
Quando chegou à Monte do Pasto, em 2014, a empresa ainda se chamava Sapju e acumulara uma dívida de 54 milhões de euros, tendo optado por apostar sempre no mercado nacional. “Era uma empresa inexistente, que estava praticamente desativada”, resume Clara Moura Guedes, a CEO atual da companhia. Hoje, a Monte do Pasto tem uma faturação que, em 2025, deverá ser superior a 30 milhões de euros, exporta praticamente toda a carne que produz, emprega 50 pessoas e dessas, cerca de 60% tem formação superior.
A operar num setor hipertradicional, a Monte do Pasto teve de começar por largar o nome. “Tínhamos um lastro enorme, e ficava mais mal do que bem manter o nome, em termos reputacionais. Portanto, uma das primeiras decisões foi mudar-lhe a designação. No fundo, foi um reset”, conta, divertida, a gestora durante uma conversa com o Dinheiro Vivo, que pode ver e ouvir, na íntegra, no site do DV ou através do QR Code que está no final deste texto. “Eu não conhecia a empresa de lado nenhum e não sabia nada do seu histórico, a não ser o que os bancos me diziam, portanto, pensei: ‘Isto não pode ser.’” E a partir dessa altura a empresa mudou muito, de cultura, de relacionamento com stakeholders, e de estratégia de mercado. Portanto, creio que foi uma coisa boa, marcar a nova etapa.”
A Clara Moura Guedes foi-lhe pedido que recuperasse uma empresa de cuja área de atuação sabia praticamente nada. Depois de ter passado vários anos na L’Oréal, na divisão da Garnier, a executiva integrou a Mars, ou seja, produtos de grande consumo. O seu primeiro desafio fora de multinacionais foi na Queijo Saloio, onde esteve durante praticamente dez anos, a trabalhar precisamente na recuperação da empresa.
Depois, surgiu a Monte do Pasto. “Eu não sabia nada de vacas”, diz com uma gargalhada nos estúdios do DN/Dinheiro Vivo. E, sobretudo, a um setor que não tem, propriamente, um grande apoio da opinião pública. “As pessoas pensam logo em emissões quando se fala de bovinos, não é? Portanto, temos de fazer as coisas de forma diferente e, na realidade, é possível fazê-las de uma forma muito diferente daquilo que se fazia até então.”
Quando, em 2014, Clara chegou à então Sapju, sedeada na Herdade do Trolho, ao pé de Cuba do Alentejo, contavam-se 600 cabeças de gado nos campos. Atualmente são 12 mil. E se antes só produzia carne, agora dedica-se também a fazer consultoria e formação, a desenvolver rações e a promover a gastronomia nacional fora de portas. Mas então como é que alguém que vem de setores tão diferentes quanto o agrícola consegue transformar uma empresa marcadamente tradicional num caso de sucesso?
“Primeiro trabalhei na L’Oréal e na Mars, o que significa que estava habituada a um framework muito estruturado, muito organizado de multinacional, etc.”, explica. E em empresas onde “a inovação e desenvolvimento são das suas características mais marcantes. Portanto, quando cheguei ao queijo, já vinha com esta base, que era o que eu conhecia. E depois, na Monte do Pasto, tentei simplesmente replicar. Foi sempre isso que tentei fazer: replicar a estrutura de uma multinacional numa pequena empresa.”
O que levou a uma questão: “Como é que eu posso fazer inovação numa empresa que vive de si própria? É que, ao contrário do que acontecia nas multinacionais, eu chegava todos os dias de manhã e não tinha uma quantidade de informação com o state of the art”, recorda. “E então pensei: a minha única hipótese de fazer inovação e desenvolvimento é ir às Universidades.” E, como “tinha feito, já tinha desenvolvido vários projetos, nomeadamente com a Universidade do Minho, temos uma ligação muito próxima, e eles são superdinâmicos. E, a mim, interessava-me imenso desenvolver esta história da sustentabilidade. Que, na altura, e como dizíamos no início da nossa conversa, ainda não era uma palavra que estivesse na moda. Aliás, nós temos um relatório de ESG, o que não é muito habitual, sobretudo numa empresa pecuária”, esclarece.
Aplicar as regras das multinacionais para crescer
No mesmo sentido, conta, o seu olhar de quem vinha de fora ajudou a ser mais assertiva na gestão. “O facto de eu nunca ter visto nada daquilo tem vantagens e inconvenientes, mas a vantagem é cortar a direito, não é? “, atira com um sorriso. “E, vamos lá, isto é uma empresa como outra empresa qualquer, vamos fazer o que se faz nas empresas, que é tentar fazer o melhor possível”, pensou. “E também vem daí o facto de termos atualmente 60% de licenciados de que falámos há bocadinho. Porque eu decidi, quando cheguei, que era muito complicado desenvolver a empresa quando praticamente não tinha pessoas que eu achasse que o conseguiam fazer. Portanto, segui a mesma política de recrutamento da Mars, que é ir à universidade e começar a recrutar pessoas recém-licenciadas. E foi isso que fizemos”. Dez anos depois, “são as pessoas que eu tenho nos lugares de mais responsabilidade. Não é que não tenhamos muita rotação, mas foi assim que fizemos”.
E por conta dessa ligação, os projetos com as Universidades eram não apenas necessários, como também relativamente orgânicos. Foi assim que nasceu o Ethical Meat - que vai ter, aliás, um sucessor chamado Smart Cattle -, que consistia em produzir carne tendo em conta o bem-estar animal, o que garantiram com a ajuda de Universidades, como a do Minho e a de Évora, que têm sido parceiras recorrentes da empresa.
“Também temos certificação de bem-estar animal e o que queríamos era saber como produzir carne de melhor qualidade, com mais eficiência e focado no bem-estar animal, ou seja, sustentável”, explica. “E o resultado deste projeto que já acabou há, creio, 2 anos, foi um aumento de produtividade de 25%. Fizemos isto com a Universidade do Minho e com a Universidade de Évora: Évora ajudava no maneio, Minho no produto. O nosso objetivo era conseguir focarmo-nos no bem-estar animal ao longo de toda a cadeia, e isso resultou numa maior produtividade e numa qualidade muito superior”, explica. “E num aspeto, que é muito relevante e do qual nem sempre se fala, que é a redução do desperdício. E este acaba por ser o ponto fundamental, porque, do ponto de vista alimentar, é o maior impacto negativo para o ambiente”, salienta.
Agora, continuam a colher os frutos desse projeto que, tendo terminado enquanto tal, continua a estar presente na atividade diária da empresa.
No mesmo sentido, a Monte do Pasto desenvolveu o projeto Future Beef, que, apesar do que o nome possa fazer desconfiar, não vai retirar a carne da equação. Mas quer, através de otimização genética, garantir que não apenas se consegue uma otimização produtiva para ganhos de eficiência e mitigação de impactos ambientais, como também uma valorização comercial da carne. No fundo, é uma tentativa de produzir, por lotes, carne que pode ter destinos específicos, consoante os gostos e a procura em cada uma das geografias. Algo que pode ser feito através do reajuste da dieta alimentar dos bovinos e também do controlo do momento ideal para o abate, consoante a idade, a raça e a capacidade de engorda dos animais.
“E gostaríamos muito de conseguir, de alguma forma, ter um grading, uma espécie de escala de avaliação, que é aquilo que há na carne nos Estados Unidos, e que é uma coisa muito objetiva de classificação de qualidade, que em Portugal não existe”, continua a gestora. “O que estamos a fazer é intervenção ao nível genético, e depois um conjunto de medidas, na parte da produção propriamente dita, cujo objetivo é ter uma carne de valor acrescentado pela homogeneidade e pela qualidade intrínseca. Portanto, não é uma carne não-existente, como poderia indicar o nome Future Beef”, reforça com um sorriso. “É carne, carne”.
O PlanetMoo, outro projeto de Investigação e Desenvolvimento, envolve tudo o que tem que ver com sustentabilidade, esclarece também a CEO. “Nomeadamente na parte das rações, tentando que a alimentação ajude a reduzir as emissões. Nessa parte das rações tem muita influência. Depois também temos um outro: criámos uma empresa chamada Care and Welfare, porque, como nós temos uma dimensão muito grande, temos muita experiência acumulada e, portanto, temos um corpo próprio de veterinários, o que também não é muito habitual, porque normalmente são subcontratados.” Através desta área, oferecem serviços de consultoria e formação para apoiar os criadores no pasto, garantindo, mais uma vez, que conseguem ajudar ao longo de toda a cadeia de produção.
IA e Tecnologia no campo
Para Clara Moura Guedes, esta não é apenas uma questão de sustentabilidade em todo o processo, mas também de sobrevivência financeira: diversificando, ganha dimensão e estabilidade.
E é por acreditar firmemente na importância da tecnologia e inovação, mesmo em setores tradicionais, que, desde há algumas edições, começou a estar presente na Ovibeja com uma iniciativa que junta parceiros tão inesperados como, por exemplo, a Google Cloud. Este ano, a Monte do Pasto organizou uma conferência chamada Smart Cattle, em que vai refletir sobre Inteligência Artificial e Agropecuária do Futuro, com a ajuda de um keynote speaker da Google, que vai explicar como a Inteligência Artificial, o Data Analytics e a Cloud estão a revolucionar a agricultura. O programa pretende ainda refletir sobre como se pode criar valor com um sistema de gestão agropecuária inteligente e sustentável suportado em IA, robótica e biotecnologia ou sobre como a carne portuguesa pode ter um papel mais determinante na gastronomia e restauração em redor do globo.
Restaurantes rendem-se à carne
Mas, afinal, o mundo não está a comer menos carne? “Na restauração há um volte-face enorme”, afiança Clara. “Hoje em dia começa a haver muitos restaurantes para quem a qualidade da carne é muito importante. Aliás, vários só querem carne de alto valor acrescentado. Aliás, temos tido uma experiência interessante nessa área”, conta, ainda. “A nossa empresa está muito virada para a exportação, mas de há um ano a esta parte, começámos a vender, no mercado nacional, carne para restauração, através de um parceiro distribuidor, que é a Sogenave. E como nós temos uma carne que é de muita qualidade, o que fizemos foram várias experiências com cozinheiros, a quem dávamos a provar a nossa carne para eles cozinharem e experimentarem.”
“E foi muito engraçado porque já fizemos experiência com muitos chefs de restaurantes, todos de renome, e tivemos uma taxa de 100% de conversão. Todos os que experimentaram quiseram começar a comprar”, revela. “Isto para nós, que andamos a aprender, foi muito importante.”
Além disso, conta ainda, estão também “a aprender a vender a vaca toda. Porque é muito fácil vender lombo, picanha, e assim, mas é importantíssimo saber como criar valor em todos os elementos.” Mais uma vez, lembra, porque o desperdício alimentar é dos maiores custos do setor da restauração. Por isso mesmo, e acompanhando um movimento de cozinheiros, sobretudo mais jovens, garantir que se vende o animal inteiro é um ganho para todos os envolvidos, salienta.
No seguimento disto, conta ainda a gestora, a Monte do Pasto está a tentar desenvolver charcutaria de vaca, ao invés de ser de porco. “Um produto muito interessante para os mercados do Médio Oriente”, e que ajuda também na prossecução deste objetivo.
De devedora a exemplo no setor
Recuamos uns anos, para ir até 2019, altura em que a Monte do Pasto, já com contas sólidas, chamou a atenção do fundo CESL Asia, que através das suas subsidiárias Focus Platform e Focus Agriculture adquiriu a empresa e fez um investimento considerável na área da energia e da sustentabilidade, “bem como em outros domínios”.
A empresa passara já de uma das grandes devedoras ao Novo Banco - fazia parte do universo do antigo BES - a uma companhia rentável e com um balanço limpo. A atuar em diversas áreas - na altura segregou o negócio e começou a fazer uma colaboração com uma empresa de olival e amendoal -, estava na hora de a Monte Pasto dar outro passo em frente, e “a parte da exploração” foi então alvo de um Management Buy Out (MBO). “O que fez imenso sentido, acho eu, para ambas as partes”, nota.
“Esta área de que eu estou a falar, a operação dos bovinos, rações, serviços e etc., desenvolve-se em 475 hectares e o grupo tem um total de 4000 hectares. Esta segregação permitiu-nos ter uma estrutura financeira mais equilibrada, mais leve, mais adequada”, remata.
Restaurantes rendem-se à carne
Mas, afinal, o mundo não está a comer menos carne? “Na restauração há um volte-face enorme”, afiança Clara. “Hoje em dia começa a haver muitos restaurantes para quem a qualidade da carne é muito importante. Aliás, vários só querem carne de alto valor acrescentado. Aliás, temos tido uma experiência interessante nessa área”, conta, ainda. “A nossa empresa está muito virada para a exportação, mas de há um ano a esta parte, começámos a vender, no mercado nacional, carne para restauração, através de um parceiro distribuidor, que é a Sogenave. E como nós temos uma carne que é de muita qualidade, o que fizemos foram várias experiências com cozinheiros, a quem dávamos a provar a nossa carne para eles cozinharem e experimentarem.”
“E foi muito engraçado porque já fizemos experiência com muitos chefs de restaurantes, todos de renome, e tivemos uma taxa de 100% de conversão. Todos os que experimentaram quiseram começar a comprar”, revela. “Isto para nós, que andamos a aprender, foi muito importante.”
Além disso, conta ainda, estão também “a aprender a vender a vaca toda. Porque é muito fácil vender lombo, picanha, e assim, mas é importantíssimo saber como criar valor em todos os elementos.” Mais uma vez, lembra, porque o desperdício alimentar é dos maiores custos do setor da restauração. Por isso mesmo, e acompanhando um movimento de cozinheiros, sobretudo mais jovens, garantir que se vende o animal inteiro é um ganho para todos os envolvidos, salienta.
No seguimento disto, conta ainda a gestora, a Monte do Pasto está a tentar desenvolver charcutaria de vaca, ao invés de ser de porco. “Um produto muito interessante para os mercados do Médio Oriente”, e que ajuda também na prossecução deste objetivo.
De devedora a exemplo no setor
Recuamos uns anos, para ir até 2019, altura em que a Monte do Pasto, já com contas sólidas, chamou a atenção do fundo CESL Asia, que através das suas subsidiárias Focus Platform e Focus Agriculture adquiriu a empresa e fez um investimento considerável na área da energia e da sustentabilidade, “bem como em outros domínios”.
A empresa passara já de uma das grandes devedoras ao Novo Banco - fazia parte do universo do antigo BES - a uma companhia rentável e com um balanço limpo. A atuar em diversas áreas - na altura segregou o negócio e começou a fazer uma colaboração com uma empresa de olival e amendoal -, estava na hora de a Monte Pasto dar outro passo em frente, e “a parte da exploração” foi então alvo de um Management Buy Out (MBO). “O que fez imenso sentido, acho eu, para ambas as partes”, nota.
“Esta área de que eu estou a falar, a operação dos bovinos, rações, serviços e etc., desenvolve-se em 475 hectares e o grupo tem um total de 4000 hectares. Esta segregação permitiu-nos ter uma estrutura financeira mais equilibrada, mais leve, mais adequada”, remata.