A carta que Maria Gabriel de 5 anos pediu à mãe para traduzir para inglês, no Natal de 2013, percorreu os mais de 4900 quilómetros que separam Portimão da Aldeia do Pai Natal em Rovaniemi, na Finlândia..Fomos encontrá-la junto a tantas outras, que ajudam a dar forma ao arquivo da Estação de Correios do Pai Natal. As listas de pedidos, longas e detalhadas, não diferem desta que veio do Algarve. “Olá, Pai Natal, chamo-me Maria e este ano portei-me muito bem. Por favor, dá-me um, ou mais do que um, destes presentes da lista”, escreve Maria, pela mão da mãe, numa lista em que junta livros, roupa, bonecas e brinquedos com nomes difíceis aos pedidos que tem para o velhinho de barbas. No final, acrescenta: “Podes guardar uma destas prendas para o Natal do ano que vem.”.Leia também: Finlândia. Depois das críticas a Portugal e Grécia, a austeridade.O Santa Claus Main Post Office, onde a carta de Maria se junta a tantas outras, é paragem anual de 32 mil cartas e está integrado no sistema nacional de Correios da Finlândia. Desde que abriu portas, em 1985, já recebeu 16,5 milhões de pedidos de meninos e meninas de 198 países. A logística é enorme, mas tudo ali é gratuito – com exceção para os souvenirs e bugigangas alusivos à época. Oelfo mais antigo daquela estação – com direito a barrete e vestimenta a condizer – não tem dúvidas sobre o motivo:“Fazemos um serviço público mundial. Todas as crianças escrevem ao Pai Natal e todas as crianças querem conhecê-lo.”.São elas o público mais fiel da Aldeia do Pai Natal, um espaço formado por várias empresas que aproveitam o mesmo local para falar de Natal e fazer crescer o número de turistas da Lapónia finlandesa. Em 2014, contaram-se quase meio milhão de visitantes, 90% do estrangeiro. Entre receitas e postos de trabalho, o retorno da aldeia para a economia é de 250 milhões de euros. Mas a Lapónia dá um contributo maior à Finlândia: 600 milhões todos os anos..A grande atração da região é o próprio Pai Natal, figura que está disponível todos os dias do ano, apesar de no inverno as visitas serem mais frequentes. Oserviço é gratuito e dá direito a uma longa espera, temperada por um dedo de conversa personalizado. “Where do you come from? Portugal? Olá, bom-dia.” O português deste Pai Natal não vai mais longe, senão para dizer “adeus” no fim da curta conversa onde também há espaço para uma fotografia (a compra é opcional). A fila corre, a sala fecha-se e o Pai Natal volta a repetir a mesma lengalenga uma e outra vez. Mudam o arranque e o final: Buenas tardes; Bonjour, Good morning, Guten morgen. O inglês ajuda a dizer o resto: “Lembra-te de ser um bom menino, daqui a uns dias vou visitar-te. Um Feliz Natal.” Entre sorrisos de quem faz o que faz com gosto, despede-se. Não falta, sequer, o HO, HO,HO! do imaginário coletivo, para completar o cenário encantado..Mas nem aqui, onde as histórias se confundem com a realidade, a crise passa ao lado. No arranque do segundo semestre do ano, a oficina do Pai Natal viu-se enredada em dívidas. Sem novo investimento, o Pai Natal não estaria disponível para receber mais crianças. Estavam por pagar mais de 200 mil euros, dívida que foi saldada no último dia possível graças à entrada da Lappland Safaris no capital da oficina. O negócio desta empresa com 30 anos de história assenta na exploração da natureza e das temperaturas frias, mas foi pela manutenção do imaginário – e menos pela rentabilidade do negócio – que avançaram. Compraram o negócio à Dianordia, antiga acionista, e já estão a explorar a oficina..“A nossa história é pegar em turistas e levá-los a ver os milagres da natureza. Levá-los a gostar dos 35 graus negativos que chegam a estar lá fora. Mas o Pai Natal é a base de tudo o que nos rodeia aqui. É uma figura que tem de estar presente, um negócio que é paixão. Não podíamos deixar o Pai Natal naquela situação de falência”, contou ao Dinheiro Vivo Juha Niva, CEO da Lappland Safaris e responsável pelo resgate financeiro daquele espaço..É pelo imaginário que “tudo vai continuar gratuito porque o Pai Natal é de todos”. Mas os novos acionistas estão a procurar um mecanismo “para tornar aquele negócio rentável”. Niva não explica como vai integrar a oficina nos planos do grupo, mas admite que “manter o espírito do Natal é um bom unificador” para os restantes negócios que dirige. “Desde que atingimos a maturidade nos anos 90, só tivemos um ano de prejuízo, em 2009, depois da crise rebentar. Não temos um negócio muito voltado para as vendas ao exterior, por isso não sentimos muito a crise atual, mas sabemos que foi a crise que levou o Pai Natal ao desastre financeiro”, diz Juha Niva, que recebe cerca de 150 mil turistas todos os anos..As entradas gratuitas na oficina do Pai Natal estão longe de ser a razão das ameaças financeiras. O grande problema está na escassez de visitantes russos, durante anos um dos principais clientes da Finlândia e maior fonte de turistas para o país..“Rovaniemi ainda não é conhecida como destino de verão, por isso temos margem para crescer. Em dezembro recebemos mais 10% de visitantes do que no ano passado e o alojamento está praticamente a 100% nos meses de inverno”, conta Sanna Kärkkäinen, diretora executiva do portal e dinamizador turístico Visit Rovaniemi. “Temos de aprender a vender o verão, especialmente agora que os turistas russos deixaram de nos procurar”, afirma, lembrando que depois das sanções económicas que a União Europeia decidiu aplicar à Rússia pela alegada ajuda de Moscovo aos separatistas da Ucrânia, a procura da Lapónia por turistas russos caiu, só em 2014, 60%. Reino Unido, França e Itália dão agora o maior impulso ao turismo da região. Menos pelo Pai Natal e mais pelas cósmicas auroras boreais que a luz solar faz refletir nos céus noturnos do norte da Finlândia – não há mais de duas/três horas iluminadas nesta altura do ano –, também os mercados asiáticos, como China, Singapura, Taiwan e Japão, ajudam a compensar a falta do dinheiro russo. “Há poucos anos não tínhamos mais de 5000 dormidas anuais de chineses, agora contamos à volta de 13 mil dormidas”, diz Sanna..No total do turismo finlandês, 2013 foi o melhor ano, com um recorde. Em 2014 houve crescimento, mas a presença dos russos caiu 14%. Foram gerados, de acordo com o relatório anual de 2014, 4,3 mil milhões de euros para o PIB..Com espaço para crescer, a Lapónia quer utilizar o turismo para revitalizar a economia. Mas não basta o esforço dos empresários: “Precisamos de mais aviões e de mais camas. Oturismo está a crescer mas ainda é o segundo emprego, em importância, para o casal. Um é advogado, ou médico, ou empresário, o outro trabalha no turismo pela instabilidade do negócio”, diz Ikka Lankinen, dono de uma empresa familiar de entretenimento na Vila do Natal..Também aqui, no Santa Park, o Natal e a proximidade com o Ártico são as grandes atrações. No espaço, construído no subsolo, como se fosse uma caverna de Natal, há jogos e entretenimento para os mais novos – trabalhos manuais; oficinas de biscoitos e chocolates; comboios de Natal; uma sala de gelo e lojas temáticas. Há também um espaço de recreio infantil com baloiços e escorregas do Angry Birds – para aproveitar o renome que o jogo dos pássaros finlandeses tem no estrangeiro. “Gostamos e utilizamos produtos e empresas locais e tentamos colocá-los ao serviço dos nossos visitantes. Mas precisamos de pessoas e de voos.” Overão é, também para Ikka, o maior desafio: “Neste momento, toda a receita que fazemos no inverno desaparece no verão.” Prova de que o negócio abranda é o número de funcionários: 187 no inverno; 15 a 17 no verão..Ainda assim, a expectativa é que a Lapónia venha a crescer como destino internacional de viagens e, por isso, este empresário familiar planeia já a construção de um hotel para juntar aos negócios: “serão mais 900 camas” num espaço onde, para já, só existem 150. “Está tudo a crescer. Somos acessíveis e as pessoas falam inglês. Existem imensas possibilidades. Sabe, há muitos chineses a querer comprar casa para passar férias. Tem que ver com o ar puro”, diz, orgulhoso, numa altura em que prepara uma expansão para a Ásia..Uma das saídas para a dinamização dos negócios passa pela união entre as Lapónias finlandesa, sueca e norueguesa. Apesar da rivalidade entre os países vizinhos – especialmente com a rival Suécia –,´ há vontade para partilhar conhecimentos sobre a exploração das atrações da região para lá das várias fronteiras. “Estamos a construir um quadro de turismo para a Lapónia e a tentar aproveitar potencialidades que existem nos vários países”, conta Rauno Posio, lembrando que “na Noruega o verão é o melhor período, mas não sabem fazer turismo no inverno”. A troca de informações, e especialmente de fluxo turístico, entre empresas de vários sectores é, por isso, um dos grandes trunfos. “Quando se marca uma viagem para as Caraíbas ninguém diz para que ilha vai. Vai para as Caraíbas. Queremos que venham à Lapónia, e não ao Norte da Finlândia, Suécia ou Noruega”, conta..Oarranque do projeto está marcado para o próximo ano, “talvez no inverno”. Mas até lá haverá road--shows, troca de informações entre empresas e três mil milhões de euros de investimento em marketing. “Nunca olhamos para o que se faz no país vizinho. Mas queremos que isso mude pela primeira vez em muitos anos”, diz Rauno, assumindo que há 35 empresas finlandesas envolvidas no projeto e que entre elas se contam hotéis, restaurantes, empresas de animação turística e até companhias aéreas que possam fazer paragens triangulares para esticar os serviços aéreos da região. “A Finlândia precisa de diversificação económica e as empresas precisam de investimento. É nestes períodos em que a situação não está bem que temos de nos empenhar mais”, completa..Este esforço acontece um pouco por todo o país, onde as empresas lutam para se manterem à tona. Com salários demasiado elevados para poderem ser competitivos entre os parceiros da Europa, com uma recessão de três anos em mãos e com menos capacidade para acrescentarem valor depois da queda da Nokia, os empresários lutam diariamente para atrair público para os seus negócios. “Precisamos de melhores ligações aéreas, de mais cooperação empresarial, de mais população jovem e de mais empresas a viajarem”, diz a responsável pelo Visit Rovaniemi..O discurso repete-se na Câmara de Comércio da Lapónia. “Sempre fomos um exemplo na Europa de como a economia funcionava bem. Agora somos o exemplo de como é fácil cair em desastre”, diz pesaroso, Timo Rautajoki, presidente da instituição, que olha com desagrado para a recessão económica que já vem desde 2010 e para a fraca perspetiva de crescimento do PIB para este ano (0,2%)..Não tem dúvidas: na Lapónia, as dificuldades do país são sentidas em dobro, mas o esforço está a compensar. “Temos uma grande variedade de empresas, cerca de 10 mil, o que permite um lucro de mil milhões, mas o crescimento é lento”, diz. “Estamos a publicitar o turismo e temos crescido muito, este sector é muito volátil porque há várias condicionantes externas que mudam tudo. Agrande questão é: a Lapónia já não está em crise, mas a Finlândia está.”