No Alentejo algo de novo

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Esta crise veio trazer de novo a aposta em regiões como o Alentejo para a agenda estratégica do país. As restrições colocadas em sede de realização de viagens e as condições de acolhimento que o Alentejo propicia estão a relançar a aposta em novos conceitos um pouco por todo o país. O Alentejo representa de facto uma nova oportunidade de relançamento da economia e de adaptação a uma nova filosofia de vida que esta pandemia veio trazer. Mas significa também a necessidade de ter uma visão clara de qual deve ser o foco que deve ser colocado do ponto de vista estratégico em termos de investimento e fixação de capital e de pessoas. No Alentejo, aos poucos, vamos tendo casos de sucesso que a todos nos orgulham e devem constituir um exemplo para o futuro.

São muitos os casos que demonstram de forma clara a aposta que a região está a fazer de forma inteligente na área da inovação e competitividade, quer nos setores mais tradicionais como nas novas áreas tecnológicas de ponta. A Adega Mayor, que se tem consolidado como uma aposta ganha na área dum setor tão estratégico como o vinho, é o exemplo de como a partir duma leitura inteligente da cadeia de valor, se conseguem colocar no mercado propostas que fazem um compromisso de sucesso entre a força da tradição e o apelo da inovação. A Rita Nabeiro tem sido a grande inspiradora desta agenda de futuro e visitar e poder desfrutar do espaço maior que Siza Vieira idealizou há 15 anos é uma experiência que vale a pena e nos dá uma visão muito positiva deste Alentejo novo em que todos acreditamos.

As políticas públicas de aposta no desenvolvimento estratégico do território, muito associadas à dinâmica dos fundos comunitários e ao trabalho em rede protagonizado pelas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, em articulação com universidades e associações empresariais, têm sido importantes para reforçar os níveis de inteligência coletiva das diferentes áreas regionais e acompanhar as tendências estratégicas produzidas e disseminadas por entidades de referência como a Comissão Europeia e a OCDE. No caso do Alentejo, neste contexto de aposta em novas áreas, de destacar o exemplo da aeronáutica, a partir do efeito central do investimento da Embraer em Évora e de todo o trabalho de cluster realizado em Ponte de Sor, com efeitos muito importantes na estabilização de um ecossistema inovador gerador de valor.

Quando se analisam, contudo, as apostas estratégicas em termos de especialização económica assumidas pelas diferentes áreas do território vem ao de cima a falta de coordenação e articulação, absolutamente centrais para poder assumir opções claras em termos de captação de investimento e fixação de capital social. De Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pela zona da Serra da Estrela, existe na maioria dos casos uma redundância em termos dos clusters em que se quer apostar - saúde, tecnologias de informação e comunicação, aeronáutica, quando na verdade a dimensão do país e em particular do interior não o permite. Muito importante conseguir corrigir esta lacuna e criar as condições para verdadeiras agendas estratégicas de valor em regiões como o Alentejo. A ligação, em articulação com o Algarve, à Andaluzia, será aqui um acelerador inteligente que deverá será considerada no futuro.

Importa de facto reforçar esta aposta estratégica e o papel dos Clusters e dos Parques de Ciência e Tecnologia pode ser determinante neste domínio. Nunca como agora foi fundamental que se definisse uma coordenação clara entre poderes públicos e entidades privadas em sede da especialização assumida para cada território e a partir daí sinalizar um programa claro de criação de condições de contexto positivo para a captação de investimento e a fixação de talentos no interior. No caso do Alentejo, o papel da Universidade de Évora e dos Politécnicos de Portalegre e Beja, em articulação com os diferentes centros de competência do território, será decisivo - mas também aqui importa definir de forma muito clara as áreas onde vale a pena apostar.

É preciso perceber que a aposta em regiões como o Alentejo não se faz por decreto. O papel das políticas públicas é central na orientação estratégica das opções que devem ser feitas e terá que haver por parte dos diferentes atores do território - municípios, universidades e institutos politécnicos, associações empresariais, centros de inovação, entre outros - uma definição clara das áreas de especialização estratégica para as quais devem ser sinalizados os esforços colaborativos de captação de investimento e fixação de recursos humanos e talentos. Se esta não for a estratégia, continuaremos a assistir a uma competição desenfreada e sem qualquer racionalidade ao longo do território pela mesma especialização estratégica. A insustentável leveza da aposta no Alentejo é um desafio que apela a um imperativo de modernidade e inteligência coletiva daqui para a frente. No Alentejo, de facto, algo de novo.

(O autor escreve de acordo com o Antigo Acordo Ortográfico)

Francisco Jaime Quesado, Economista e Gestor - Especialista em Inovação e Competitividade

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