Medina quer gastar mais 300 milhões de euros com o Banif e o BPN no Orçamento de 2024

Autorização de despesa pedida ao Parlamento equivale ao valor do reforço do abono de família em 2024 ou ao triplo do agravamento no Imposto Único Circulação (IUC). Caso BPN arrasta-se há cerca de 15 anos, mas parece haver, finalmente, luz ao fundo do túnel.
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Os restos dos antigos Banco Internacional do Funchal (Banif) e Banco Português de Negócios (BPN) continuam a exigir esforços adicionais aos contribuintes e ao Orçamento do Estado.

A nova despesa prevista para continuar a apoiar os dois processos ronda 300 milhões de euros, tanto quanto o reforço previsto para o abono de família em 2024 ou o triplo do agravamento planeado para a receita do Imposto Único Circulação (IUC).

O caso BPN arrasta-se há cerca de 15 anos; o do Banif vai fazer oito anos no final deste ano.

De acordo com a nova proposta de OE (OE 2024), que começa a ser debatida na próxima quinta-feira (dias 26) no Parlamento, o ministro das Finanças, Fernando Medina, mostra que que ainda não se consegue livrar dos encargos com o legado daqueles dois bancos privados.

Segundo cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir dos mapas da proposta de orçamento, a maior derrapagem na despesa parece estar concentrada nas entidades que ainda carregam os ativos problemáticos, com menor liquidez e, nalguns casos, ativos tóxicos ou 'lixo' herdados do banco privado de pequena-média dimensão que era o Banif.

De acordo com o levantamento feito, o pedido de autorização de despesa que vai ser feito por Fernando Medina aos deputados da Assembleia da República ascenderá a 258 milhões de euros no caso do universo Banif.

Tendo em conta a maioria absoluta do PS, o objetivo deverá ser bem-sucedido.

Em todo o caso, trata-se de um valor muito significativo, com a agravante de traduzir um aumento de 23% face à despesa orçamentada aprovada para o corrente ano (2023) e mais do dobro da despesa executada em 2022 que, segundo a Conta Geral do Estado referente a esse ano (CGE 2022), gerou um gasto público de 101 milhões de euros.

Casos sérios

A entidade Banif Imobiliária vai precisar de mais 79 milhões de euros em 2024, o Banif S.A. mais um milhão, a sociedade Oitante vai exigir mais 156 milhões de euros e a Wil - Projetos Turísticos um adicional de 24 milhões de euros no ano que vem.

O ex-Banif é, já há alguns anos, a rubrica que mais tem contribuído para o agravamento anual da despesa com apoios públicos à banca.

No final do ano passado, a despesa líquida imposta aos contribuintes por conta da intervenção no Banif já ia em 3 mil milhões de euros, segundo o Tribunal de Contas.

E, pelos vistos, tendo em conta a despesa orçamental, entretanto inscrita nos dois OE subsequentes, continua latente um agravamento da fatura.

O caso BPN é, entre os bancos privados salvos, dos mais pesados para os contribuintes (em termos absolutos, no final de 2022, a fatura já supera os 6 mil milhões de euros, superada apenas pelos 8,3 mil milhões de euros do BES/Novo Banco).

Os veículos ligados ao antigo BES já desapareceram do OE, mas os referidos 8,3 mil milhões de euros em ajudas concedidas pelos contribuintes portugueses terão sido perdidos para sempre.

15 anos volvidos após a nacionalização do pequeno banco fundado por José Oliveira Costa ligado a várias figuras da política nacional (sobretudo do PSD), parece que o balanço terá finalmente estabilizado, embora a conta ainda não esteja fechada.

No caso do Banif, o governo tem justificado que é preciso dotar os veículos de fundos novos porque estes têm de assumir "compromissos plurianuais" de modo a alienar ativos e a recuperar créditos, a pagar serviços de assessores financeiros e jurídicos e de empresas especializadas em gestão e venda de imóveis, por exemplo.

A Oitante é a dona de ativos que o Banco Santander não quis comprar no negócio feito no final de 2015 (alguns imóveis, por exemplo), no âmbito do processo de resolução.

O veículo Wil gere "projetos turísticos", mas sobre este nunca abundou informação detalhada sobre o que faz realmente.

A sociedade Banif Imobiliária, que é da Oitante, também tinha uma carteira de imóveis para alienar.

BPN estabiliza ao fim de 15 anos

No caso do BPN, o Estado carrega as famosas sociedades "par", os três veículos nos quais foram vertidos os ativos bons, menos bons, maus e péssimos do banco que colapsou e foi nacionalizado pelo governo do PS, de José Sócrates, vai fazer 15 anos no próximo 2 de novembro, dia de Finados.

O trio Parvalorem (a mais importante), Parparticipadas e Parups vai exigir uma despesa de apenas 36,5 milhões de euros no OE 2024, mas este valor compara com os 267 milhões pedidos em 2023 ou com o gasto executado de 210 milhões de euros em 2022.

Seja como for, a receita realizada nesse ano já foi mais do que suficiente para compensar a despesa: pela primeira vez, ao fim de 13 anos, o BPN deu um ganho ao Estado, confirmou o Tribunal de Contas (TdC) no mais recente parecer sobre a CGE 2022.

A Parparticipadas é a holding que gere as participações do antigo BPN noutras empresas e fundos que gravitavam em torno do banco, a Parups é o veículo que gere imóveis, obras de arte, moedas de coleção e instrumentos financeiros vários e a Parvalorem é o fundo que tem a problemática carteira de créditos do BPN.

O dinheiro injetado ao longo de todos estes anos nestas sociedades serviu, no fundo, para financiar a recuperação de ativos, pagar juros e capital referentes a empréstimos concedidos pela CGD (um dos grandes credores do BPN), para apoiar a venda de imóveis, pagar contencioso e litigância em tribunais.

Como referido, todos estes veículos financeiros aparecem no OE orçamentados como despesa, mas do outro lado do balanço está prevista receita que a suporta e até supera os gastos de modo a não dar logo um défice nas contas públicas.

Com exceção feita aos apoios concedidos ao BCP e BPI (que no seu conjunto deram um lucro de mil milhões de euros ao Estado) e às capitalizações avultadas da CGD (mas este é um banco 100% público, que paga dividendos de forma regular, agora que voltou aos lucros), desde o começo da crise bancária que a regra tem sido sempre prejuízo no final de cada ano.

Mas, pelos vistos, o buraco do BPN terá finalmente estabilizado em 2022, segundo mostra o TdC.

O descalabro sobre as contas públicas

Não significa isto que se consiga apagar ou reverter o descalabro que os bancos impuseram às contas públicas e à dívida. Pelo contrário.

O défice global imposto aos contribuintes só por conta dos apoios aos bancos (considerando tudo -- injeções de capital, empréstimos, juros suportados -- e abatendo a este fardo as receitas obtidas) é, seja qual for a medida, monumental e ascendia a cerca de 21,9 mil milhões de euros no final de 2022, segundo o TdC.

Foi esse o custo de salvar o sistema financeiro como um todo, os depositantes que podiam ter ficado sem os depósitos a prazo, mas não só, como se sabe hoje pelos inúmeros casos que passaram pela Justiça e os que ainda correm.

Segundo o Tribunal de Contas, "em 2022, pela primeira vez desde o início da crise financeira internacional de 2007/2008, o saldo entre a receita e a despesa dos apoios concedidos pelo Estado ao setor financeiro foi favorável ao setor público (165 milhões de euros)".

"A receita totalizou 173 milhões de euros e resulta, sobretudo, da amortização parcial do empréstimo pela Parvalorem (121 milhões de euros) e de dividendos da CGD (50 milhões de euros)."

"A despesa totalizou 8 milhões de euros e ficou a dever-se, na quase totalidade, a despesas com a reprivatização do BPN (7 milhões de euros)", contabiliza o mesmo Tribunal.

Além da despesa orçamentada, que pode não ser correspondida pela receita, logo gerar défice, o Estado carrega ainda dívidas muito elevadas junto de alguns dos veículos financeiros referidos.

No conjunto das empresas públicas devedoras que integram o perímetro da consolidação orçamental, o caso mais grave é o da Parvalorem que, no final do primeiro semestre deste ano, devia mais de 5 mil milhões de euros. É um terço do total da dívida do setor público empresarial junto do Estado.

A Parparticipadas também aparece com uma dívida de 125 milhões de euros.

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