Moldes. Uma indústria de PME esmagada entre gigantes

O setor automóvel assegura 80% do volume de produção dos moldes, mas a redução das encomendas e o esmagamento dos preços obriga empresas portuguesas a encontrar novos caminhos. Ganhos de escala são vitais
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A reestruturação da indústria automóvel a nível mundial, seguida da pandemia e da guerra na Ucrânia criou "graves dificuldades" à indústria de moldes em Portugal. Só em dois anos, o setor perdeu 38 empresas e quase 500 trabalhadores para um total de 498 empresas que empregam 10 400 pessoas. As vendas caíram quase 200 milhões entre 2018 e 2021 e, embora o ano de 2022 marque a inversão da queda da produção e das exportações, a erosão no setor poderá não estar ainda terminada.

"Mesmo com o crescimento esperado de 3 a 5% em 2023, o processo de ajustamento vai continuar, porque há muitas empresas em grandes dificuldades económicas, por terem tentado emagrecer sem perderem os seus quadros-chave. A subida das taxas de juro vai fazer com que acabem por não ter condições para aguentar", admite Nuno Silva, vice-presidente da Cefamol - Associação Nacional da Indústria de Moldes.

Em causa está uma indústria que cresceu a partir de meados do século XX, dividida entre dois grandes polos, na Marinha Grande e em Oliveira de Azeméis, e na qual hoje Portugal "está na linha da frente" do ponto de vista tecnológico, da organização e do conhecimento.

Nascida fora da indústria automóvel, é o desenvolvimento desta que dá um "boost enorme de crescimento" à fileira dos moldes que atualmente depende em cerca de 80% do automóvel, embora também produza moldes para as indústrias de embalagens, dispositivos médicos, eletrodomésticos, material elétrico e eletrónica, mobiliário e aeronáutica, entre outros.

2018 foi o melhor ano de sempre da indústria, com um volume de produção total de quase 802 milhões de euros, embora as exportações neste ano tenham já sido 0,3% abaixo do ano anterior. A reestruturação da indústria automóvel, que levou a um corte nas encomendas, e a concorrência acrescida da Ásia, gerou grandes dificuldades e os anos seguintes foram de queda. Interrompida em 2022, ano que fechou com a produção e as exportações a crescerem 1,5% para 605,2 e 505,3 milhões de euros, respetivamente. "2023 trará crescimento, mas ainda muito ténue e muito longe dos níveis de 2018", reconhece o dirigente associativo.

Portugal ocupa hoje o top 3 do setor na Europa, a par da Alemanha e da Itália, sendo o oitavo maior produtor a nível mundial. Alemanha (21%), Espanha (16%), França (13%), EUA (6%), República Checa (6%) e Polónia (4%) são os principais destinos das exportações nacionais.

Esta é uma indústria constituída essencialmente por PME, mas com um grande peso de pequenas unidades, e que vive espartilhada num mundo de gigantes: a montante os seus fornecedores, designadamente do aço, um setor "com um enorme poder", e a jusante os clientes, os fornecedores de primeira linha da indústria automóvel. Crescer é vital. "Temos um tecido empresarial muito polarizado, precisamos de continuar a liderar tecnologicamente e de encontrar soluções de ganhos de produtividade e de escala para competir no mercado internacional. Porque o mercado está a surgir, mas com referenciais de preços muito mais baixos do que estávamos habituados. Os construtores europeus perceberam que a dependência do mercado chinês é perigosa e querem canalizar parte importante das suas compras para produção no mercado comunitário, mas a preços do nível asiático", lamenta Nuno Silva.

Fusões e aquisições são bem-vindas e, apesar de terem ocorrido algumas, não são suficientes. Para a associação, o ideal seria que as empresas encontrassem plataformas de colaboração. "Já existem alguns exemplos de empresas que se juntaram para negociar matérias-primas e para encontrarem formas de otimizarem a tecnologia e o conhecimento. Seria muito interessante que houvesse plataformas de entendimento também a nível comercial, mas tenho muitas dúvidas que isso em Portugal se consiga", defende.

A descapitalização das empresas é outro dos grandes desafios já que, após três anos de dificuldades, "falta-lhes capacidade de fundo de maneio para crescer", situação agravada pela "imposição de prazos de pagamento que dificilmente se conseguem suportar". A solução, defende a Cefamol, tem de passar pelo alargamento da atividade das empresas, a montante a jusante.

"Especializamo-nos demasiado no processo específico do molde. Precisamos de atuar, a montante, no desenvolvimento do produto, participar na conceção das peças com os clientes, e precisamos de atuar a jusante na produção das peças de plástico. É um caminho que tem de ser feito, e já o está a ser pelos grandes grupos, ou ficaremos sempre numa situação de subcontratação. Mas, mais uma vez, a questão da escala é determinante", defende Nuno Silva.

Em termos de capitalização das empresas, a Cefamol "está a trabalhar com o Banco de Fomento no sentido de que as linhas ativas existentes possam ser usadas no âmbito do setor com alguns critérios adaptados". Além disso está a trabalhar na capacitação das empresas, "de modo a que entendam os novos modelos de negócio e as formas de trabalhar", tentando, ainda, criar "fóruns de cooperação" no setor.

Quanto à diversificação de áreas de negócio, Nuno Silva admite que o setor pretende diminuir a sua dependência da indústria automóvel, mas recorda que será sempre uma diminuição relativa, de quatro ou cinco pontos percentuais, não mais. "Não há nenhum outro setor com a rotatividade de produtos que existe no automóvel. Um molde que se faz para o mobiliário ou os dispositivos médicos vai ser usado sete ou oito anos, o da indústria automóvel trabalha dois ou três porque, logo a seguir, vem um restyling do modelo que gera a necessidade de novos moldes", explica.

A revolução na mobilidade e a aposta em várias tipologias de motorização é uma boa notícia para a indústria dos moldes. "Quantos mais modelos, melhor, mais moldes são necessários", defende.

Estes e outros desafios da fileira vão estar em debate no congresso do setor, marcado para 17 e 18 de março. "Moldar (n)um mundo em mudança" é o tema escolhido para este ano, num encontro que se realiza pela primeira vez em Oliveira de Azeméis. São esperados mais de 300 participantes.

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