Lemann. O milionário que quer inventar o Presidente do Brasil

Dono das cervejas Budweiser, do Burger King e do tomate Heinz vai investir parte da sua fortuna na formação da nova geração de políticos do país.
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É milionário, sonha com a Presidência da República mas não tem nada que ver com Donald Trump. O brasileiro Jorge Paulo Lemann, de 77 anos, é na verdade um anti-Trump. O dono de uma em cada quatro cervejas consumidas no mundo da cadeia de fast-food Burger King, do gigante alimentar Heinz, da cadeia de supermercados Lojas Americanas e de mais 30 empresas foge dos flashes. E, até há pouco tempo, da política. Este mês apareceu em público, o que é raro, e falou, o que é mais raro ainda, a uma plateia de 800 pessoas sobre as suas novas metas: criar uma nova geração de gestores públicos e fazer um novo presidente do Brasil.

“Eu passei a minha vida inteira a fugir da política, hoje acho isso errado”, afirmou Lemann, detentor de uma fortuna de 32 mil milhões de dólares (mais de 29 mil milhões de euros), que o coloca na posição número um da tabela de milionários brasileiros e membro do top 25 mundial, segundo a revista Forbes. E prosseguiu o raciocínio, em cerimónia de comemoração da Fundação Estudar, instituição criada por ele há 25 anos com o objetivo de oferecer bolsas de estudo a jovens talentosos e esforçados: “A minha esperança é de que os princípios da fundação - a meritocracia, o pragmatismo, a escolha acertada de pessoas, o resultado, o empreendedorismo - sejam adotados pelos governos e, espero por isso, que um futuro presidente do país venha da fundação.”

A Fundação Estudar, que já ofereceu 600 bolsas de estudo, ampliou a esfera de ação: vocacionada para os negócios e para a gestão de empresas, oferece agora estudos em administração pública. Em paralelo, o tycoon brasileiro aposta na tecnologia e na inovação: investiu no Snapchat, rede social de fotos e vídeos com 150 milhões de usuários diários, e na Movile, empresa brasileira que desenvolve startups.

Mas nem sempre Jorge Paulo Lemann foi um adepto dos estudos. Nascido sob o sol do Rio de Janeiro, foi surfista amador nos anos 1950 e tenista profissional nos 60 - competiu em duas Taças Davis, em Wimbledon e em Roland-Garros -, com péssimas notas no primeiro ano em Harvard. Mais maduro, o filho de abastados imigrantes suíços voltou no ano seguinte ao Massachusetts e foi completando sete cadeiras por semestre (a média é quatro), até se formar, em 1961, aos 21 anos, em Gestão.

No princípio da carreira acumulou funções como repórter de economia no Jornal do Brasil e como corretor da Bolsa, decidindo-se, dado o óbvio conflito de interesses, pelo segundo emprego. Passou pelo Credit Suisse antes de fundar a corretora Garantia, inspirada no Goldman Sachs, que se tornaria anos mais tarde o Banco Garantia, onde conheceria Marcel Telles e Beto Sicupira, os seus braços direito e esquerdo até hoje e também membros cativos das listas nacionais e globais de multimilionários.

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REUTERS/Paulo Whitaker[/caption]

Uma das muitas crises económicas no instável Brasil dos anos 1970 serviu para o trio adotar duas regras de ouro nos seus investimentos a partir daí: redução espartana de custos e contratação de poucos mas bons - aliás, os melhores. Seguiu-se a aquisição da rede de supermercados Lojas Americanas, depois da cerveja Brahma e a seguir a fusão desta com a concorrente Antártica. Nascia o império Ambev, que integra também a popular Skol, ao se juntou a aquisição de poderosos grupos internacionais produtores das marcas mais conhecidas do globo, como a Stella Artois ou, mais recentemente, a Budweiser, entre outras. O passo seguinte foi a Heinz. Depois, a Burger King. No futuro, diz-se nos bastidores da alta finança americana, talvez a Pepsi. Em suma, Lemann limita-se a cumprir o seu mantra: “Sonhar grande custa tanto como sonhar pequeno.”

Considerado pelo britânico Financial Times “o Warren Buffett brasileiro”, ouve elogios do mitológico investidor norte-americano a cada entrevista. “Conheci Lemann numa reunião de investidores, falava pouco mas dizia sempre algo relevante, e percebi nesse detalhe a inteligência dele”, afirma Buffett em Sonho Grande, livro sobre o império capitalista montado por Lemann, Telles e Sicupira.

Os “sonhos grandes” nunca tiraram o foco de Lemann, um austero compulsivo. Para essa austeridade contribuiu uma viagem aos EUA para conhecer Sam Walton, fundador da maior cadeia de supermercados do planeta, a Wal-Mart, meses antes de decidir investir nas Lojas Americanas. Chegado à minúscula Bentonville, perguntou a um velho ao volante de uma comercial a cair de podre e cheia de cães a ladrar como faria para encontrar Sam Walton. “Sam Walton sou eu”, disse o velho.

O estilo despojado de Walton não é seguido à risca por Lemann, mas quase. Sobretudo depois de uma tentativa de sequestro sofrida por Susanna, a sua mulher, e por três dos seus seis filhos, Marc, Lara e Kim. O Volkswagem Passat em que seguiam foi alvejado a tiros em São Paulo: valeu a blindagem na carroçaria e o treino do motorista em condução defensiva. Lemann, com dupla nacionalidade suíça e brasileira, partiu então para Zurique, onde vive numa segura mansão, dentro dos possíveis discreta, não muito longe da de Tina Turner.

No final do seu raríssimo discurso sobre a mesma política que antes tanto o assustava, subiram ao palanque três alunos que partiram para estudar no MIT e em Harvard, sob o patrocínio do magnata, com o objetivo de fundar grandes empresas mas voltaram com o desejo de mudar o Brasil como deputados ou ministros. Numa altura em que a presidente afastada Dilma Rousseff e o presidente interino Michel Temer batem recordes de rejeição, talvez um deles venha a ser o tal presidente com que Lemann sonha.

João Almeida Moreira, no Brasil.

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