adoro”, remata. Pelo que as continuará a fazer até se sentir como agora. Divertido com o trabalho que tem em mão.

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